Livro que o acaso
retardou
Pedro
J. Bondaczuk
Há personagens
históricos cujas vidas e obras são tão fascinantes, que não há como não
ficarmos admirados pelo fato de nenhum escritor, principalmente ficcionista,
ter explorado esse filão temático para a produção de uma obra-prima imortal. E
eles são muitos, verdadeira “multidão”. Quanto romance marcante tem deixado de
ser escrito em virtude desse tipo de omissão! Atribuo isso à falta de
informação por parte de escritores talentosos, que caso assumissem essa tarefa,
certamente acumulariam best-sellers sobre best-sellers.. A História do Brasil,
que é a que mais me interessa, registra muitas dessas figuras, que passam
praticamente batidas, a não ser da atenção de historiadores.
Um dos personagens que
considero mais fascinantes e sobre o qual pouquíssima coisa foi escrita, é o
aventureiro português João Ramalho. Há anos planejei escrever um romance,
tendo-o por protagonista, mas por uma série de circunstâncias – que nem sei se
considero incidentes ou acidentes de percurso – vem sendo seguidamente adiado
para um “não sei quando”. Ou seja, o acaso impediu (espero que tenha somente
retardado) seu “nascimento”.
Até comecei a redigir o
tal livro, numa espécie de “copião”, alinhavando as principais idéias sem
maiores preocupações estilísticas ou de extensão. Pesquisei sobre personagens
históricos reais, que existiram em carne e osso. Fiz pesquisas também sobre
cenários da época, dos quais redigi descrições detalhadas e meticulosas, com
base em gravuras que tinha em mãos. Portanto, tinham muito de imaginação e
pouco de realidade, por razões óbvias: não vivi na época e por isso, não
testemunhei nada do que descrevi. Mas a própria História, encarada como
ciência, tem muito de ficcional. Desconfio que 50% ou mais dos textos dos
historiadores se trate de ficção. Pode ser, como pode não ser exatamente como
ele descreve personagens, cenários e acontecimentos. Afinal, ele não os viu e
não testemunhou nenhum dos episódios, que considera como “fatos”,
A tarefa mais
complicada envolveu, simultaneamente, pesquisa e imaginação (mais esta, do que
aquela). Ou seja, “inventei” protagonistas que teriam que ter (e creio que
tinham) costumes, vestimentas, comportamentos etc. etc, etc. iguais aos
verdadeiros, aos que viveram na ocasião. Não fosse assim, não haveria a
desejável verossimilhança. E essa falha saltaria imediatamente aos olhos de
qualquer um, por menos observadora que a pessoa fosse. Se fiz tudo isso, o
leitor esperto certamente estará se perguntando: “Se você andou todo esse caminho,
por que não deu sequência ao trabalho? Por que não escreveu o tal livro?”. Bem,
é aí que entram os citados “incidentes” que mencionei.
Todo o trabalho de
descrição dos personagens históricos, de criação dos fictícios, assim como as
dos cenários, das vilas onde o enredo se desenvolvia, das moradias, do
mobiliário, do vestuário dos protagonistas, etc.etc.etc. tudo, tudo foi anotado
de duas formas: parte em manuscritos, em um caderno que destinei para esse fim,
e parte datilografada. Nem sei porque fiz isso, mas fiz. Quando o livro, na
verdade o “copião”, começava a tomar forma, embora redigido por meios tão
diferentes (parte à mão e parte à máquina de escrever) tive que interromper o
trabalho, pensando retomá-lo no menor prazo possível. Dois fatos, ambos muito
positivos, ocorreram na época e desviaram a minha atenção.
A primeira dessas
ocorrências foi uma promoção que recebi no jornal em que trabalhava na época,
que resultou num salário maior, é verdade, mas também em menos tempo para
outras atividades que não fossem as profissionais. O segundo fato foi que me
apareceu um bom negócio para aquisição de uma casa, num dos melhores bairros de
Campinas (verdadeira pechincha) que implicou em demoradas negociações e na
posterior burocracia para a lavratura da devida escritura. Eufórico, como
estava, a última coisa em que pensei, na ocasião, foi no livro que estava
escrevendo. Todavia, isso tudo não foi o pior.
Adquirida a nova casa,
lavrada a escritura e cumpridas as devidas formalidades do negócio, veio o momento
mais complicado: o de pensar na mudança. Quem já mudou alguma vez, sabe o
trabalho e os contratempos que isso dá. O mínimo que ocorre é que todas as suas
coisas ficam de pernas para o ar. Imagine o leitor o que é preciso fazer para
mudar com segurança e relativa ordem uma
biblioteca de cerca de quatro mil volumes! É uma loucura! Por mais organizado
que você seja, todos os livros terminam misturados nas várias caixas de papelão
utilizadas para acondicioná-los. Pior ainda é o que ocorre com as anotações
esparsas – e eu tinha várias gavetas repletas delas, a maioria já sem nenhuma
validade, mas misturadas a outras que requeriam atenção urgente e todo esse
material precisava de triagem.
Em resumo, passada a
fase de mudança, com as coisas todas colocadas nos devidos lugares da nova
casa, lembrei-me, finalmente, do tal “copião” do livro – do seu embrião,
anotado, recordo, de duas formas diferentes: parte manuscrita e parte
datilografada – no qual pretendia trabalhar num determinado fim de semana
prolongado, por ser emendado com um feriado. Mas... cadê?! Procura daqui,
procura dali e nada! Passei, sem exagero, quatro horas revirando papéis,
tirando coisas do lugar, promovendo uma bagunça infernal, aflito à procura de
tais textos, até me dar por vencido. Não os encontrei. Nem na ocasião e nem
nunca. Passei anos (para ser mais específico, dezessete) até voltar a pensar no
assunto. Do “copião”, até hoje, não encontrei o menor sinal. É provável que
durante a mudança tenha me desfeito dele junto com anotações que julgava
supérfluas, sem sequer notar. Ou, quem sabe, quando menos esperar, eu dê de
cara com ele (tomara que sim).
Mas não desisti de
escrever o tal romance. Claro, terei que recomeçar tudo da estaca zero. Agora,
todavia, há duas vantagens que impedirão que o problema de há quase duas
décadas se repita. Tenho, a meu favor, o computador. Para evitar algum eventual
problema na máquina, pretendo publicar, de alguma forma, o novo “copião” (se o
redigir, é lógico) em algum dos meus blogs, provavelmente no “O Escrevinhador”,
em que divulgo exclusivamente minha produção literária. A segunda vantagem é
que disponho de muito mais tempo do que dispunha na ocasião. E por que escolhi
João Ramalho como inspiração temática e não outra figura qualquer? Disso,
tratarei outro dia, com mais vagar. Só adianto que, entre tantas façanhas desse
aventureiro português, ele fundou duas cidades e “apenas” com seus filhos, que
ascendiam a, pelo menos, três centenas: Santo André e Taubaté. Querem mais?!!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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