Literatura
em crise
Pedro J. Bondaczuk
O
escritor que assume, de fato, essa condição, mas de maneira convicta, como
missão de vida, e que (sejam quais forem as circunstâncias) se dedica, em tempo
integral, exclusivamente à Literatura, é “avis rara”. Por que? Porque a
atividade literária, além de absorvente, é uma espécie de roleta russa. Tanto
pode conduzir quem faz essa opção à fama e à imortalidade (o que é muito mais
raro do que se deseja e se pensa), quanto pode destruí-lo como agente social e
até como ser humano. Basta ver a quantidade de escritores que cometeu suicídio.
Seria coincidência? Não creio. A Literatura cobra seu preço não apenas em
termos econômicos, por não ser rentável ao seu agente produtor, mas também, e
principalmente, psicológicos e afetivos. O escritor tende a se “desnudar”, sem
qualquer pudor, emocionalmente, em público. Tem que agir assim se quiser
produzir algo de valor. Mas isso tem um preço, para alguns proibitivo, em
termos de desgaste.
Raros,
raríssimos são os escritores em tempo integral, por mais que amem a Literatura.
A prioridade de qualquer pessoa é, antes e acima de tudo, garantir o próprio
sustento e o da família (caso tenha
uma). E, convenhamos, só um punhado ínfimo de literatos pode sustentar-se,
“apenas”, com os frutos da atividade. E isso, quando eventualmente ocorre, se
dá somente anos após o sujeito comer o pão que o diabo amassou. Na maior parte
dos casos, os escritores têm mais gastos para a publicação de seus livros do
que lucros com a venda deles. Quem se dedica integralmente à Literatura, salvo
raras exceções, é aquele indivíduo que escreve bem, que ama escrever, que tem o
que transmitir, mas já se aposentou da atividade que lhe assegurava o sustento
(quase sempre jornalismo, publicidade, advocacia, medicina etc.etc.etc.).
Nesses casos, tudo o que vier na sequência (se vier) será lucro.
Pode
ser, também, é verdade, alguém que
jamais trabalhou, por não precisar trabalhar, que tenha nascido em berço de
ouro e jamais conhecido as agruras da falta de dinheiro. Estes, no entanto, são
mais raros ainda. Conheço raríssimos milionários que se tornaram escritores, na
acepção real do termo (não me refiro a “curiosos”). Presumo que lhes falte
vivência, experiência, conhecimento sobre o lado árduo e perverso da vida.
Não
basta, porém, amar as letras para ter alguma chance, mesmo que remota, ainda
que se dedique a elas em tempo integral, para ser escritor. Além de precisar
ser criativo e sempre exato em seu linguajar (o que é condição primária e
indispensável), precisa ser bem informado, ter sólida cultura, contar com muita
autodisciplina, ser leitor compulsivo e contumaz etc.etc.etc. além de contar
com o raro, raríssimo dom da empatia, uma espécie de carisma que lhe empreste
desejável credibilidade.
A
Literatura, a exemplo de tantas outras atividades, atravessa período de crise.
Não se trata de falta de escritores e nem de livros, longe disso. São
publicados, anualmente, nos centros culturalmente mais evoluídos do mundo, um
número estimado de pelo menos 50 milhões de novos títulos. Não é pouca
coisa. Nesse vasto universo, há muita
produção boa, sem dúvida, mas há, também (e desconfio que a imensa maioria) uma
infinidade de publicações que são no mínimo subliteratura e que não justificam
nem mesmo o papel utilizado para sua impressão.
“Quer
dizer, então, que a Literatura perdeu relevância no mundo contemporâneo,
caracterizado pela comunicação instantânea, pela internet, celular e toda a
parafernália eletrônica atual?”, perguntará o leitor. Não se trata disso. Não,
ela não perdeu a importância. Aliás, a Literatura tornou-se, até, mais
relevante do que jamais foi. O que há,
todavia, é uma crise de criatividade. O que falta é credibilidade à maioria dos
escritores, consagrados ou não, que freqüentam manchetes e arrematam os principais
prêmios literários, mas legam aos leitores um número cada vez menor de livros
de qualidade. E a atividade só poderá ser resgatada por ela mesma. Por aqueles
que a exercem, mas com competência, criatividade e verdade.
Aliás,
quem fez essa constatação sobre crise não fui eu (embora concorde que esteja
havendo uma). Foi o professor de literatura inglesa Peter Widdowson, falecido
em julho de 2009, considerado o responsável pela revitalização da arte
literária na Inglaterra, mediante incansável atuação crítica, tanto em aulas em
universidades, quanto nos debates que promoveu. O ilustre docente, em
entrevista que concedeu há dez anos: “A literatura permanece sendo componente
tão crucial da atividade e da experiência humanas, que deve ser resgatada por ela
mesma. Deve ser re-acreditada, em vez de ser subsumida de maneira envergonhada,
como tem sido o caso recentemente, sob os conceitos gerais de escrita,
retórica, discurso e produção cultural”.
Há
tendência crescente de priorização da forma, em detrimento do conteúdo. Não que
ela não seja importante. Claro que é. Não por acaso a literatura é brindada com
o título de “belas letras”. E se faz não somente com idéias, mas, sobretudo,
com palavras. Mas o bom livro, o que dura, o que influi, o que orienta e induz
à reflexão, é o que reúne as duas características. Ou seja, forma e conteúdo.
Se algo pudesse ser dispensado (e entendo que não há o que seja dispensável)
isso seria a maneira de expressar os conceitos que se pretenda transmitir,
desde que respeitada a rigorosa correção semântica.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment