Wednesday, July 23, 2014

Literatura em crise

Pedro J. Bondaczuk

O escritor que assume, de fato, essa condição, mas de maneira convicta, como missão de vida, e que (sejam quais forem as circunstâncias) se dedica, em tempo integral, exclusivamente à Literatura, é “avis rara”. Por que? Porque a atividade literária, além de absorvente, é uma espécie de roleta russa. Tanto pode conduzir quem faz essa opção à fama e à imortalidade (o que é muito mais raro do que se deseja e se pensa), quanto pode destruí-lo como agente social e até como ser humano. Basta ver a quantidade de escritores que cometeu suicídio. Seria coincidência? Não creio. A Literatura cobra seu preço não apenas em termos econômicos, por não ser rentável ao seu agente produtor, mas também, e principalmente, psicológicos e afetivos. O escritor tende a se “desnudar”, sem qualquer pudor, emocionalmente, em público. Tem que agir assim se quiser produzir algo de valor. Mas isso tem um preço, para alguns proibitivo, em termos de desgaste.

Raros, raríssimos são os escritores em tempo integral, por mais que amem a Literatura. A prioridade de qualquer pessoa é, antes e acima de tudo, garantir o próprio sustento e o da família (caso  tenha uma). E, convenhamos, só um punhado ínfimo de literatos pode sustentar-se, “apenas”, com os frutos da atividade. E isso, quando eventualmente ocorre, se dá somente anos após o sujeito comer o pão que o diabo amassou. Na maior parte dos casos, os escritores têm mais gastos para a publicação de seus livros do que lucros com a venda deles. Quem se dedica integralmente à Literatura, salvo raras exceções, é aquele indivíduo que escreve bem, que ama escrever, que tem o que transmitir, mas já se aposentou da atividade que lhe assegurava o sustento (quase sempre jornalismo, publicidade, advocacia, medicina etc.etc.etc.). Nesses casos, tudo o que vier na sequência (se vier) será lucro.

Pode ser,  também, é verdade, alguém que jamais trabalhou, por não precisar trabalhar, que tenha nascido em berço de ouro e jamais conhecido as agruras da falta de dinheiro. Estes, no entanto, são mais raros ainda. Conheço raríssimos milionários que se tornaram escritores, na acepção real do termo (não me refiro a “curiosos”). Presumo que lhes falte vivência, experiência, conhecimento sobre o lado árduo e perverso da vida.

Não basta, porém, amar as letras para ter alguma chance, mesmo que remota, ainda que se dedique a elas em tempo integral, para ser escritor. Além de precisar ser criativo e sempre exato em seu linguajar (o que é condição primária e indispensável), precisa ser bem informado, ter sólida cultura, contar com muita autodisciplina, ser leitor compulsivo e contumaz etc.etc.etc. além de contar com o raro, raríssimo dom da empatia, uma espécie de carisma que lhe empreste desejável credibilidade.

A Literatura, a exemplo de tantas outras atividades, atravessa período de crise. Não se trata de falta de escritores e nem de livros, longe disso. São publicados, anualmente, nos centros culturalmente mais evoluídos do mundo, um número estimado de pelo menos 50 milhões de novos títulos. Não é pouca coisa.  Nesse vasto universo, há muita produção boa, sem dúvida, mas há, também (e desconfio que a imensa maioria) uma infinidade de publicações que são no mínimo subliteratura e que não justificam nem mesmo o papel utilizado para sua impressão.

“Quer dizer, então, que a Literatura perdeu relevância no mundo contemporâneo, caracterizado pela comunicação instantânea, pela internet, celular e toda a parafernália eletrônica atual?”, perguntará o leitor. Não se trata disso. Não, ela não perdeu a importância. Aliás, a Literatura tornou-se, até, mais relevante do que jamais foi.  O que há, todavia, é uma crise de criatividade. O que falta é credibilidade à maioria dos escritores, consagrados ou não, que freqüentam manchetes e arrematam os principais prêmios literários, mas legam aos leitores um número cada vez menor de livros de qualidade. E a atividade só poderá ser resgatada por ela mesma. Por aqueles que a exercem, mas com competência, criatividade e verdade.

Aliás, quem fez essa constatação sobre crise não fui eu (embora concorde que esteja havendo uma). Foi o professor de literatura inglesa Peter Widdowson, falecido em julho de 2009, considerado o responsável pela revitalização da arte literária na Inglaterra, mediante incansável atuação crítica, tanto em aulas em universidades, quanto nos debates que promoveu. O ilustre docente, em entrevista que concedeu há dez anos: “A literatura permanece sendo componente tão crucial da atividade e da experiência humanas, que deve ser resgatada por ela mesma. Deve ser re-acreditada, em vez de ser subsumida de maneira envergonhada, como tem sido o caso recentemente, sob os conceitos gerais de escrita, retórica, discurso e produção cultural”.

Há tendência crescente de priorização da forma, em detrimento do conteúdo. Não que ela não seja importante. Claro que é. Não por acaso a literatura é brindada com o título de “belas letras”. E se faz não somente com idéias, mas, sobretudo, com palavras. Mas o bom livro, o que dura, o que influi, o que orienta e induz à reflexão, é o que reúne as duas características. Ou seja, forma e conteúdo. Se algo pudesse ser dispensado (e entendo que não há o que seja dispensável) isso seria a maneira de expressar os conceitos que se pretenda transmitir, desde que respeitada a rigorosa correção semântica.


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