Friday, July 04, 2014

Fruta do quintal do vizinho


Pedro J. Bondaczuk


Os dois países da América do Sul que resolveram aplicar tratamentos de choque em suas respectivas economias, com o objetivo de conter processos hiperinflacionários, estão vivendo, hoje, sérios problemas na área trabalhista, paralisados por greves gerais. Um deles, a Argentina, ainda tem o consolo de haver conseguido relativo sucesso, deprimindo, a ferro e fogo, renitentes taxas inflacionárias, que caminhavam para mais de 1.000% anuais. O preço pago pela sociedade para que isso fosse possível é que parece alto demais. O segundo, a Bolívia, nem isso tem para ostentar.

A despeito de um feroz arrocho salarial, os bolivianos têm o supremo desgosto de constatar que as maquininhas de remarcação continuam trabalhando a todo o vapor nos supermercados, levando os trabalhadores ao completo desespero. E o programa imposto pelo presidente Víctor Paz Estenssoro foi muito mais cruel do que o Plano Austral de Alfonsin. Enquanto o segundo foi coerente, congelando salários, mas aplicando (ou tentando aplicar) medida idêntica nos preços, o primeiro penalizou apenas os assalariados. A rigor, ambos tiveram, no final das contas, o mesmo resultado desastroso: uma autêntica catatonia econômica. As atividades produtivas estão virtualmente paralisadas. Fazer greve, nestas circunstâncias, chega a ser até mesmo redundante. Uma feroz recessão toma de assalto Argentina e Bolívia e faz prever tensões sociais enormes, que os respectivos presidentes terão que ter muito tato e sensibilidade para contornar.

O curioso de tudo isso é que no Brasil, onde a inflação toma fôlego, ameaçando ascender a novos patamares, superiores aos 233% de 1985, há "iluminados" pregando este tipo de remédio, que já não funcionou em outras ocasiões aqui mesmo, para a nossa economia. Bem diz o dito popular que "a fruta do pomar do vizinho é sempre mais doce". Enquanto entre nós sonha-se com um modelo como o argentino, o boliviano ou, quem sabe, o mexicano, nesses três países não se fala em outra coisa senão naquilo que eles consideram a bem-sucedida experiência brasileira. Sindicatos, empresários e economistas dessas três comunidades nacionais argumentam que é preferível arcar com taxas inflacionárias elevadas, mas com pleno emprego e com crescimento econômico auto-sustentado, do que virtualmente não possuir inflação, mas também não ter ocupação e nem perspectiva de qualquer reversão favorável.

O México, tempos atrás, foi apontado como o "bom menino" para o nosso País. Como tendo se enquadrado no figurino recessionista do Fundo Monetário Internacional caminhando para a plena recuperação. Hoje nós sabemos que a coisa não é bem assim. Antes dos dois terremotos que vieram a complicar a sua situação, os mexicanos já haviam sofrido uma recaída em seus males econômicos.

Com os sismos, tudo se complicou muito mais. E o panorama que se desenha para este ano não é de molde a entusiasmar nem o mais renitente dos masoquistas. Argentinos, bolivianos e mexicanos não vêem a hora de se livrar daquilo que nossos "iluminados" sonham em nos impor: a "estagflação". Ou seja, a disparada inflacionária acompanhada da paralisia completa das atividades nacionais.

Os reflexos sociais disso seriam imprevisíveis, mas certamente desastrosos e passaríamos talvez gerações para sairmos desse buraco, se é que um dia isso viesse a se tornar possível. Não há nada melhor do que possuirmos sensibilidade para aprendermos com os erros alheios. Queimam-se etapas e evitam-se traumas e sofrimentos inúteis, que não trazem proveitos para ninguém. Não devemos ficar procurando chifres em cabeça de cavalo.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 24 de janeiro de 1986)


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