O
que e como e para quem
Pedro
J. Bondaczuk
O escritor, no exercício da
sua atividade, faz, a todo o momento, uma série de questionamentos,
muito antes de iniciar a redação de algum texto. São perguntas
subjetivas, automáticas, até inconscientes, que ele sequer se dá
conta de que formula. Se você perguntar a algum deles se faz essas
indagações, irá negar enfaticamente. “Eu? Não!!!”, dirá com
certeza. E estará sendo sincero. Todavia, se questiona, e muito, e o
tempo todo. E nem ao menos sabe disso.
Uma dessas perguntas
subjetivas é: o que escrever? Redigirá um poema? Escreverá um
romance? Se aterá a um conto ou a uma novela? Sim, o que escrever?
Claro que é uma decisão fundamental, que antecede o ato de redigir.
Assim que tomada, vem logo a questão seguinte: como escrever? Isso
ele irá decidir de conformidade com a natureza do tema que irá
desenvolver. Caso se trate de um drama, por exemplo, pode optar pelo
romance, conto, novela ou peça teatral. Caso se trate de idéias, de
natureza filosófica ou científica, por exemplo, o melhor caminho
será um ensaio. E assim por diante. No meio do texto, provavelmente,
caso opte por desenvolver o assunto em forma de ficção, premido
pelo desenvolvimento do enredo, ou seja, pelas suas exigências
lógicas, irá decidir se a história terá, ou não, final feliz.
Geralmente todas têm (claro que há exceções).
Alguns escritores gostam de
prender a atenção do leitor pelo suspense, ou pelo medo, ou por
descrições tão cruas e realistas que o fazem sofrer, se não
física, pelo menos psicologicamente. Nem todos, é certo, apreciam
esse tipo de literatura. Eu não sou muito adepto dele. Mas há,
também, os que o adoram e o procuram avidamente. Há gosto para
tudo.
Um dos escritores que
escreviam dessa forma, ou seja, cutucando a sensibilidade, mexendo em
nossas feridas afetivas, explorando nossas vulnerabilidades
psicológicas e nossos medos, e deliberadamente, de sorte a manter o
leitor em permanente estado de tensão e sofrimento, foi o checo
Franz Kafka. Certa feita, ele confessou isso, de maneira para lá de
explícita, ao escrever: “Eu quero que a minha literatura doa, que
faça as pessoas sofrerem. Ela deve funcionar como um machado, capaz
de quebrar o mar congelado que existe em cada um de nós”.
Da minha parte, embora busque
verossimilhança nos enredos que crio, e com o máximo de realismo
que minha sensibilidade e meu poder de observação permitam, não
tenho (pelo menos conscientemente) essa intenção deliberada de
judiar do leitor. Mas, reitero: há quem goste, tanto de infligir,
quanto de receber sofrimento. E por haver tamanha variedade de
gostos, o escritor faz a si mesmo a terceira e importante pergunta:
para quem escrever?
Alguns devem estar contestando
minha afirmação, dizendo que quem escreve um texto o faz para que
“todos”, absolutamente todos sem distinção, não importando seu
gosto e nem sua cultura, o leiam. Esse, porém, é mais um
questionamento subjetivo. Na própria escolha do gênero, do enredo e
da linguagem adotada você já está, automática e
subconscientemente, sendo seletivo, determinando o seu público. Se o
livro que você escrever for extenso, por exemplo, quem não gosta de
textos longos estará, liminarmente, excluído de ser seu leitor.
Quem é otimista e positivo, também não o lerá, se o que você
escrever for na linha de Kafka, ou seja, que cause sofrimento (posto
que moral) a quem se aventurar a lê-lo. E vai por aí afora.
Provavelmente, a pergunta que
você mais vezes faz a si próprio (reitero) subconscientemente, é
sobre a importância da atividade literária. A literatura é
importante? Por que? Para quem? São questões cujas respostas não
têm consenso. Cada qual tem a sua, com as respectivas
justificativas. Consideremos, porém, que você responda a primeira
pergunta positivamente. Ou seja, que a literatura é importante. É
como eu respondo a mim mesmo sempre que a questão me vem à bailas.
E, asseguro, sou sincero, pois estou convicto disso. Pois bem, se a
literatura é importante na vida das pessoas (e, reitero, estou
absolutamente seguro que é), qual é seu verdadeiro papel no estudo
dos seres vivos (principalmente dos humanos)?
Para quê ela serve? Para
divertir, ou para instruir, orientar, analisar e concluir? Alguém
pode, a esta altura, perguntar: “mas não temos a ciência para
isso?”. Temos. Mas somente ela não basta. A vida não se restringe
a leis naturais e imutáveis e nenhum ser vivo reage de forma
absolutamente igual. Ela é sutil e não comporta análises mecânicas
e genéricas. Para sua compreensão, são necessários exemplos, das
várias formas de comportamento das pessoas. A variedade é a tônica
da vida.
Ainda assim, somos incapazes
de compreender em profundidade esse maravilhoso mistério, esse
privilégio, essa magnífica aventura que é viver. Já tratei aqui
desse mesmo assunto e, possivelmente, com as mesmíssimas palavras,
mas não tenho o menor pudor de repetir tudo isso, dada sua
relevância e pertinência nestas reflexões. O escritor, sociólogo
e filósofo francês, Roland Barthes, constatou a respeito: “A
ciência é grosseira, a vida é sutil, e é para corrigir essa
distância que a literatura nos importa”. E não é?
O escritor tem o hábito de
tratar, não raro, do desconhecido ou do que julga que seus leitores
desconheçam. Aí reside o segredo da sua criatividade. Isso causa
impacto na mente de quem o lê. Mas o mesmo tema não pode ser
repetido, sob pena de não causar mais nenhum efeito na segunda ou
terceira repetição. Deixa de ser desconhecido.
O que a princípio nos
atemoriza, por seu caráter insólito, tão logo é tratado pela
primeira vez caso se repita, digamos na terceira vez, finda por
tornar-se familiar e, por isso, inofensivo. Recorro, para
exemplificar, novamente a Franz Kafka, que escreveu, em uma de suas
novelas (não me recordo qual): “O leopardo invadiu o templo e
interrompeu a cerimônia sagrada. Houve pânico. Voltou no dia
seguinte e no outro. No quarto dia, passou a fazer parte do culto”.
Ou seja, não só não causou mais pânico como, sequer, não
despertou mais nem mesmo ligeiro sustinho. E não é o que acontece
sempre? Estou seguro que sim.
O imprevisível, enquanto tal,
nos atemoriza, mesmo que na sequência se revele benigno ou
inofensivo. No fundo, no fundo, mesmo que neguemos enfaticamente,
detestamos surpresas. Morris West nos lembra, no livro “O Verão do
Lobo Vermelho”: “...É assim que as coisas mais importantes
acontecem em nossas vidas. Seguimos através de raciocínios,
fantasias, medos, frustrações, vastos e desolados hectares de tempo
em que nada se faz. Então, um belo dia, o médico chega e diz que
estamos morrendo ou a moça vem e diz que está grávida ou que a
bolsa caiu de repente e estamos pobres ou um avião cai do céu e nós
morremos e temos de comparecer a julgamento sem os nossos
apontamentos”.
A imprevisibilidade, todavia,
é a marca registrada da vida. Pouca coisa é rigorosamente
previsível. Nós é que não nos damos conta disso. O que não
podemos e muito menos devemos é desanimar quando uma dessas tantas
surpresas nos confrontarem com tragédias. Não podemos é nos
entregar à indolência, achando que tudo esteja perdido e que não
adianta fazer mais nada, quando não raro não está. Afinal, um sol
novo nasce a cada dia... E a vida, recordo, é caracterizada pela
imprevisibilidade. Mas... esta já é outra história, que fica para
outra vez.
No comments:
Post a Comment