O
aspecto positivo das desilusões
Pedro
J. Bondaczuk
As
desilusões, dependendo acerca de quem (ou do que) estejamos
iludidos, quando ocorrem, tendem a nos desestruturar emocionalmente.
Causam-nos surpresa, dor, raiva, decepção e todos os sentimentos
negativos e ruins que possam existir. Temos, ao longo da vida, muitas
delas, de todos os tamanhos e intensidades, que tendem a nos deixar
marcas profundas, feias cicatrizes na alma. São, pois, consideradas
um mal, algo que nos empenhamos em evitar.
Todavia,
as desilusões têm um lado positivo, que raramente ou nunca nos
damos conta. É o caminho mais curto e seguro para o
autoconhecimento. O suíço Pascal Mercier, considerado fenômeno
editorial da atualidade, escreve o seguinte a esse propósito, em seu
festejado, bem-sucedido e excelente romance “Trem noturno para
Lisboa”, best-seller mundial, que vem batendo recordes e mais
recordes de vendas, sobre o qual tive a oportunidade de comentar:
“A
desilusão é considerada um mal. Trata-se de um preconceito
irrefletido. Como, se não através da desilusão, iríamos descobrir
o que esperamos e desejamos? E onde encontrar um momento de
autoconhecimento, senão precisamente a partir desta descoberta? Como
alguém poderia ter clareza acerca de si próprio sem a desilusão?”.
Mercier
faz essas considerações não como o narrador da história. Nem a
coloca na boca do principal personagem, Raimund Gregorius, um
bem-comportado professor de línguas clássicas de uma universidade
de Berna, na Suíça, que subitamente “despirocou” e foi levado
por inusitado impulso e empreende uma viagem não programada (sequer
cogitada) a Lisboa, por conta de chegar ao autor de um livro que lhe
caiu por acaso em mãos, que, antes mesmo de lê-lo, o encantou, mas
que não tinha sequer suspeita da existência de quem o escreveu.
A
citação, portanto, está num livro fictício do também fictício
autor lusitano. Mercier consegue a proeza de “escrever” um livro
dentro do livro “Trem noturno para Lisboa”, se é que me fiz
claro. A observação acima constaria da obra do tal personagem,
Amadeu Inácio de Almeida Prado, intitulada “Um ourives das
palavras”. Reitero que tanto esse livro, quanto seu autor, são
fictícios. São geniais criações dessa revelação das letras
europeias.
Mas
voltando a tratar do tema destas reflexões, Pascal Mercier (ou, mais
especificamente, seu personagem Amadeu Prado), acrescenta: “Não
deveríamos sofrer as desilusões suspirando como algo sem o qual
nossa vida seria melhor. Deveríamos procurá-las, persegui-las,
colecioná-las. Por que me sinto desiludido com o fato de todos os
atores idolatrados da minha juventude agora revelarem os traços da
idade e da decadência? O que a desilusão me ensina sobre quão
pouco vale o sucesso?”.
Creio
que Mercier (ou seu personagem, escritor e médico também, Amadeu
Prado) justifica esse aspecto positivo da desilusão. É certo que
estas mesmas lições que ela nos ensina, de forma tão dolorosa e
dramática, poderiam ser aprendidas de maneira suave e normal. Mas
talvez não se fixassem convenientemente em nossa mente e fossem
logo, logo, esquecidas.
Mas
a tese, sem dúvida insólita, de Mercier, através do livro fictício
de Amadeu Prado, merece ser melhor considerada. A certa altura, o
escritor afirma: “Alguém que realmente quer conhecer a si mesmo
deveria ser colecionador obcecado e fanático de desilusões, e a
procura de experiências decepcionantes deveria ser, para ele, como
um vício, na verdade como o vício dominante da sua vida, pois então
ele compreenderia, com toda clareza, que a desilusão não é um
veneno quente e destruidor, e sim um bálsamo refrescante e
tranquilizante que nos abre os olhos para os verdadeiros contornos de
nós mesmos”.
Embora
pareça exagero, o “conhecimento” que menos temos, ou que seja
mais enganador, repleto de ilusões, e de subestimações em alguns
aspectos e superestimações em outros, é o que se refere a nós
mesmos. Será que conhecemos, de fato, o que somos, onde poderemos
chegar, o que queremos, do que gostamos, o que nos causa repulsas
etc.etc.etc.? Duvido! Daí nos surpreendermos, amiúde, ora
positivamente, ora (na maior parte dos casos) negativamente, com
nossas ações e reações.
Mercier
aduz, através do texto do escritor-personagem: “E não são apenas
as desilusões em relação aos outros ou às circunstâncias que
deveriam importar. Quando descobrimos e assumimos as desilusões como
caminho que nos aproxima de nós mesmos, estaremos ávidos por
experimentar em que medida estamos desiludidos com nós mesmos:
desiludidos sobre a falta de coragem e de honestidade intelectual,
por exemplo, ou com os limites terrivelmente estreitos impostos ao
próprio sentir, agir e falar. O que foi que esperamos e desejamos
então de e para nós próprios? Que fôssemos ilimitados, ou
totalmente diferentes daquilo que somos?”.
As
desilusões sobre outras pessoas ou sobre circunstâncias que
julgávamos favoráveis e que se revelaram adversas, comunicamos ao
mundo, não raro com dramaticidade e estardalhaço. Já as sobre nós
mesmos... Estas guardamos só para nós e ficam nos corroendo a alma,
como doença ruim, pelo resto da nossa vida. Por que? Porque não
aprendemos a identificá-las a tempo e a administrá-las, de sorte a
torná-las nossas aliadas, não nossas inimigas.
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