Descoberta
e criação
Pedro J. Bondaczuk
A descoberta e a criação são conceitos nitidamente distintos, mas
não se sabe fundamentada no quê, muita gente confunde as coisas e
entende que ambos sejam sinônimos, ou seja, que têm, rigorosamente,
o mesmo significado. Obviamente, não têm. Descobrir é encontrar o
que já existia (que provavelmente sempre existiu), cuja existência,
porém, todos desconheciam, embora pudessem intuir. Criar, por seu
turno, é trazer à existência o que antes não existia. A ciência,
pois, é basicamente processo de descobertas. As artes, por seu
turno, entre as quais, claro, a literatura, é sempre ato de
criação.
A vida, cá para nós, consiste em contínua descoberta. Desde o
nascimento até a morte, descobrimos, descobrimos e descobrimos o
tempo todo, o que existia antes de nascermos, mas que desconhecíamos.
A partir do útero materno, quando nosso sistema nervoso e, por
consequência, o cérebro, estão formados, já temos consciência,
embora sem possibilidades de externar esse conhecimento, de que
existimos e nos encontramos em um ambiente muito bem protegido e
acolhedor. Pelo menos é o que dizem os especialistas. Aliás, isto é
comprovável, mediante o processo da regressão. Trata-se da primeira
descoberta de uma sucessão que cada indivíduo terá no correr de
sua existência, de acordo com a sua realidade e sua personalidade.
Ao morrer, descobriremos, finalmente, o quanto foram tolos os dogmas
e valores aos quais nos aferramos. Mas então já será tarde...
Esta, todavia, é outra história que não cabe nestas reflexões.
Uma descoberta, que é complicada quando a fazemos, por ferir nosso
amor próprio, é a das nossas limitações. Mas ela é importante.
Se quisermos empreender conquistas, é indispensável sabermos onde
estamos, o que somos e o que queremos, para que possamos escolher a
estratégia e os melhores meios para a nossa evolução. Não é
necessário alardear nossas deficiências, claro. Não ganharemos
nada com esse alarde.
Mas é indispensável que identifiquemos nossas fraquezas e
vulnerabilidades e que nos disponhamos a corrigir o que estiver
incorreto. O dramaturgo Auguste Strindberg sintetiza essa postura:
"Para mim, a alegria de viver está na dura e cruel luta pela
vida. O aprender algo é para mim uma alegria". Aprender é,
sempre, um processo de descoberta. Aprendemos o que já existe e
neste ato de aprendizado não estamos criando nada. Mas é possível
sermos criativos com a admissão pública das nossas
vulnerabilidades. Como? Através da arte, notadamente da Literatura,
estas, sim, ações criativas.
Tomemos como exemplo, para efeito de raciocínio e argumentação o
conhecimento sobre o átomo e suas respectivas subdivisões. Trata-se
de um processo de descoberta ou de criação? Claro que cabe, no
caso, o primeiro conceito. O ser humano não “criou” o átomo,
mas descobriu que ele existia e formava a estrutura de tudo o que nos
cerca (embora não tenha feito sempre o melhor uso desse
conhecimento). Descobriu, também, e mapeou, os códigos genéticos,
responsáveis pelas características de todos os seres. Não os
criou, certamente. Claro que tanto no caso dos átomos quanto neste,
houve, também, processo de criação? Qual? O da codificação
desses processos. A nomeação de cada componente do âmago da
matéria, de cada elemento químico que sua combinação forma, de
cada fórmula das suas reações quando um está em face do outro,
tudo isso é ato de criação. Nenhuma dessas nomenclaturas e
fórmulas existia, até que alguém as criasse.
Os verdadeiros “descobridores” das coisas que realmente importam
são, por ironia, todos anônimos. Já fiz essa observação em
outras reflexões, mas reiterá-la é sempre oportuno. Nenhum dos
autores das descobertas essenciais, das que mudaram os rumos da
espécie humana e lançaram os fundamentos da civilização,
“patenteou” suas descobertas, para explorá-las comercialmente.
Contudo, há inúmeros indivíduos alardeando, aos quatro ventos,
terem “descoberto a pólvora”, ou seja, inventado o que acham que
antes não existia, sem que de fato o tenham feito.
O que lhes falta é conhecimento. É consciência. É humildade. É
discernimento. É informação. E tudo isso faz parte do terreno das
descobertas, posto que primárias, elementares. Às vezes esse
anonimato ocorre, também, com os criadores, os que inventaram e
inventam o que não existia. Quem inventou a roda? Ninguém sabe!
Quanto aos descobridores, quem foi o primeiro a descobrir como obter
o fogo mediante o atrito de duas pedras, ou por outro meio qualquer?
Entre os criadores, algumas omissões são até, digamos, mais
contundentes. A escrita, por exemplo, revolucionou o conhecimento
humano, possibilitando seu “estocamento” e sua transmissão de
uma geração a outra, com os devidos acréscimos. Contudo, pergunto:
quem teve, pela primeira vez, a idéia de criar as letras do mais
primitivo dos primitivos alfabetos? E dos demais, já que cada uma
das cerca de vinte mil línguas e dialetos tem sua própria
simbologia, ou seja, sua letra e sinais gráficos característicos? E
quem inventou os números? Não vale responder citando o nome de um
povo. A pergunta refere-se à “pessoa” específica, autora dessa
criação. Você sabe quem foi? Eu não sei!!!
E quem teve a genialidade de criar o símbolo que representa o nada,
a ausência, o “zero”, que deu tamanho impulso à matemática e a
todas as demais ciências que têm nela instrumento essencial? Estão
vendo? Ninguém sabe! E o questionamento poderia seguir, linha após
linha, preenchendo páginas e mais páginas e sabe-se lá onde
poderia parar.
Já o processo de criação literária e, principalmente, o teor do
que é criado, dependem muito de cada escritor. Pegue dois poetas e
peça-lhes para comporem um poema sobre o mesmíssimo tema. As
diferenças de abordagem serão gritantes, profundas, abissais. Seus
respectivos textos poéticos podem até serem rigorosamente idênticos
no conteúdo (o que já seria uma façanha), mas jamais na forma, nas
metáforas utilizadas, no arranjo das palavras. Podem ser
semelhantes, portanto, mas nunca iguais. Por isso, a literatura é
“exclusivamente” processo de criação e não de descoberta,
embora possa conter (e via de regra contém) elementos desta.
As diferenças formais, de um escritor para outro, têm tudo a ver
com os respectivos estilos, com a cultura, a vivência, a
autodisciplina, o talento e com os ambientes que cada um frequentou.
E também com as pessoas que os dois conheceram, com o grau de
observação deles, além do óbvio: com sua técnica, domínio do
idioma e visão de vida. Por outro lado, cada gênero (poesia,
crônica, ensaio, conto, novela e romance) tem seus próprios
macetes, suas peculiaridades e características. E embora todos os
escritores sigam, em linhas gerais, as mesmas regras, suas obras
serão, rigorosamente, originais, e “sempre”, mesmo que se
mostrem parecidas.
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