Reflexões,
com emoção
Pedro
J. Bondaczuk
Os
poetas suscitam-me mais reflexões sobre os mistérios e a
transcendência da vida do que os filósofos. Não que eu negue a
importância destes últimos, longe disso. Aprecio tanto a
literatura, principalmente a poesia, quanto a filosofia. Ocorre que
esta disciplina, de um Platão, Sócrates, Aristóteles ou Políbio
demanda tempo para ser minimamente compreendida e digerida. Só para
entender seu jargão característico, por exemplo, precisaria de
meses, se não anos de estudos. Isso com aplicação quase que
exclusiva, constante, disciplinada e atenta, talvez em tempo
integral. Venho tentando entender suas principais teorias desde moço
e, mesmo já sendo um septuagenário, ainda tenho mais dúvidas do
que certezas. Ou só as primeiras, sem sequer arranhar as segundas.
Ademais,
a poesia traz uma vantagem até maior do que a simplicidade, sua
principal característica: a beleza que detecta até nas coisas,
ideias
e ações mais horrendas. Permite-me a necessária reflexão, mas com
emoção e, não raro, paixão. Por isso, sempre que tenho dúvidas
sobre quais temas abordar, entre três ou quatro pautados como
alternativas, sempre que sinto que meu conhecimento a propósito de
algum ou de todos é incompleto e requer mais pesquisas, abandono
todos eles, deixo-os para outras ocasiões e recorro, como benigno
recurso, aos versos de algum poeta. De preferência, de algum de cuja
amizade prive ou haja privado. E... bingo! Nunca fico na mão.
Quem
acha que poesia é mero conjunto de metáforas, muitas das quais
estranhas e meio excêntricas, de sonoridade agradável, mas de
difícil compreensão, está enganado. Ela foi feita “também”
para induzir reflexões, mas, sobretudo, para ser sentida. Tem que
penetrar pelos olhos (caso a estejamos lendo), ou pelos ouvidos (se
alguém a estiver declamando), passar pelo cérebro e invadir nossa
circulação. Deve fluir por vasos e artérias, passar seguidamente
pelo coração, purificar-se e retornar a cada parte do corpo,
renovada e pura.
Entre
os poetas dos quais me socorro quando em apuros, o de que lanço mão
com maior frequência não é Drummond. Nem são Quintana, Cecília
Meirelles, Borges, Octávio Paz ou tantos outros, dos quais me
considero humilde discípulo. Claro que todos eles já me guiaram
alguma vez pelos intrincados meandros das reflexões sobre a vida e
seus mistérios. Mas meu guia preferido – como Dante Aligheri fez
de Virgílio o seu, em sua “Divina Comédia” – é um de cuja
amizade tive o privilégio e a honra de privar e que partiu um dia
para o infinito, deixando um vazio imenso na alma impossível de
preencher. Refiro-me a Mauro Sampaio, a respeito de quem, volta e
meia, trato, nestas minhas às vezes canhestras, posto que assíduas
e pontuais, reflexões diárias.
Tenho,
seguramente, uma dezena (ou mais) de seus livros, todos com
carinhosas dedicatórias, os quais leio, releio, decoro, declamo e
cito sempre que há oportunidade para tal. Meu amigão nunca me
deixou na mão quando a ele recorri, sempre com urgência, em
frenética busca de algum tema a abordar, para honrar compromissos
assumidos.
Abro
a esmo um desses preciosos volumes, o “Albas e serenas”, que o
saudoso amigo me presenteou em 23 de novembro de 1992, conforme
constato na dedicatória. E dou de cara com este magnífico poema,
intitulado “Utopia”, que partilho com vocês e que diz:
“Sinto
este mesmo e enorme desconsolo
que
fere os homens.
Esta
mágoa que abafa as vozes
e
seca as lágrimas.
Mesmo
assim,
comovido
ergo os braços
na
certeza de tocar
as
estrelas imutáveis”.
Quem
de nós já não teve, mesmo que secretamente, esta mesma utopia?
Quem nunca sonhou com viagens ao espaço, com lugares incríveis,
mágicos e inacessíveis, além, muito além deste nosso mundinho
escondido, comparável à metade de um grão de areia em uma praia
sem fim? Todos temos amiúde ou já tivemos essa utopia.
Tanto
isto é verdade, que a astronomia foi uma das primeiras ciências
desenvolvidas pelo homem. Os caldeus, por exemplo, há mais de três
mil anos, já vasculhavam o espaço, tentavam desvendar os segredos
das estrelas e suas descobertas são, praticamente, tidas e havidas
hoje como verdades, mesmo passado tanto tempo.
Outro
povo, perito em astronomia, foi o maia. Foi uma incrível
civilização, cuja desagregação é profundo mistério, até hoje,
para os especialistas, notadamente os arqueólogos. Seus calendários
são de precisão milimétrica, como não há nenhum outro que sequer
se lhes aproxime em termos de perfeição e alcance, já que
abrangem, se não me falha a memória, cinco ou seis milênios e vão
até o ano três mil da nossa era. Temos, portanto, todos nós,
ostensiva ou secretamente, essa mesma utopia, tão bem revelada pelo
poeta, ou seja, “a certeza de tocar as estrelas imutáveis”.
Porém...
certamente, não as tocaremos jamais, tamanhas são suas distâncias
e tão absoluta a impotência humana para vencê-las. Nossos mais
remotos descendentes com toda a certeza também não conseguirão.
Nenhum ser humano, em tempo algum, conseguirá. Mesmo que não
acreditemos (e não acreditamos mesmo), essa é missão literalmente
impossível!
Assisto,
amiúde, na TV a cabo, documentários em que cientistas espaciais
preveem futuras viagens a outros planetas e até mesmo além do nosso
ínfimo Sistema Solar. Falam dessa odisseia com tamanha convicção
como se estivessem prestes a solucionar os insolúveis problemas
logísticos para essa mega aventura. Óbvio, não estão.
Ora,
se nem questões mais comezinhas e miúdas, como a de prover
alimentos, saúde, educação, segurança e um mínimo de justiça
para todos os seres humanos, indistintamente, não têm nem arremedos
de resolução, como pensar em passeios entre ou além das
estrelas?!!
Mas...
pensam. Todos pensamos. Ou somente sonhamos? Não, apenas imaginamos
o que é tão vedado à nossa pequenez e efemeridade que pela mais
comezinha lógica deveria ser rigorosamente inimaginável. Ou nos
tornar convictos de que não é factível. Sonhar, mas sonhar mesmo,
com criatividade e beleza, porém, é atributo dos poetas. Estes
sabem fazê-lo. Aos delírios dos cientistas (e aos meus pessoais,
também) prefiro, mil vezes mais, os sonhos destes magos das
palavras, que brincam com emoções, e cujos versos, pelo menos, são
revestidos de graça e de inigualáveis encantos aos não iniciados.
Enfim...
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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