Desequilíbrio e despreparo
Pedro J. Bondaczuk
O dramático caso do seqüestro
dos passageiros de um ônibus da linha 174, que fazia o trajeto do
Centro ao Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, ocorrido no dia 12
passado, com um desfecho dos mais infelizes, permite que se tire uma
série de conclusões sobre o lamentável estado de insegurança que
vive a população, não apenas carioca, mas de todas as grandes
cidades do País. Em primeiro lugar, o caso mostrou que há total
despreparo, por parte da Polícia Militar (pelo menos daquele
Estado), para fazer face a situações de emergência, como aquela.
A operação de resgate teria
sido cômica, não fosse trágica e não redundasse na estúpida
morte de uma pessoa inocente, vítima de uma circunstância que
poderia ser, senão evitada, pelo menos manejada com maior
competência, no caso a jovem Geisa Firmo Gonçalves, grávida de
dois meses. Perderam-se, portanto, duas preciosas vidas, que
poderiam, e deveriam, ser salvas pelos supostos agentes da lei e da
ordem.
O segundo ponto a observar, é
o desequilíbrio dos policiais que participaram dessa ação,
acompanhada pela televisão pelo País inteiro. E em duas situações.
A primeira foi a desastrada intervenção do PM, quando o
sequestrador, Sandro do Nascimento, de 22 anos, conhecido pelo
apelido de "Mancha", desceu do ônibus trazendo sua refém
como escudo humano.
Com um pouco mais de conversa,
é até possível (senão provável) que os agentes conseguissem a
sua rendição, sem que ninguém saísse ferido. Contudo, sem saber
por ordem de quem, o referido "atirador de elite", que não
conseguiu atingir o seu alvo nem a menos de dez centímetros de
distância, saiu da frente do veículo, onde havia permanecido
escondido por horas, na tentativa de alvejar o marginal com um tiro
de surpresa e atacou de repente. Errou o bote. Pior, acertou de
raspão quem pretensamente pretendia salvar. E, para complicar tudo
de vez, permitiu que o sequestrador fizesse os disparos mortais, que
roubaram a vida de Geisa e de seu bebê.
A segunda ação
desequilibrada, esta muitíssimo mais grave, foi a dos PMs que
deveriam conduzir Sandro preso a alguma delegacia. Ao entrar na
viatura, as imagens de TV mostraram que o marginal não tinha
qualquer ferimento a bala. No entanto, chegou morto ao hospital. E a
autópsia revelou que a causa da sua morte foi estrangulamento. Ou
seja, ocorreu um brutal e injustificado homicídio, no interior do
carro da polícia, o que causou pasmo e até mesmo revolta nos que
ainda acreditam um pouquinho que seja em justiça.
Não se trata, como alguns
ignorantes podem interpretar, de tomar partido do sequestrador,
tratando-o como se fosse um "coitadinho" (embora o seja).
Se ele cometeu um crime hediondo, sequestrando os passageiros do
ônibus, tomando uma mulher indefesa ---, batalhadora, estimada e
respeitada em sua comunidade, pois era professora de artesanato em
uma escola comunitária da Favela da Rocinha --- e suprimindo a sua
vida, pior foi a ação de quem o matou. Quem o estrangulou usava
farda! Agia, por consequência, em nome da justiça! Tornou-se, pois,
um frio e estúpido homicida, sem nenhuma atenuante ou justificativa,
manchando as tradições da gloriosa corporação que jurou defender.
Pesquisa do DataFolha revelou
que 41% dos paulistanos consultados aprovaram a forma como Sandro foi
morto, o que é preocupante. Mas não se pode levar esses números
muito a sério. Muitos dos que aprovaram esse estúpido e covarde
homicídio, senão a maioria, agiram impulsivamente, no calor dos
acontecimentos. Felizmente, a reprovação atingiu 54%, o que mostra
que ainda não se perderam, por completo, os rumos neste País.
Frise-se que o "Mancha"
era ex-menino de rua. Em 1993, escapou da célebre "Chacina da
Candelária", quando oito menores que dormiam naquela praça do
centro do Rio foram executados por PMs. Nos sete anos que se
passaram, depois desse vergonhoso fato, que chocou o mundo, sua vida
mudou apenas para pior. Ninguém o socorreu, o instruiu ou o
orientou. O menino cresceu. Do vício de cheirar cola, passou a usar
drogas mais pesadas: maconha, crack, cocaína ou sabe-se lá mais o
quê. Sem profissão, e sem dinheiro, portanto, para comprar os
entorpecentes que lhe satisfizessem o vício, começou a praticar
assaltos. Primeiro, pequenos furtos. Depois... Dá para imaginar sua
escalada. E teve o fim o mais previsível possível.
Aliás, desde a chacina de
1993, 43 meninos e meninas, dos 72 que viviam na Candelária, já
foram assassinados, conforme informou a Organização Não
Governamental "Centro Brasileiro de Defesa dos Direitos das
Crianças e Adolescentes", em matéria publicada pelo jornal
Folha de São Paulo, no dia 18 passado. Pior, dos sobreviventes, só
dois têm ocupação. E não se trata de nenhuma profissão especial.
Um, trabalha como "auxiliar de serviços gerais", eufemismo
de "biscateiro", e não deve receber mais do que um mísero
salário mínimo por mês. O outro, é pagodeiro... Portanto, por
omissão das autoridades, e da própria sociedade, que tanto clama
por segurança, dezenas de potenciais novos "Sandros" estão
sendo engendrados neste instante nas ruas do Rio de Janeiro, São
Paulo, Campinas, Porto Alegre, Belo Horizonte, etc., sem que nada se
faça para deter essa "fábrica de monstros". E a qualquer
momento, num ônibus, no trânsito, em alguma casa comercial, na
residência de alguém ou em algum cinema, podem "explodir",
como bombas humanas, fazendo sabe-se Deus quantas vítimas. Essa é a
maior lição (e que sirva de alerta para todos) que o incidente do
Jardim Botânico deixa para todos nós.
(Editorial da Folha do
Taquaral de 30 de junho de 2000).
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