Exercitando os neurônios
Pedro J. Bondaczuk
A necessidade de produzir textos diariamente pode se constituir em
excelente treino para se melhorar o estilo, tornando-o mais claro e
objetivo, mas, ao mesmo tempo, nos traz o risco de se constituir em
uma perigosa, se não fatal armadilha.
Não é todo o dia que temos ideias brilhantes, humor estável e
paciência para escrever. Quando não temos a obrigação de redigir
coisíssima alguma nessas ocasiões, até por prudência, nos
poupamos.
Mas... e quando não podemos fugir dessa obrigação? O que acontece,
por exemplo, a um editorialista de jornal se chegar para o seu chefe
e disser: “Hoje não estou disposto, acordei mal-humorado e não
vou escrever o editorial”? Nem é preciso ser muito inteligente
para concluir que será demitido.
Ademais, se não é todo dia que o redator acorda disposto,
bem-humorado e com ideias claras (o que muitos classificam de
“inspiração”), o mesmo ocorre com o leitor. Determinados textos
que lemos, quando nosso humor está em baixa, e que consideramos uma
“droga”, quando lidos tempos mais tarde, com humor mais leve, se
revelam excelentes e reveladores.
Por isso, é até uma sacanagem muito grande com quem escreve julgar
a sua produção depois de apenas uma leitura apressada, não raro de
menos de um minuto, sem atentar para as nuances do que escreveu, e,
ainda mais, num “daqueles” dias.
Por que exigirmos dos outros que sejam brilhantes o tempo todo, se
nós não conseguimos ser assim? Por que esperar do escritor que
escreva, todos os dias, um “Dom Casmurro” ou uma “Divina
Comédia”? Não há gênio que consiga fazer isso e, mais, que
agrade, simultaneamente, “a gregos e troianos”.
Escrevo muita bobagem, sim, mas quem não escreve? Todavia, também
produzo páginas de qualidade, caso contrário, não gozaria do
prestígio que gozo junto a alguns milhões de pessoas que nunca me
viram, dificilmente verão e que me reconhecem pela minha obra, e não
por eventual simpatia, ou beleza ou seja lá o que for.
Ainda assim, com todo esse risco citado, defendo que o escritor
escreva todos os dias, sim, mesmo naqueles em que não se sinta
disposto, não esteja bem-humorado e não tenha a menor vontade de
escrever.
Corre o risco de ser repetitivo? E daí?! Qual o problema de se
repetir? Afinal, qualquer treinador de atletas, não importa de que
modalidade, sabe e diz amiúde: “só a repetição nos aproxima da
perfeição”.
Faço, da auto-obrigação de todos os dias produzir nem que seja
simples crônica uma espécie de “academia de ginástica”, em que
eu me exercito. Mas não exercito, óbvio, meus músculos, pois estes
não têm mais jeito. Exercito meus “neurônios”.
Reitero que ninguém que tenha a obrigação de escrever todos os
dias consegue a proeza de ser brilhante, ou mesmo razoavelmente bom,
o tempo todo. Vejam os jornais. Há edições que são chatérrimas,
mas ainda assim precisam ir para as bancas, para atender compromisso
assumido com os assinantes. As “interessantes”, na verdade, são
raras. O mesmo ocorre com revistas, com sites, com blogs e vai por aí
afora.
O processo de comunicação não é feito tendo gênios nos dois
extremos, ou seja, emissores e receptores. São pessoas comuns,
certamente melhor informadas que a imensa maioria, mas sujeitas a
tropeços e cochilos, a dias de indisposição e de mau humor, ao
tédio e às preocupações comezinhas que a vida impõe a todos.
Não pensem que não haja momentos em que me questiono sobre a
validade de manter blogs na internet e me expor diariamente ao
ridículo. Não sou masoquista. Aliás, detesto sofrimento, seja de
que espécie for.
Sou um cara de bem com a vida e gosto de sorrir, de amar, de brincar,
de tecer amizades e de viver. Há dias (hoje, por exemplo) que não
tenho a mínima vontade de escrever. Mas tenho compromisso. E quando
me comprometo com alguém, ou alguma causa, movo céus e terra para
honrar o comprometido, esteja com vontade ou não, disposto ou
indisposto, distribuindo sorrisos ou cuspindo marimbondos.
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