Nossas
Babéis de cada dia
Pedro J. Bondaczuk
As cidades, como as
conhecemos, são um fenômeno, do ponto de vista histórico,
relativamente recente. Datam de 35 a 40 séculos, se tanto (um pouco
mais ou um pouco menos, mas nesse limite). Parece muito tempo, mas em
termos de História, é um verdadeiro “ontem”. Um quase nada.
As primeiras cidades,
muitíssimo diferentes das megalópoles atuais – como a Cidade do
México, Nova York, São Paulo, Xangai, Tóquio, Londres etc. –
eram (e não poderia ser diferente) muito distintas das atuais em sua
concepção, infraestrutura e administração. Eram literalmente
gigantescas “fortalezas” e seu objetivo principal era o de
garantir, sobretudo, segurança aos moradores. As de hoje, todavia,
podem oferecer (e oferecem) de tudo. De tudo... menos segurança. Ou
seja, são (salvo honrosas exceções), violentas, inseguras,
irritantes, estressantes, enlouquecedoras e, no entanto... Seus
habitantes sequer cogitam, nem mesmo remotamente em outro tipo de
vida, se não o que levam nessas megaprisões de cimento e asfalto.
Não, pelo menos, seriamente.
As primeiras cidades surgiram,
nos primórdios do que se convencionou chamar de “civilização”,
reitero, basicamente com o objetivo de proporcionar além de
conforto, segurança aos moradores. Tinham função de proteger
pessoas, em geral de um mesmo clã, que se dedicavam às então
incipientes atividades da agricultura e da pecuária, de ataques de
grupos inimigos.
Protegiam-nas, das ameaças
externas,com suas muralhas quase inexpugnáveis. Defendiam-nas, das
ameaças internas, com os embriões do que viria a se transformar na
instituição do “exército” – e posteriormente da “polícia”
(de “pólis” = cidade). Repeliam investidas de grupos nômades,
bandoleiros sem regras, que viviam da força bruta e da rapina. E
protegiam daqueles que pretendessem se prevalecer da força bruta
para, principalmente, se apropriar do patrimônio alheio.
As primeiras cidades abrigavam
apenas umas poucas dezenas de moradores e eram como uma única e
gigantesca casa, cujas demais moradias faziam o papel de amplos
cômodos e eram interligadas num único bloco. Hoje, como observamos,
algumas são tão grandes, que têm populações equivalentes às de
alguns países! São Paulo, por exemplo, e somente sua área urbana,
tem praticamente o dobro dos habitantes de Portugal inteiro. Imaginem
a Cidade do México, com população superior a 24 milhões de
pessoas em sua área metropolitana! O estranho de tudo isso é que
essas cidades gigantescas não param de crescer, a despeito dos
inconvenientes do seu gigantismo.
Lemos, na Bíblia, a alegoria
da Torre de Babel. De acordo com a narrativa bíblica, a humanidade
de então falava um único idioma. Não se sabe por qual motivo,
alguns (quem?) resolveram construir um gigantesco prédio, cuja
altura “chegasse ao céu”. Essa mega edificação abrigaria a
totalidade da população de então e, de lambuja, sobraria espaço
mais do que suficiente para todos os que nascessem por várias
gerações. Mas, porque concentrar todos os habitantes do mundo da
época em um espaço tão restrito, os acomodando verticalmente,
quando o Planeta tinha tanto espaço?
Diz a narrativa bíblica que,
para evitar que tamanha insensatez tivesse êxito, Deus “confundiu”
as línguas. As pessoas passaram a se expressar de formas diferentes,
de sorte que uma não entendia o que a outra dizia. Dessa forma, por
falta de comunicação, a mega-obra não prosperou, pois se tornava
impossível trabalhar em equipe dessa forma. Foi interrompida e
abandonada, e cada bando envolvido nessa insensata aventura seguiu o
seu rumo.
Guardadas as devidas
proporções, pode-se afirmar, metaforicamente (se não
literalmente), que as megalópoles contemporâneas são Torres de
Babel, posto que não verticais, mas horizontais. E não se trata de
uma única mega habitação, mas de inúmeras, cerca de uma centena
delas, para sermos razoavelmente precisos. E no interior de algumas
há, também, edifícios altíssimos, que desafiam a lei da gravidade
(e do bom-senso), alguns de quase um quilômetro... mas de altura.
Vejam as torres gêmeas da
Petronas, em Kuala Lumpur, na Malásia. Concluídas em 1998, têm 88
andares e pouco menos de meio quilômetro... de altura. Para ser mais
exato, medem 452 metros. E sequer são as maiores edificações do
mundo, mas são as quintas. A primazia desse exagero cabe ao Burj
Khalifa, da cidade de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Sabem qual
a altura desse (literalmente) arranha-céu? Pasmem, é de 828 metros!
Perto dessa edificação, por mais absurdamente alta que deveria ser
a Torre de Babel, conforme os delírios megalomaníacos de seus
exageradíssimos projetistas, ela seria “fichinha” diante dessa
construção!
Os outros prédios mais altos
do mundo – estes todos na Ásia – são, pela ordem: 2º) Taipei
101, em Taipei, Taiwan, com 509 metros; 3º) Shangai World Financial
Center, em Xangai, China, com 492 metros e 4º) International
Commerce Center, em Hong Kong, China, com 483 metros. Onde esses
malucos pretendem chegar?! A despeito da população mundial, hoje,
já atingir os 7,6 bilhões de habitantes, qual a razão de tamanha
concentração populacional em espaços tão restritos? Segurança?
Ora, ora, ora. Vocês conhecem, acaso, lugares mais inseguros e
arriscados do que as cidades contemporâneas (e nem precisam ser
megalópoles, mas apenas de porte médio)?
Está aí, amigo escritor, um
bom tema, mais atual do que nunca, para você explorar, quer
ficcionalmente, quer em textos de não-ficção, como, por exemplo,
um detalhado ensaio sobre essa absurda e insensata concentração
urbana, que teve início no século XIX e que parece não ter prazo
para parar. Certamente, voltarei a abordar o tema, sob vários outros
dos seus ângulos.
Deixo-lhes, contudo, para
reflexão, este trecho de uma das minhas crônicas a propósito, no
qual escrevi: “O arquiteto Paulo Archias Mendes da Rocha, em seu
livro ‘Memórias’, faz uma observação, que nós, moradores das
grandes cidades, deveríamos levar muito a sério: ‘A cidade é uma
idéia, ela não existe. É uma invenção do homem. Se não gostamos
dela, temos de fazer uma outra. A esperança é essa. Saber que
sabemos fazer desta uma outra’. Compete-nos, portanto, fazer uma
‘outra’ cidade, que de fato nos pertença, e não aos violentos,
aos bandidos, aos marginais, aos ladrões e aos sequestradores.
Desta, que está aí, perigosa e violenta, certamente não gostamos!
Como seria bom podermos voltar a caminhar tranquilos pelas ruas da
nossa cidade, a qualquer hora do dia ou da noite, como em passado
ainda relativamente recente, sem riscos de assaltos ou de
atropelamentos! Ou pelo menos sem aborrecimentos. Como seria bom
poder apreciar o céu, as nuvens, as árvores, os monumentos, os
tipos humanos... Enfim...”
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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