Em
torno de uma palavra incomum
Pedro
J. Bondaczuk
O
leitor, porventura, saberia dizer o significado da palava “oblívio”?
Não, amigos, não me equivoquei na grafia e nem cometi erro de
digitação. A palavra é essa mesmo. E não a inventei agora, como
possa parecer aos desavisados. Sei que é antipático, e pior, que é
pedante desafiar o conhecimento alheio, ainda mais publicamente.
Juro, porém, que neste caso não se trata de nenhum desafio. Até
porque, não faz muito eu também não tinha a mais remota ideia do
que esta palavra significa. Não, pelo menos, até ser presenteado
por um amigo com o excelente livro do não menos excelente poeta
cearense Eduardo Pragmácio Filho, intitulado, justamente “Oblívio
da ilusão”. A princípio pensei que o autor havia cometido erro de
grafia, e justamente na capa, no título da sua obra e que a Editora
Imprece – Impressora do Ceará, havia embarcado nesse erro.
Como
tenho por hábito manter sempre o cuidado de verificar todas as
possibilidades, antes de concluir que alguém errou alguma coisa,
sobretudo quando se trata da nossa complexa (e rica) língua
portuguesa, fiz o óbvio. Ou seja, recorri de imediato ao dicionário
para verificar se a palavra existia mesmo. E lá estava ela,
“oblívio”, gloriosamente, com seus vários significados.
Trata-se de um substantivo masculino que significa “ação ou
efeito de esquecer; perda de memória; esquecimento”. Tem, ainda, o
sentido figurado: “condição do que, ou de quem se encontra em
repouso, descanso ou adormecimento”.
A
princípio pensei tratar-se de um termo arcaico, desses milhares em
desuso. Nestes casos, porém, os dicionários costumam esclarecer tal
condição. E, embora seja raríssima, não é o caso dessa palavra,
oriunda de duas outras expressões latinas. Uma é a própria
“oblívio”, que no elegante idioma de Virgílio, Horácio e
Ovídio, era usada para expressar apenas “esquecimento”. A outra
é “oblivisci”, ou seja, “esquecer-se”, mas também usada
para expressar os verbos “emparelhar”, “suavizar” e “alisar”.
Comentando
o caso com amigos, ou seja, se palavras, como esta, devem ou não ser
utilizadas em textos (literários, claro, pois entendo que em uma
reportagem jornalística a expressão não caberia de jeito algum),
não chegamos a nenhuma conclusão. A bem da verdade, devo informar
que fui voto vencido. A maioria dos amigos concluiu que o uso dessa
palavra estranha e desconhecida não se justifica, pois se for
utilizada, seu uso será interpretado pelos leitores como
manifestação explícita de pedantismo. Eu penso de forma um tanto
diferente. Entendo que, se a palavra existe, não há porque abrir
mão de seu uso. Mas com uma ressalva: abrindo um parêntese no texto
para explicar seu significado e sua origem. É, segundo entendo, uma
forma de enriquecer o vocabulário do leitor, sem que o entendimento
seja comprometido.
Uma
das funções da Literatura, se não a mais importante, é trazer ao
seu destinatário novos conhecimentos. Se você leu atentamente algum
livro e não aprendeu nada com ele é porque... este é ruim. Isso se
leu, de fato, com a devida atenção. Caso contrário… você que é
ruim. É desatento, preguiçoso ou com profunda deficiência
cultural. Todavia, fazer Literatura é exercer uma forma (a mais
nobre) de comunicação. E esta requer, sobretudo, clareza, para ser
eficaz. Posso (e até devo em algumas circunstâncias) utilizar
expressões incomuns. Mas estarei sendo péssimo escritor (e
comunicador) se simplesmente lançá-las ao leu, sem esclarecer o
leitor sobre seus significados, sem que seja necessário que ele
recorra a algum dicionário.
Agindo
assim, eu estarei trazendo, simultaneamente, novos conhecimentos a
quem se dispuser a ler o que escrevo e me fazer completamente
entendido por ele, sem hiatos e nem ambiguidades. E não estou sendo
incoerente em minha postura habitual. Sempre defendi que o melhor dos
textos é aquele simples, mas sem nenhuma impropriedade vocabular e
gramatical. Escrita eivada de erros pode ser tudo, menos Literatura.
E sempre alertei que não se deve confundir “simplicidade” com
“banalidade” ou com relaxamento, tanto de ideias quanto, e
principalmente, da sua exposição. Ser simples não significa, de
jeito algum, ser “simplório”, ora bolas.
Quando
ao livro de Eduardo Pragmácio, “Oblívio da ilusão”, que
suscitou estas descompromissadas reflexões, recomendo-o sem
pestanejar a quem tenha a felicidade de adquiri-lo de alguma forma.
Sua poesia é encantadora, marcante e empolgante. Pena que, salvo
exceções, só atentemos para poetas do eixo Rio-São-Paulo-Belo
Horizonte-Porto Alegre. A Literatura brasileira é, estejam certos,
muito mais rica do que se possa supor.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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