Longa
jornada para o sucesso
Pedro
J. Bondaczuk
A
trajetória de Eugene O’Neill, dos bares ordinários e cafés de
quinta categoria que freqüentou, por muitos anos, mundo afora, nos
vários lugares por onde passou, para o sucesso, a consagração e a
glória, foi uma jornada memorável. Parodiando seu livro mais
célebre, foi uma “longa jornada noite adentro”, ou melhor, “vida
adentro”.
Nem
sempre o mero talento basta para resultados tão espetaculares, como
este. Quantos e quantos e quantos escritores talentosos fazem tudo
direitinho, escrevem bem, divulgam com competência seus escritos,
são criativos e aplicados, no entanto... permanecem anônimos e
obscuros. Por que? Diria que por causa das tais circunstâncias, de
que o filósofo espanhol, José Ortega y Gasset, tratou tão bem.
Se
a vida pessoal de Eugene O’Neill foi marcada por equívocos, por
infelicidades e até por tragédias, não se pode dizer o mesmo da
sua carreira literária. Suas peças foram (e são até hoje)
disputadas por editores e produtores teatrais do mundo todo e raras
deixaram (e deixam) de fazer sucesso. Quase todas permaneceram (e
ainda permanecem) por anos a fio em cartaz.
Três
de suas peças tiveram especial importância, não por serem
especificamente melhores, mas por lhe valerem o mais cobiçado prêmio
dos Estados Unidos na sua categoria, o Pulitzer. Foram “Beyond the
horizon” (Além do horizonte), escrita em 1920 e nesse mesmo ano
premiada; “Anna Christie”, história de uma prostituta que se
regenera por amor, que O’Neill concluiu em 1921, quando obteve
outra premiação e, principalmente, “Strange interlude”
(Estranho interlúdio). Esta última foi escrita em 1926 e foi, de
todas as suas peças, a que mais dividendos comerciais lhe rendeu.
Calcula-se que seu lucro líquido, com essa obra, foi de US$ 200 mil.
Ela
permaneceu em cartaz, na Broadway e nas principais praças teatrais
do mundo, por vários anos. E, além de tudo, valeu-lhe o terceiro
Pulitzer da sua brilhante carreira: o de 1928.
O
Prêmio Nobel veio em um período de sua vida em que os críticos
murmuravam que o escritor já estava acomodado e não nutria mais
ambições. Será? Mesmo que fosse verdade, não seria de se
estranhar. Afinal, não é qualquer escritor que conquista três
prêmios Pulitzer, quase que em sequência, e vê suas peças
brilhando nos mais importantes teatros do mundo.
As
loucuras da juventude haviam ficado para trás. Vivia prolongado
momento de felicidade pessoal, com um casamento estável com
Carlotta, sua terceira mulher. Havia abandonado o álcool, aos 38
anos e nunca mais, até a sua morte, aos 65 anos, voltou a beber. A
única coisa que atormentava Eugene O’Neill eram seus “demônios
interiores”, as lembranças dos vários conflitos familiares da
adolescência e início da maturidade e o sentimento de rejeição,
do qual nunca pôde se livrar.
A
tragédia dos pais, também, o incomodava muito. Notadamente da mãe,
Ella Quinlan, perdida nos delírios da droga, viciada que era em
morfina. O pai, por seu turno, nutria profundo complexo de culpa por
não ter sido o marido que a esposa (que o adorava) esperava que
fosse. E o irmão mais velho, James, havia se tornado alcoólatra
incorrigível, vício do qual nunca se livrou e que iria provocar sua
morte, ocorrida em 1945.
A
velhice de Eugene foi, no mínimo, irônica. Coberto de glórias, não
tinha, no entanto, o que sempre desejou na vida: paz de espírito e,
sobretudo, afeição. Seus últimos anos de vida foram caracterizados
por doenças, certamente causadas pelos excessos cometidos na
juventude.
A
obra teatral de Eugene O’Neill é das mais vastas e profundas,
possivelmente a mais sólida da dramaturgia contemporânea. Entre
1911 e 1914, escreveu quatro peças, que mais tarde renegou, por
entender que tinham baixa qualidade. Dessas, apenas a última chegou
a ser encenada. As obras renegadas foram: “A wife for life” (Uma
esposa para sempre), “The web” (A teia de aranha), “Bound east
for Cardiff” (Sede, rumo a leste de Cardiff) e “Fog” (Névoa).
Em
1920, ganhou o primeiro Pulitzer, com “Beyond the horizon”, tendo
escrito, ainda, “Chris Christopherson”, “Exorcism”, “Gold”,
“Anna Christie” e “Emperor Jones”. No ano seguinte produziu
mais três peças: “The first man”, “The fountain” e “The
hairy ape”. Em 1922, não acabou nada, mas em 1923 escreveu
“Welded” e “All god’s children got wings”.
Os
três anos seguintes foram muito produtivos, tendo escrito: “Desire
under the elms”, em 1924; “The grat god Brown” e “Marco
Millions”, em 1925; e “Strange Interlude” e “Lazarus
Laughed”, em 1926. A maior tragédia americana, “Mourning becomes
Electra”, O”Neill escreveu em 1931. Em 1933, veio a peça “Days
without end”. No ano anterior, havia escrito uma de suas raras
comédias, “Ah, wildness!”.
Foi
em 1941 que Eugene O’Neill escreveu sua peça atualmente mais
conhecida (não necessariamente a melhor), “Long day’s journey
into night” (Longa jornada noite adentro). Nela, expressou, e
imortalizou, todo o drama que cercou sua vida. Retratou o pai, na
figura do personagem James Tyrone; a mãe em Mary, também viciada em
drogas, que misturava fantasias e lembranças com a realidade; e o
irmão, do qual não se deu o trabalho de sequer mudar o nome.
O
personagem que retrata o autor, Edmund, tem o nome de outro irmão,
falecido, e que nem chegou a conhecer. A história se passa no curto
período entre as 8h30 da manhã à meia-noite de um único dia.
Através da memória, fatos da tormentosa vida dos personagens são
reconstituídos, nesse curtíssimo espaço de tempo.
Os
versos do poema “A despedida”, de Algemon Charles Swinburne,
recitados por James ao final do quarto ato, resumem o drama familiar
e expressam a maneira com que Eugene O’Neill encarava a vida:
“Levantemo-nos
e separemo-nos, ela não saberá.
Vamos
até o mar, como os grandes ventos
carregados
de areia e de espuma...
De
que serve estarmos aqui?
É
inútil! Que assim são todas as coisas
e
o mundo é amargo como uma lágrima!
E
ela não saberá como essas coisas são.
Embora
procuremos explicar-lhas”.
A
primeira encenação de “Longa jornada noite adentro”, no Helen
Hayes Theatre de Nova York, ocorreu em 1956. Contrariou-se, dessa
forma, a vontade de Eugene O’Neil, que havia deixado instruções
explícitas para que a peça fosse divulgada e representada só vinte
e cinco anos após sua morte. Foi montada, todavia, após apenas
três anos do desaparecimento desse escritor controvertido, mas
genial, que soube fazer das desventuras de sua vida a matéria-prima
de seu retumbante e invejável sucesso literário.
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