O
maior dos poderes
Pedro
J. Bondaczuk
Há,
porventura, algum poder infalível que consiga “sempre” (note
bem, nesta palavra está a chave do enigma) obrigar “todas” (e
aqui está outra condição sine qua non) as pessoas a fazerem o que
não desejam e a não fazerem o que querem? Vocês poderiam citar
nomes e mais nomes de notórios tiranos, de cruéis ditadores que,
mediante tortura, tenham feito e ainda façam isso todos os dias,
mundo e história afora. Tenho na ponta da língua uma dezena deles.
Quase
sempre esses verdugos conseguem seu intento, é verdade. Mas, notem
bem, há essa palavrinha limitante no caminho: “quase”. E por
que? Porque há quem resista às mais cruéis e horrendas torturas e,
mesmo torturado, deixe de fazer o que não quer e que faça o que
deseje, mesmo que lhe seja danoso e até letal.
Para
alguns, esse poder coator é a lei. Até pode ser, desde que haja
quem assegure sua execução “sempre” (olha a danada da
palavrinha chave mais uma vez no pedaço!). E ele existe? Creio que
não. Basta observar quantas leis são burladas todos os dias, ou
melhor, todas as horas e em todos os lugares. Duvido que haja alguém
que jamais não tenha violado alguma norma legal. Alguns fazem isso
continuamente por causa da impunidade. Rasgam as leis e sequer são
punidos. Outros, não têm tanta força e pagam por suas infrações.
Claro, se não tiverem recursos para contratar um bom advogado.
Torno
a perguntar: existe esse poder infalível e coator? Existe! E não é
pessoa, nem regime, nem governo e muito menos instituição. Então,
qual, ou o que é? A resposta fica por conta do escritor alemão, um
dos gênios da literatura mundial de todos os tempos, Johann Wolfgang
Von Goethe, que escreveu: “A lei é poderosa, mas mais poderosa é
a necessidade”.
Eureka!
É tão óbvio, mas são tão raros os que se dão conta dessa
realidade. A necessidade é o maior dos poderes, o que nos obriga, e
“sempre”, a fazermos o que não desejamos (mas precisamos) e a
não fazermos o que queremos quando isso nos venha a ser prejudicial.
É, sem dúvida, a mola propulsora do progresso. Sem ela, nossa
espécie, provavelmente, ainda estaria vivendo nas cavernas
primitivas, isto se já não estivesse extinta, o que é bastante
provável.
Ressaltei,
em inúmeras ocasiões, em reflexões que escrevi, que
biologicamente, o homem é um dos animais mais frágeis e vulneráveis
da natureza. No mano a mano, por exemplo, não é páreo para o urso,
o elefante, o leão, o tigre ou mesmo a hiena. Numa luta sem armas,
seria facilmente vencido e serviria possivelmente de comida para
algumas dessas feras. O homem não tem a velocidade do alce ou do
guepardo e muito menos a visão do lince ou da águia. Seu olfato é
lamentavelmente tacanho e sua audição limitadíssima.
Entre
os animais, é o que permanece mais tempo dependente da mãe após o
nascimento, dependência esta que se estende, não raro, por pelo
menos uma década e meia ou mais. A maioria dos animais, minutos após
ser parida, já se sustenta sobre as próprias pernas e tem
condições, pelo menos potenciais, de fugir do perigo. E o homem? Só
para ter controle sobre a própria cabeça, leva uns três meses.
Despende outros seis para sentar. Os mais aptos precisam de nove
meses para dar os primeiros e trôpegos passos. E vai por aí afora.
Pensando
em tudo isso, é de se admirar como a espécie ainda não desapareceu
da Terra, onde, no reino animal do qual faz parte, sempre prevaleceu
a lei do mais forte, não é mesmo? O diferencial do homem, todavia,
é irresistível: a inteligência. É ela que lhe fornece os meios de
suprir suas necessidades básicas. E estas impedem que se acomode e
forçam-no a agir (ou inibem sua ação quando esta lhe for
comprovadamente prejudicial).
Não
fosse a necessidade de manter o corpo aquecido, por exemplo, para que
sua temperatura não caísse abaixo dos 35 graus centígrados, o que
lhe seria fatal, dificilmente (ou certamente) não aprenderia a fazer
fogo e não usufruiria do seu calor e capacidade de cozer alimentos
(além de espantar, à noite, animais ferozes e predadores).
Não
precisasse prover a defesa – própria, da prole e do clã – não
construiria armas, a princípio de pedras e paus pontiagudos até
atingir o auge da sofisticação (que, infelizmente, passou a
utilizar não mais apenas para se defender, mas também para atacar).
Nesse mesmo sentido, a necessidade fez com que construísse abrigos,
cada vez mais confortáveis e seguros, que resultaram em cidades, em
reinos, em países e na civilização.
Não
fosse o esquecimento e, sobretudo, a mortalidade do bicho homem (que
neste aspecto iguala-se à de qualquer outro ser vivo), não teria
inventado a escrita, para passar, de uma geração a outra,
experiências, ideias, histórias e toda a sorte de conhecimentos. E
quantos conhecimentos esse conjunto de símbolos, que são os
alfabetos, nos permitiram acumular! Sem esse acervo seríamos o que
somos hoje? Absolutamente não! Não passaríamos de feras
bestializadas, aterrorizadas e à mercê, exclusivamente, dos
instintos, e dos mais primitivos.
Como
se vê, nenhum poder supera o da necessidade. E ele torna-se ainda
maior quando complementado pela motivação. O estímulo, o incentivo
e a aprovação, entre outras atitudes, operam maravilhas.
Multiplicam as forças, aceleram as energias e fazem do fracote
desprotegido e vulnerável um super-homem, capaz de remover todo e
qualquer obstáculo que tente impedir que satisfaça suas
necessidades. E as satisfaz...
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