Indefinível
e marcante
Pedro
J. Bondaczuk
“Amor é um não sei que,
nasce não sei onde, vem não sei como e dói não sei porquê”.
Esta declaração, convenhamos, é um primor de ambiguidade, posto
que tenha sonoridade impar. É agradável de se ouvir. Tem
musicalidade e muito ritmo. Seu autor, como confessa, não sabe
coisa alguma sobre o tema que trata, no caso, o amor. Desconhece sua
natureza (o quê?), sua procedência (onde?), forma de manifestação
(como?) e o motivo das consequências que gera, no caso a dor (por
que?).
Todavia, declara tudo isso com
tamanha graça e talento (e verdade, diga-se de passagem), que o dito
vem sendo repetido tempo afora e se perpetuou. Esses versos foram
escritos há praticamente meio milênio e volta e meia vemos amantes
e namorados repetindo-os, ora para fazer graça às garotas que
querem impressionar, ora para se consolarem de algum fracasso
amoroso, ora por qualquer outro motivo. Pudera! Foram compostos por
um gênio: Luiz Vaz de Camões.
O que mais chama a atenção
nestes versos do irrequieto lusitano, todavia, nem é sua intrínseca
ambiguidade. É o fato do poeta associar amor à dor. Não há
incompatibilidade entre ambos? Esse sentimento não é o suprassumo
da felicidade? Não é o paraíso que tanto procuramos? Não, não e
não. E as duas coisas não são incompat6íveis. Muito pelo
contrário, estão intimamente associadas.
O amor, salvo exceções (que
honestamente não lembro quais), sempre dói. Dói se correspondido e
dói muito mais se frustrado. Dói quando os amantes estão juntos e
dói infinitamente mais quando separados. Queiram ou não, concordem
ou discordem, amor e dor andam sempre juntos. E, mesmo sem sermos
masoquistas, não apenas nos resignamos a senti-la, mas a buscamos
com afã e a queremos constante. Dói por que? Camões confessou não
saber. E eu sei muito menos.
Todavia, o prazer que o amor
proporciona – físico e psíquico – supera em muito a dor. Faz
com que a ignoremos, como se não existisse e nunca fosse possível.
Stendhal escreveu a respeito: “Amar é retirar prazer do ver, do
tocar e do sentir um adorável objeto que nos ama, através de todos
os nossos sentidos e tão exclusivamente quanto possível”. Tudo
estaria bem se houvesse, sempre, essa “exclusividade” mencionada
pelo escritor francês. Se não tivéssemos, por exemplo, que
competir com ninguém pela pessoa amada. Ocorre que... no terreno das
possibilidades, podemos ter que batalhar, e muito, por ela. Outras
pessoas, sabe-se lá quantas e quais, podem estar interessadas, e
sentindo a mesmíssima atração, pelo objeto do nosso amor. E mesmo
que a amada nos mostre, sem ambiguidades, irrestrita fidelidade e
reciprocidade, há o permanente risco do ciúme se instalar na
relação. Se moderado, normal. Será fator até de maior aproximação
do casal. Se exacerbado... Nem é bom pensar!
Um dos erros que
frequentemente cometemos é o de projetar nosso amor no futuro ou de
retroagi-lo ao passado, não raro quando sequer conhecíamos a pessoa
que amamos, para fazer-lhe cobranças de toda a sorte, sobre o que
fez, sentiu ou pensou. Isso é muito mais comum do que se queira
admitir. Todavia, com essa preocupação, deixamos de usufruir o mais
importante, o presente, ou não o fazemos com a intensidade que
poderíamos ou deveríamos.
Seria de bom alvitre, porém,
que prestássemos atenção ao que escreveu a respeito Honoré de
Balzac. Nos trinta e cinco livros de sua copiosa “Comédia humana”,
ele tratou de praticamente todas as possibilidades e consequências
desse sublime sentimento. E, a certa altura, sentenciou: “O amor é
a única paixão que não admite nem passado nem futuro”. E não
admite mesmo. A pessoa amada de hoje pode, queiram ou não, ser a
odiada de amanhã. Claro que o amor pode sobreviver a todas as
crises, cataclismos e mudanças físicas, psicológicas e afetivas
(mudamos a cada instante) e nunca se acabar, enquanto os dois amantes
viverem. Mas... Este “mas” é que é o problema, concordam?
Pablo Neruda tem um poema
fantástico (e qualificá-lo dessa forma chega a ser redundância,
tal a qualidade da sua obra, que lhe valeu justíssimo Prêmio Nobel
de Literatura), em que diz, a certa altura:
“Já
não a quero, é certo, mas quando
a
quis, minha voz buscava o vento
para
tocar seu ouvido.
De
outro, será de outro, como antes dos meus beijos,
sua
voz, seu corpo claro, seus olhos infinitos.
Já
não a quero, é certo, mas talvez a queira.
É
tão curto o amor, e é tão grande o esquecimento!”
Aproveito o ensejo para
partilhar com vocês um soneto de Antonio Callado que é verdadeira
raridade literária, embora já tenha sido publicado em jornal, mais
especificamente, no caderno “Folha Ilustrada”, da “Folha de S.
Paulo”, na edição de 2 de setembro de 2000. E por que é raro?
Porque foi escrito quando o autor tinha 17 anos. Foi publicado pela
primeira vez em 1934, no jornal estudantil “O Ensaio” e divulgado
anos depois pela Academia Brasileira de Letras.
Tu
e meu verso
Eu
quero que te vejas no meu verso
com
perfeição serena refletida,
como
a andorinha que no lago, imerso
vê,
gracioso, o seu voo de partida.
Eu
quero que nas rimas tu respires
o
teu perfume a se evolar divino,
e
que se acaso a um verso meu sorrires,
vejas
que o verso... é o teu sorriso fino.
Quero
que a esbelta curva do teu talhe
'steja
na grácil curva do soneto;
e
que, sublime, no último terceto
presa
das rimas no custoso entalhe,
vejas
com doce espanto fulgurar
a
cristalização do teu olhar.
Voltarei ao assunto,
certamente, até porque
não me canso de tratar de tema tão agradável,
como é o amor que “é um não sei que, nasce não sei onde, vem
não sei como e dói não sei porquê”, como Camões nos assegurou,
há pelo menos meio milênio.
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