Menor
sensatez
Pedro J. Bondaczuk
O ser humano é um animal tão complexo porque não é movido, como
os demais, apenas por instintos. Conta com um diferencial importante
que o distingue, ou seja, a consciência, a capacidade de
entendimento chamada genericamente de inteligência, o raciocínio,
enfim, a razão. A esses ingredientes junta, ainda, o da emoção,
que é um misto do instintivo com o racional.
Não se conhece ninguém (provavelmente nunca houve) ninguém mesmo
que tivesse “apenas” uma dessas características. Ou seja, que
fosse, por exemplo, movido exclusivamente por instinto. Ou que se
mostrasse absolutamente racional, sem nada de instintivo ou de
emocional em suas atitudes. Ou que fosse só sentimentos, em
detrimento dos instintos e da razão. A “mistura” disso tudo é
que varia de pessoa para pessoa.
Alguns são mais instintivos do que outros, mas têm, também,
racionalidade e emoção. O mesmo vale para as outras
características. Ou seja, há os que se mostram mais racionais e
menos instintivos ou emotivos. E os que têm como característica
preponderante a emoção. Já me perguntaram, quando levantei a
questão, qual desses tipos é o melhor. Bela pergunta! Mas capciosa!
Creio que dá empate triplo. Todos têm lá suas vantagens e
desvantagens, desconfio que nas mesmas proporções.
Amiúde vemos pessoas agirem movidas apenas pela emoção,
contrariando toda lógica. E se dão ora muito mal, ora muito bem.
Para justificar esse procedimento, há um adágio popular, que de tão
repetido se transformou em clichê, que diz que “o coração (e
aqui não se refere especificamente ao órgão cuja função é
somente a de bombear sangue para todo o corpo enquanto este se
mantiver vivo, cuja tarefa para esse fim é, obviamente, essencial,
mas a uma metafórica sede das emoções) tem razões que a própria
razão desconhece”. E tem mesmo.
E quem é mais feliz, o racional, o emotivo ou o que prioriza os
instintos? Também é impossível de determinar. Não há esse
reducionismo implacável e definitivo na vida. Vários fatores têm
que ser levados em conta, entre os quais as circunstâncias. Mais uma
vez, portanto, opto pelo triplo empate.
O escritor francês, Raymond Radiguet, tem opinião diversa. Prioriza
as emoções, não somente em relação aos instintos, mas,
principalmente, à razão. Escreveu, a propósito: “Se o coração
tem razões que a própria razão desconhece, isso deve-se ao fato da
razão ser menos sensata do que o coração”. Será? Também não
posso assegurar nem que esteja certo e muito menos errado. Você,
inteligente leitor, tire suas próprias conclusões se ele tem ou não
razão.
Aliás, este é outro dos tantos escritores sumamente polêmicos, dos
que reúnem ao seu redor fanáticos adeptos e ferozes adversários.
Foi um talento precoce. Sequer chegou a amadurecer, como ser humano.
Viveu, apenas, meses a mais do que vinte anos. Nasceu em 28 de junho
de 1903 e morreu em 12 de dezembro de 1923. Viveu intensamente e
morreu antes de atingir, reitero, a maturidade. E já nem digo a
literária, mas a literal, a humana.
Embora tenha sido famoso em seu tempo e apesar de sua principal obra,
o romance “O diabo no corpo”, ter sido levada ao cinema, em duas
versões diferentes (em 1947 por Claude Autant-Lara, estrelado por
Gérard Philipe e em 1986, adaptada por Marco Bellocchio), é
relativamente desconhecido no Brasil. E, ademais, esquecido na
Europa.
Garotão talentoso, que com 16 anos de idade já era jornalista
bastante requisitado em Paris, Radiguet associou-se a um grupo
modernista que viria a fazer história nas artes.
Faziam parte deste círculo “feras” do porte de Jean Cocteau (que
se tornou seu mentor e as más línguas diziam que seria seu amante),
Juan Gris, Max Jacob e Pablo Picasso, entre outros. Como se vê, um
elenco da pesada. Por sua precocidade, era mais conhecido como
“Monsieur Bebê”. Ao o que Ernest Hemmingway, seu desafeto,
acrescentou “Bebê Depravado”.
Em uma época em que as relações sexuais eram descritas mediante
eufemismos, mais sugeridas do que propriamente descritas, as
histórias de Radiguet estavam repletas de cenas picantes. Todavia, o
jovem escritor se impôs não exatamente pelos seus enredos (apesar
destes terem virado filmes muito depois da sua morte), mas por sua
escrita sóbria e correta e seu estilo definido e objetivo. Supõe-se
que, se vivesse mais anos, por exemplo até os 60, poderia ter
produzido obras ainda mais profundas e valiosas (ou não, claro).
Radiguet morreu em decorrência de febre tifoide, que contraiu
durante uma viagem ao exterior que fez na companhia de Jean Cocteau.
Seu segundo (e último) romance, “Le bal Du Comte d’Orgel”),
foi publicado postumamente, um ano após sua morte. O jovem escritor,
o “Monsieur Bebê”, deixou, ainda, alguns poemas e uma peça
teatral, que não tiveram o mesmo êxito de seus dois romances.
Concentrei-me na figura de Raymond Radiguet, aparentemente fugindo do
tema destas reflexões, meio que de propósito. Essa aparente mudança
de assunto teve triplo objetivo: Trazer à baila um bom escritor, um
talento precoce que está um tanto esquecido; ressaltar sua falta de
maturidade que, no entanto, não ofuscou sua genialidade e
justificar, dessa forma, o fato dele priorizar o “coração”, ou
seja, os sentimentos, em detrimento da razão. Afinal, na sua
idade... os hormônios tendem a ofuscar os neurônios.
No comments:
Post a Comment