Estética
e conteúdo
A
estética e o conteúdo são incompatíveis em um texto literário?
Explico melhor, é possível escrever, digamos, um ensaio (ou
crônica, não importa) profundo, denso, reflexivo, original e útil
e, ainda por cima, belo? Muitos acham que não. Eu, contudo, entendo
que sim.
É
a condição pela qual batalho. Mas com uma ressalva: beleza e
conteúdo têm que ser espontâneos. Não pode haver preocupação, a
priori, do autor, com uma ou com outra dessas características. Elas
têm que lhe ser intrínsecas. Que diabos, refiro-me a um “escritor”,
não a alguém recém-alfabetizado, e muito mal!!
Quando
faço referência ao “texto estético”, não utilizo a expressão
para contrapor ao que seja mal escrito, relaxado, eivado de erros
conceituais e, principalmente, gramaticais. Cometer essas falhas é
uma heresia. Caso uma pessoa não consiga se expressar por escrito de
maneira correta, é melhor que não escreva nunca. A escrita
certamente não será a sua praia. Textos “errados” podem ser
tudo, menos literários. Chegam a ser até perigosos, por induzirem
outras pessoas despreparadas também a erros.
Escrever
“bonito” é ser criativo na escolha de metáforas. É saber
utilizá-las oportunamente e na medida certa, nem demais e nem de
menos. E estas devem ter uma função explicativa no texto. Ou seja,
não podem ser meros penduricalhos. A prioridade tem que ser sempre,
sempre e sempre o conteúdo, o que se quer dizer, o como conduzir o
leitor ao aprendizado e à reflexão.
Leio,
amiúde, textos à primeira vista belíssimos. Todavia, quando
submetidos à mínima análise, revelam-se ocos, vazios, óbvios,
redundantes e, sobretudo, inúteis. Melhor seria se não fossem
escritos, para evitar perda de tempo: de quem escreveu e nossa,
leitores.
Passados
no “coador”, eles não deixam vestígios de ideias, o mínimo
“resíduo”, nem de pensamentos, nem de sentimentos, nem de
ensinamentos, nem de sugestões e sequer de insinuações. Ao cabo da
leitura conclui-se, facilmente, que o autor não tinha o que
escrever. E por que, então, escreveu? Certamente ele não saberia
responder.
O
gênero que me enseja mais oportunidades de escrever textos com
conteúdo e, ocasionalmente, belos, é o ensaio. Modelos perfeitos
desse tipo de escrita vamos encontrar em consagrados ensaístas,
como, principalmente, Henry David Thoreau, meu preferido (e o da
maioria dos norte-americanos, que estudam esse autor, na matéria
Literatura inglesa, desde o curso secundário até a universidade) e
no francês Montaigne, tido e havido como o seu criador. Há muitos
outros, evidentemente, mas deixo por conta da memória de cada um
lembrá-los.
Destaco
que as reflexões suscitadas pelos bosques de Walden, em Thoreau, e
que ele compartilhou com o mundo, são o melhor exemplo de texto com
profundo conteúdo e, ainda assim, com inegável senso estético. E
ele nunca se considerou poeta. Foi, isso sim, o inspirador de
Mohandas Karamanchand Gandhi em sua tática de desobediência civil,
ou seja, de resistência pacífica à opressão, que resultou na
independência da Índia.
Li,
também, crônicas belíssimas, contendo ambas as características,
ou seja, beleza e conteúdo, com uma sempre ressaltando e valorizando
a importância da outra. Curiosamente, as modelares foram escritas
(salvo uma ou outra exceção) por poetas.
Cito,
por exemplo, uma que me vem de imediato à memória, de Mário
Quintana, com reflexões magníficas e belíssimas sobre o amor.
Procurem na internet que vocês a acharão. Ela vale a pena ser lida.
As crônicas de Affonso Romano de Sant’Anna, também, são todas
assim. Ou seja, inteligentes, provocativas, reflexivas e úteis. E
sempre belas... Por isso, o invejo.
Antes
que tentem me crucificar, apresso-me a esclarecer. Há dois tipos de
inveja: um sumamente negativo e condenável e outro que na verdade é
um elogio ao “invejado”, uma espécie de reverência ao seu
talento e competência. O significado mau dessa palavra é aquele que
levou Caim e matar Abel, conforme a alegoria bíblica. O bom, por seu
turno, é o que sinto quando leio alguma crônica (ou algum poema,
diga-se de passagem) de Affonso Romano, entre outros tantos
escritores. Essa inveja consiste em sonhar em vir a ter seu talento
para escrever textos como o que estou admirando.
Quem
nunca se pilhou, já, desejando, secretamente, escrever como
Drummond, como Guimarães Rosa ou como Érico Veríssimo? Se houver
alguém, esse, com certeza, não aprecia literatura ou é um tremendo
mentiroso. É a esse tipo de “inveja”, uma espécie de admiração
superlativa, que me refiro. É o que me empenho em despertar em
centenas, milhares, quiçá milhões de leitores, quem sabe. Caso
tanta gente a sinta em relação à minha forma de escrever, será o
indicativo mais seguro de que estou no caminho certo para me tornar
excelente escritor. Ou seja, que consegui aliar conteúdo e beleza no
que escrevo. Que, aliás, não são, como os medíocres entendem,
incompatíveis.
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