Material e ferramenta
Pedro J. Bondaczuk
Sejam quais forem as circunstâncias que nos afetem, a vida tem que
continuar. Compete-nos extrair lições das coisas negativas que nos
acontecem e aproveitar ao máximo as boas, pois como dizia a
personagem vivida pela atriz Vivian Leight, no filme “O vento
levou”: “amanhã é outro dia”.
Mas, deixemos a filosofia barata de lado e vamos ao que interessa.
Com o que se faz boa literatura, aquela que transcende o autor e se
consolida na memória dos povos e se insere para sempre na categoria
dos “clássicos”?
Paul Valéry diria que se faz com palavras. Sem dúvida, sem elas não
existiriam textos e, portanto, livros, óbvio. Mas não são
quaisquer palavras que constroem uma obra literária e nem se pode se
limitar a jogá-las ao léu, por acaso, sem nenhuma ordem ou
critério. Elas têm que ser cuidadosamente escolhidas e combinadas
de tal sorte que tenham coerência e sentido. Caso contrário...
Escrever-se-á muito e não se dirá nada.
Karl Krauss, escritor austríaco, célebre por sua irreverência,
garantiu que as palavras são “prostitutas”. E explicou: “dão-se
para qualquer um”. Com elas, podem se elaborar textos sublimes e
transcendentais, além de expressar o bom e o sagrado. Mas elas,
também, se prestam a caluniar, difamar e espalhar desídia e ódio.
Ou seja, são, simultaneamente, o “material” para se construir o
mau e o profano. Dependem, pois, de quem as utiliza. Krauss também
disse que o escritor tem a magia de transformar essas “prostitutas”,
as palavras, em “imaculadas virgens”. A comparação é um tanto
forte, todavia procede.
Um edifício, para ser construído, não depende apenas de tijolos,
areia, pedras, cal e cimento, tomados isoladamente. Usando um único
desses materiais, sem a presença dos outros citados, não se faz
sequer uma casinha de cachorro, quanto mais uma edificação sólida,
elevada, segura e duradoura. Tome um monte de pedregulhos, por
exemplo. O que você fará com eles isoladamente? Nada!
Junte-lhes, no entanto, na dose certa, a areia, a cal e o cimento e
você terá o concreto. Com ele, você dará sustentação não
apenas a uma casa, mas, juntando-lhe a indispensável ferragem, ao
mais alto dos edifícios que algum arquiteto possa projetar.
Com as palavras ocorre o mesmo. Isoladas, de pouco servem. Mas
junte-lhes emoção e razão, realidade e fantasia, raciocínio e
informação e, sobretudo, experiência e criatividade, muita
criatividade, tudo misturado, na dosagem correta, e você terá o
surgimento de uma obra literária consistente e duradoura, que se faz
com suor, sangue, lágrimas e vísceras, mas também com paixão,
vigor, entusiasmo e vida.
Para trabalhar com esse material, contudo, precisamos de ferramentas.
A nossa, foi se modernizando ao longo do tempo, até chegar ao que
hoje é. Começou com uma pena de aves, talvez de galinha, talvez de
pato ou talvez de ganso. Evoluiu para outra, mas feita de metal.
Chegou às eficientes canetas. Passou, no final do século XIX a ser
a máquina de datilografia. E hoje... são os modernos, práticos e
racionais computadores.
Ferramentas, todos sabem, não são boas e nem más. São úteis. Mas
dependem de quem as manipula. Em mãos inábeis, podem servir, até,
de instrumentos de destruição. Um martelo, por exemplo, utilizado
para o fim a que foi inventado, é utilíssimo. Se você usá-lo,
porém, para bater cegamente em tudo o que vê, servirá, somente,
para destruir. E em mãos homicidas tende a transformar-se mesmo em
arma letal. Idêntica constatação serve para o machado, a picareta,
a enxada, a faca etc.
Todos esses ingredientes, portanto, tornam possível a elaboração
de uma obra literária grandiosa e que transcenda o autor. Ela,
contudo, não se faz por si só. Nada nasce do nada, por geração
espontânea. Atrás da ferramenta é preciso que haja o operário
hábil e qualificado. Sem ele, de nada valerá, igualmente, o
material, por mais adequado e selecionado que seja. Uma grande obra
literária, portanto, se faz com você, caríssimo escritor. Faz-se
com sua autodisciplina, conhecimento, criatividade, magia, talento
etc.
O sujeito mais chato, desses que põem reparo em tudo, dirá que
esqueci de mencionar que uma grande obra se faz também com
“verdade”. Para responder-lhe, todavia, emprestaria as palavras
de Pablo Neruda, muito mais sábio e vivido do que eu que, ao cabo de
uma vida agitada, mas sumamente produtiva, constatou, abismado: “A
verdade é que não existe verdade!”.
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