Thursday, April 19, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - O problema da moradia


O problema da moradia


Pedro J. Bondaczuk

A pujança de uma cidade não se mede pela quantidade dos seus habitantes, mas pelo padrão de vida que estes ostentam. Há, hoje em dia, dezenas de grandes aglomerados urbanos, que são como gigantescos e caóticos acampamentos de refugiados, com absurdas carências de toda a sorte dos seus moradores, que vegetam, em vez de viver. Um desses casos, que pode ser citado apenas a título de exemplo, é o de Calcutá, na Índia. Claro que não é a única das "megalópolis" problemáticas e talvez sequer seja a pior.

Em Campinas, uma discussão que se arrasta há tempos é se a cidade já tem ou não um milhão de habitantes. O último censo conclui que não. Muitos, no entanto, duvidam e ficam até indignados, como se o fato do município não ser tão populoso quanto queriam, fosse um demérito. Não é. Antes não tivesse nem os 968 mil moradores, detectados pelo IBGE, que de fato tem! Não, pelo menos, nas condições atuais.

Campinas, literalmente, "inchou", nas duas últimas décadas, com um fluxo quase incontrolável de migrantes, vindos de todas as partes do País, obcecados pela miragem do pleno emprego, no auge da sua industrialização e, por consequência, na expectativa de condições de vida dignas do Primeiro Mundo. Ao chegarem aqui, decepção! A cidade não estava preparada para acolher tamanho contingente de excluídos. Por isso, hoje paga altíssimo preço por sua generosidade (ou desleixo?).

De repente, o problema de habitação, que nem era dos maiores, assumiu dimensões assustadoras. Para se ter uma ideia, basta dizer que o número de favelas no Município saltou de 74, em 1991, para 117 em 2000. Hoje, esses núcleos habitacionais, tão carentes, abrigam um contingente populacional de mais de 160 mil pessoas. Ou seja, 16,5% da população da cidade.

É como se no meio de Campinas, houvesse uma Americana, toda constituída por insalubres e sombrios barracos, com ausência das mínimas condições de saneamento (água tratada, esgoto, etc.) e assistência social. Mas a coisa não para por aí. Há outro fenômeno, até pior: o das invasões. E estas já chegam a 121, envolvendo 22 mil famílias, ou cerca de 88 mil pessoas. Perto delas, as favelas são um luxo, tão carentes esses núcleos caóticos e improvisados são.

Para resolver o problema (que veio de fora, é mister ressaltar), a cidade depende também de recursos de outras esferas, que não os próprios, dos quais é carente (tem uma dívida em torno de R$ 1,5 bilhão): dos governos do Estado e do federal. Sem essa ajuda, a situação só tende a se agravar, sem nenhuma perspectiva de solução, mesmo a longo prazo.

Campinas, para que se tenha uma ideia, já é a sexta cidade do País em número de favelados, superando, inclusive, 21 capitais estaduais. Entre favelas e ocupações, são 238 núcleos, com 248 mil pessoas, o que representa 25,62% dos habitantes, mais de um quarto da população total da cidade.

Para resolver o problema da violência urbana, destaque-se, não basta um aumento de contingente de policiais, guardas armados nas ruas, etc., embora, sem dúvida, isso atenue a criminalidade. É indispensável, sobretudo, melhorar a qualidade de vida, e incluir na sociedade esses 248 mil excluídos, carentes, muitos deles famintos (50 mil pessoas passam fome em Campinas), doentes e sem perspectivas de futuro. Caso contrário... Não adianta tapar o sol com a peneira!

(Editorial publicado na página 2, Opinião, do jornal Campinas Hoje, em 25 de outubro de 2001).


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