Paixão como principal
característica
Pedro
J. Bondaczuk
A característica que
mais me chamou a atenção, na vida e na obra de escritora inglesa da primeira
metade do século XIX, Mary Shelley – após a leitura de sua biografia e depois
da cuidadosa análise de seus principais livros – é a paixão que a norteou. É, no
caso da Literatura, a exploração, às últimas conseqüências, de suas convicções,
baseadas em recentes (na época) pesquisas científicas, posto que ainda
inconclusivas, algumas derrubadas mais tarde, mesmo correndo risco de descambar
para o ridículo. É a fidelidade ao amor de sua vida, o poeta romântico Percy
Bysshe Shelley, uma espécie de precursor dos “hippies” do século XX, mesmo este
lhe sendo, muitas vezes, infiel e prejudicial em praticamente todos os
aspectos. É a defesa ferrenha e apaixonada de suas crenças morais, vistas pela
sociedade conservadora de então como contrárias ao o status quo vigente (para
dizer o mínimo), sobretudo no terreno do sexo.
Seu livro mais famoso,
“Frankenstein: o Prometeu moderno”, aquele que a consagrou e que fez com que
não fosse esquecida (e que em pleno século XXI segue sendo reeditado, mundo
afora, e vendendo aos milhões), por exemplo, baseou-se em supostas descobertas
do médico Erasmus Darwin, que assegurou ter trazido à vida seres já mortos.
Juntou a elas o resultado dos estudos do italiano Luigi Galvani, sobre
Bioeletricidade, sobretudo sobre a transmissão de impulsos elétricos pelo
sistema nervoso. Oportunamente, comentarei, com mais vagar, esse romance e como
ele “nasceu”. Mas destaco que Mary Shelley passou (ou pretendeu passar) uma
mensagem de advertência sobre os riscos do ser humano manipular a vida e
criá-la por meios artificiais ou, pelo menos, recriá-la. Aliás, são os mesmos
questionamentos feitos a propósito de uma possível “clonagem” humana.
O Adam, “construído”
pelo (fictício) cientista Victor Frankenstein era, tecnicamente, um “clone”,
mesmo que não gerado por células sexuais (ou pelo menos por uma delas, por um
óvulo), mas fruto da junção de órgãos de cadáveres tornados vivos pela ação da
eletricidade (que sequer existia então, como a conhecemos hoje, ou seja, esta
utilizada para iluminar casas, ruas e cidades e para mover inúmeros tipos de
máquinas). A escritora foi meticulosa na elaboração desse personagem.
Construiu-lhe, até, uma biografia para explicar a razão dele tentar agir como
uma espécie de deus. Seu Frankenstein (o cientista, não o monstro) nasceu em
Nápoles e cresceu em Genebra.
Mary Shelley
elaborou-lhe, até, a filiação, para torná-lo verossímil. Ele era filho de
Alphonse Frankenstein e Caroline Beaufort, que morreu de escarlatina quando o
futuro cientista tinha, ainda, 17 anos. O próprio personagem faz descrição de
sua ascendência dessa forma: "Sou de nascimento um genebrês, e minha
família é uma das mais ilustres dessa república. Meus antepassados haviam sido
por muitos anos conselheiros e administradores; e meu pai havia preenchido
várias situações públicas com honra e reputação". Frankenstein tem dois
irmãos mais jovens – William, o mais novo, e Ernest, o filho do meio. Ele
apaixona-se por Elizabeth Lavenza, que se torna sua irmã adotiva (sua prima de
sangue na edição de 1818) e, finalmente, sua noiva.
Enquanto menino, o
futuro cientista interessa-se pelas obras de alquimistas famosos, como
Cornelius Agrippa, Paracelso, e Alberto Magno. Inspirado por eles, Victor
Frankenstein anseia descobrir o lendário elixir da vida. Ele desenvolve uma
predileção para a química, e se torna obcecado com a ideia de criar vida em
matéria inanimada por meios artificiais, perseguindo esse objetivo por dois
anos. Convenhamos, é um personagem muito bem elaborado.
Quanto ao livro “O
último homem”, Mary Shelley imaginou que a peste bubônica, que havia matado
tanta gente no passado, finalmente conseguiria completar o que não havia
conseguido (por pouco) na pandemia de 1347: eliminar a espécie humana da face
da Terra. E, nesse romance, de fato elimina, ou quase. Afinal, restou alguém
vivo, posto que apenas um único e solitário sobrevivente, o narrador do enredo.
Esse livro, observe-se,
foi uma tentativa dissimulada da escritora de “biografar” seu amado poeta Percy
Shelley, cuja biografia fora terminantemente proibida por seu sogro, membro da
nobreza britânica. Dá para imaginar o por quê da proibição, não é mesmo?
Desenvolverei melhor esse aspecto oportunamente, ao analisar esse livro. Há
tanta coisa a ser dita sobre Mary Shelley que, mal se começa a escrever, e já
se preenche o espaço disponível para o texto programado para o dia. É o que
acaba de acontecer...
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