Wednesday, June 01, 2016

Paixão como principal característica

Pedro J. Bondaczuk

A característica que mais me chamou a atenção, na vida e na obra de escritora inglesa da primeira metade do século XIX, Mary Shelley – após a leitura de sua biografia e depois da cuidadosa análise de seus principais livros – é a paixão que a norteou. É, no caso da Literatura, a exploração, às últimas conseqüências, de suas convicções, baseadas em recentes (na época) pesquisas científicas, posto que ainda inconclusivas, algumas derrubadas mais tarde, mesmo correndo risco de descambar para o ridículo. É a fidelidade ao amor de sua vida, o poeta romântico Percy Bysshe Shelley, uma espécie de precursor dos “hippies” do século XX, mesmo este lhe sendo, muitas vezes, infiel e prejudicial em praticamente todos os aspectos. É a defesa ferrenha e apaixonada de suas crenças morais, vistas pela sociedade conservadora de então como contrárias ao o status quo vigente (para dizer o mínimo), sobretudo no terreno do sexo.

Seu livro mais famoso, “Frankenstein: o Prometeu moderno”, aquele que a consagrou e que fez com que não fosse esquecida (e que em pleno século XXI segue sendo reeditado, mundo afora, e vendendo aos milhões), por exemplo, baseou-se em supostas descobertas do médico Erasmus Darwin, que assegurou ter trazido à vida seres já mortos. Juntou a elas o resultado dos estudos do italiano Luigi Galvani, sobre Bioeletricidade, sobretudo sobre a transmissão de impulsos elétricos pelo sistema nervoso. Oportunamente, comentarei, com mais vagar, esse romance e como ele “nasceu”. Mas destaco que Mary Shelley passou (ou pretendeu passar) uma mensagem de advertência sobre os riscos do ser humano manipular a vida e criá-la por meios artificiais ou, pelo menos, recriá-la. Aliás, são os mesmos questionamentos feitos a propósito de uma possível “clonagem” humana.

O Adam, “construído” pelo (fictício) cientista Victor Frankenstein era, tecnicamente, um “clone”, mesmo que não gerado por células sexuais (ou pelo menos por uma delas, por um óvulo), mas fruto da junção de órgãos de cadáveres tornados vivos pela ação da eletricidade (que sequer existia então, como a conhecemos hoje, ou seja, esta utilizada para iluminar casas, ruas e cidades e para mover inúmeros tipos de máquinas). A escritora foi meticulosa na elaboração desse personagem. Construiu-lhe, até, uma biografia para explicar a razão dele tentar agir como uma espécie de deus. Seu Frankenstein (o cientista, não o monstro) nasceu em Nápoles e cresceu em Genebra.

Mary Shelley elaborou-lhe, até, a filiação, para torná-lo verossímil. Ele era filho de Alphonse Frankenstein e Caroline Beaufort, que morreu de escarlatina quando o futuro cientista tinha, ainda, 17 anos. O próprio personagem faz descrição de sua ascendência dessa forma: "Sou de nascimento um genebrês, e minha família é uma das mais ilustres dessa república. Meus antepassados haviam sido por muitos anos conselheiros e administradores; e meu pai havia preenchido várias situações públicas com honra e reputação". Frankenstein tem dois irmãos mais jovens – William, o mais novo, e Ernest, o filho do meio. Ele apaixona-se por Elizabeth Lavenza, que se torna sua irmã adotiva (sua prima de sangue na edição de 1818) e, finalmente, sua noiva.

Enquanto menino, o futuro cientista interessa-se pelas obras de alquimistas famosos, como Cornelius Agrippa, Paracelso, e Alberto Magno. Inspirado por eles, Victor Frankenstein anseia descobrir o lendário elixir da vida. Ele desenvolve uma predileção para a química, e se torna obcecado com a ideia de criar vida em matéria inanimada por meios artificiais, perseguindo esse objetivo por dois anos. Convenhamos, é um personagem muito bem elaborado.

Quanto ao livro “O último homem”, Mary Shelley imaginou que a peste bubônica, que havia matado tanta gente no passado, finalmente conseguiria completar o que não havia conseguido (por pouco) na pandemia de 1347: eliminar a espécie humana da face da Terra. E, nesse romance, de fato elimina, ou quase. Afinal, restou alguém vivo, posto que apenas um único e solitário sobrevivente, o narrador do enredo.

Esse livro, observe-se, foi uma tentativa dissimulada da escritora de “biografar” seu amado poeta Percy Shelley, cuja biografia fora terminantemente proibida por seu sogro, membro da nobreza britânica. Dá para imaginar o por quê da proibição, não é mesmo? Desenvolverei melhor esse aspecto oportunamente, ao analisar esse livro. Há tanta coisa a ser dita sobre Mary Shelley que, mal se começa a escrever, e já se preenche o espaço disponível para o texto programado para o dia. É o que acaba de acontecer...


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