Mago das letras perito
em pelo menos três gêneros
Pedro
J. Bondaczuk
O leitor seria capaz,
sem consultar nenhuma anotação, de identificar o autor desta citação: “A
palavra de um poeta é a essência do seu ser”? E desta: “Nunca encontrareis a
poesia se não a tiverdes dentro de vós”? E desta outra: “Genialidade e maldade
não combinam”? Para facilitar as coisas, informo que todas são do mesmo autor.
Como esta afirmação, bastante polêmica, também: “Amar? Para quê? Por um tempo,
não vale a pena. E, para sempre, é impossível”. E mais esta: “A sutileza ainda
não é inteligência. Às vezes os tolos e os loucos também são
extraordinariamente sutis”. Pois é, todas essas cinco citações são extraídas de
vários livros do escritor russo Alexander Pushkin. Concorde-se ou não com elas,
tem que se admitir que são todas originais, criativas e, sobretudo, que fogem
do lugar comum. Essas virtudes (originalidade e criatividade) são, no meu
entender, suas características básicas, as que o distinguem dos demais
escritores do seu país e de seu tempo e nos três principais gêneros literários
em que atuou. .
Não me surpreende,
pois, o fato dele haver tratado do tema da peste de forma absolutamente única,
em relação aos milhares de outros autores que trataram do mesmo assunto em suas
obras ao longo de milênios. Pushkin abordou a epidemia de um jeito até mesmo
surreal. Não se deteve, por exemplo, em descrever a decomposição física que a
enfermidade produz em suas vítimas. Nem tratou das superstições que cercavam a
peste bubônica, encarada pela quase totalidade das pessoas (se não por todas
elas) como “castigo divino” pelos pecados cometidos pelos homens. Também não se
deteve no pânico que se apossava dos que haviam escapado do contágio, mas que
temiam que seriam as próximas vítimas. Alexander Pushkin inovou ao tratar da
epidemia em “Banquete em tempo de peste”. O próprio título dessa curta, mas
genial peça de ficção indica o caminho pelo qual optou. Seus personagens não
fogem espavoridos, na tentativa de escapar da mortal epidemia. Não morrem
dramaticamente, em meio a terríveis sofrimentos. Nem se entregam à baderna, em
desafio a uma supostamente vingativa divindade. Nada disso! O que fazem então? Promovem um banquete.
O tradutor e crítico
literário, Paulo Azevedo Bezerra, assim se refere à essa abordagem de Puskin: “
(...) Na peça a morte é uma presença constante, uma cidade está tomada pela
peste, mas no meio da rua uma grande mesa posta reúne em banquete um grande
número de pessoas que desafiam a peste e cantam: ‘existe êxtase no combate’.
Todos os presentes se concentram nesse lema e se irmanam, e nessa irmandade
está a garantia da sua grandeza, da sua perenidade (...)”. Esse escritor,
ativista político, que se opunha ao elitismo exacerbado e aos desmandos da
monarquia russa (e que chegou a sofrer exílio, por sua participação no
movimento conhecido como “decembrista”) destacou-se não apenas em um, mas em
vários gêneros literários. Notadamente, em três deles.
Uns preferem-no como
poeta, autor de poemas marcantes, ainda hoje traduzidos e apreciados pelos
amantes da boa Literatura, como “O cavaleiro de bronze”, “Eu te amei”, “Os
montes da Geórgia” (três dos que me vêm de imediato à memória), além do romance
em versos “Ieuguêni Oniéguin” e de
centenas de outros, como “O prisioneiro do Cáucaso”, “A fonte de Baktchisarai”,
“Os ciganos” etc. etc. etc. Há, porém, os que apreciem mais suas várias peças
de teatro, como “Ângelo” (inspirada em “Medida por medida”, de Shakespeare, de
quem, aliás, se julgava humilde discípulo e a quem tratavas, carinhosamente,
como o “nosso pai”), “O cavaleiro avaro”, “Mozart e Salieri” e, sobretudo,
“Boris Godunov”. Finalmente, há uma multidão de especialistas e de leitores que
prefere o romancista Pushkin, autor de sucessos como “Contos de Belkin”, “A
dama de espadas”, “A filha do capitão” e vai por aí afora.
Da minha parte, não
faço nenhuma distinção. Gosto da sua atuação nos três gêneros, e de forma
igual, já que ele se destacou da mesma forma em todos eles É um caso, se não raro, pelo menos não muito
comum, em que um mesmo escritor mantém a coerência, o talento e a criatividade
que o destacam tanto na poesia, quanto na ficção (romance, conto e novela) e
igualmente na dramaturgia. Aliás, ele conseguiu a façanha de misturar, de forma
equilibrada, homogênea e magistral, elementos dos três gêneros em tudo o que
escreveu e publicou. Sou amante da Literatura russa, até por causa da minha
descendência e, desde que me conheço por gente, procurei estudar com mais
afinco, seus tantos autores e os temas que os inspiraram. E dos magníficos
escritores que a Rússia legou ao mundo, coloco Alexander Pushkin num patamar
especial, um tantinho acima dos demais, por sua ousadia, criatividade e amplo
conhecimento da história e das raízes eslavas. Fico imaginando, cá com os meus
botões, o quanto o mundo literário perdeu com sua morte prematura, aos 37 anos
de idade, em um estúpido duelo, em que não tinha a mais remota chance de se
sair bem. Perdeu muito, certamente, muito mais do que se possa pensar ou
admitir. Ou não???!!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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