Wednesday, June 22, 2016

Mago das letras perito em pelo menos três gêneros


Pedro J. Bondaczuk

O leitor seria capaz, sem consultar nenhuma anotação, de identificar o autor desta citação: “A palavra de um poeta é a essência do seu ser”? E desta: “Nunca encontrareis a poesia se não a tiverdes dentro de vós”? E desta outra: “Genialidade e maldade não combinam”? Para facilitar as coisas, informo que todas são do mesmo autor. Como esta afirmação, bastante polêmica, também: “Amar? Para quê? Por um tempo, não vale a pena. E, para sempre, é impossível”. E mais esta: “A sutileza ainda não é inteligência. Às vezes os tolos e os loucos também são extraordinariamente sutis”. Pois é, todas essas cinco citações são extraídas de vários livros do escritor russo Alexander Pushkin. Concorde-se ou não com elas, tem que se admitir que são todas originais, criativas e, sobretudo, que fogem do lugar comum. Essas virtudes (originalidade e criatividade) são, no meu entender, suas características básicas, as que o distinguem dos demais escritores do seu país e de seu tempo e nos três principais gêneros literários em que atuou. .

Não me surpreende, pois, o fato dele haver tratado do tema da peste de forma absolutamente única, em relação aos milhares de outros autores que trataram do mesmo assunto em suas obras ao longo de milênios. Pushkin abordou a epidemia de um jeito até mesmo surreal. Não se deteve, por exemplo, em descrever a decomposição física que a enfermidade produz em suas vítimas. Nem tratou das superstições que cercavam a peste bubônica, encarada pela quase totalidade das pessoas (se não por todas elas) como “castigo divino” pelos pecados cometidos pelos homens. Também não se deteve no pânico que se apossava dos que haviam escapado do contágio, mas que temiam que seriam as próximas vítimas. Alexander Pushkin inovou ao tratar da epidemia em “Banquete em tempo de peste”. O próprio título dessa curta, mas genial peça de ficção indica o caminho pelo qual optou. Seus personagens não fogem espavoridos, na tentativa de escapar da mortal epidemia. Não morrem dramaticamente, em meio a terríveis sofrimentos. Nem se entregam à baderna, em desafio a uma supostamente vingativa divindade. Nada disso!  O que fazem então? Promovem um banquete.

O tradutor e crítico literário, Paulo Azevedo Bezerra, assim se refere à essa abordagem de Puskin: “ (...) Na peça a morte é uma presença constante, uma cidade está tomada pela peste, mas no meio da rua uma grande mesa posta reúne em banquete um grande número de pessoas que desafiam a peste e cantam: ‘existe êxtase no combate’. Todos os presentes se concentram nesse lema e se irmanam, e nessa irmandade está a garantia da sua grandeza, da sua perenidade (...)”. Esse escritor, ativista político, que se opunha ao elitismo exacerbado e aos desmandos da monarquia russa (e que chegou a sofrer exílio, por sua participação no movimento conhecido como “decembrista”) destacou-se não apenas em um, mas em vários gêneros literários. Notadamente, em três deles.

Uns preferem-no como poeta, autor de poemas marcantes, ainda hoje traduzidos e apreciados pelos amantes da boa Literatura, como “O cavaleiro de bronze”, “Eu te amei”, “Os montes da Geórgia” (três dos que me vêm de imediato à memória), além do romance em versos “Ieuguêni Oniéguin”  e de centenas de outros, como “O prisioneiro do Cáucaso”, “A fonte de Baktchisarai”, “Os ciganos” etc. etc. etc. Há, porém, os que apreciem mais suas várias peças de teatro, como “Ângelo” (inspirada em “Medida por medida”, de Shakespeare, de quem, aliás, se julgava humilde discípulo e a quem tratavas, carinhosamente, como o “nosso pai”), “O cavaleiro avaro”, “Mozart e Salieri” e, sobretudo, “Boris Godunov”. Finalmente, há uma multidão de especialistas e de leitores que prefere o romancista Pushkin, autor de sucessos como “Contos de Belkin”, “A dama de espadas”, “A filha do capitão” e vai por aí afora.

Da minha parte, não faço nenhuma distinção. Gosto da sua atuação nos três gêneros, e de forma igual, já que ele se destacou da mesma forma em todos eles  É um caso, se não raro, pelo menos não muito comum, em que um mesmo escritor mantém a coerência, o talento e a criatividade que o destacam tanto na poesia, quanto na ficção (romance, conto e novela) e igualmente na dramaturgia. Aliás, ele conseguiu a façanha de misturar, de forma equilibrada, homogênea e magistral, elementos dos três gêneros em tudo o que escreveu e publicou. Sou amante da Literatura russa, até por causa da minha descendência e, desde que me conheço por gente, procurei estudar com mais afinco, seus tantos autores e os temas que os inspiraram. E dos magníficos escritores que a Rússia legou ao mundo, coloco Alexander Pushkin num patamar especial, um tantinho acima dos demais, por sua ousadia, criatividade e amplo conhecimento da história e das raízes eslavas. Fico imaginando, cá com os meus botões, o quanto o mundo literário perdeu com sua morte prematura, aos 37 anos de idade, em um estúpido duelo, em que não tinha a mais remota chance de se sair bem. Perdeu muito, certamente, muito mais do que se possa pensar ou admitir. Ou não???!!!


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