Friday, June 17, 2016

Miséria ameaça democracia


Pedro J. Bondaczuk


O economista escocês Adam Smith, tido e havido como o pai do princípio de que a economia é uma ciência social, escreveu, há 216 anos, no seu livro "A Riqueza das Nações", considerado um clássico dessa disciplina: "Nenhuma sociedade pode ser florescente e feliz se a grande maioria de seus membros for pobre ou miserável".

Nos mais de dois séculos que se sucederam à sua obra, tal afirmação jamais pôde ser contestada. Pelo contrário, mais se consolida, à medida que o tempo passa. Todavia, no Brasil, vastos setores da sociedade ainda não se conscientizaram disso.

Há ainda a perversa crença de que o País pode atingir a "modernidade" e se alçar ao chamado Primeiro Mundo, contando com 50 milhões de brasileiros vegetando abaixo dos limites da miséria, com 7,5 milhões de meninos e meninas de rua e com 70% de seu povo sendo analfabeto --- ou absoluto ou funcional (aquele que apenas consegue "desenhar" seu nome).

Quando surge alguém um pouco mais lúcido, que levante esse assunto "incômodo", logo é visto como oportunista, subversivo (embora essa expressão já esteja fora de moda) ou, se for um político, principalmente um presidente da República, é rotulado de "populista".

Nos últimos dias tem sido feito um alarido imenso, com vários setores "escandalizados" com a perspectiva do reajuste do salário mínimo em janeiro próximo para o equivalente a US$ 100. Uma ninharia quando comparada à menor remuneração de Dinamarca (US$ 1.325), Holanda (US$ 1.075), França (US$ 1.000), Canadá (US$ 920), Estados Unidos (US$ 680), Espanha (US$ 600), Itália (US$ 500) e Suécia (US$ 450).

Nem é preciso exemplificar com países do Primeiro Mundo. O pobre Senegal, na África, situado na chamada região do Sahel, próximo ao deserto do Saara, com todas as carências características dos povos africanos, não tem remuneração menor do que os US$ 100 ora propostos.

O novo mínimo levaria Estados e municípios à falência. Mas cargos públicos são "rifados" por maus políticos, às vésperas das eleições ou depois delas, em pagamento prestado a cabos eleitorais tão logo os eleitos tomam posse. Isso é público e notório, e o surpreendente é que quase nunca essa prática, danosa e criminosa, que data praticamente desde quando o País nasceu, mereça reprimenda.

Em recente pronunciamento, rebatendo críticas acerca do seu propalado "populismo", o presidente em exercício, Itamar Franco, elogiou os brasileiros, pela maturidade com que enfrentaram a recente crise política, sem que as instituições fossem ameaçadas.

Mas advertiu que talvez não seja possível preservar a democracia caso o caos social se instale de vez, se é que já não se instalou. Quarta-feira ele reiterou a advertência em seu discurso de encerramento na 6ª Reunião de Cúpula do Grupo do Rio, em Buenos Aires, ressaltando: "Não basta conquistar a normalidade democrática".

A isto poderia ser aduzida a profissão de fé do escritor Joseph Brodsky, quando afirmou: "Creio que a democracia tem que ser algo mais que uma receita para obter riquezas".

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 6 de dezembro de 1992).


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