Miséria ameaça democracia
Pedro J. Bondaczuk
O
economista escocês Adam Smith, tido e havido como o pai do princípio de que a
economia é uma ciência social, escreveu, há 216 anos, no seu livro "A
Riqueza das Nações", considerado um clássico dessa disciplina:
"Nenhuma sociedade pode ser florescente e feliz se a grande maioria de
seus membros for pobre ou miserável".
Nos
mais de dois séculos que se sucederam à sua obra, tal afirmação jamais pôde ser
contestada. Pelo contrário, mais se consolida, à medida que o tempo passa.
Todavia, no Brasil, vastos setores da sociedade ainda não se conscientizaram
disso.
Há
ainda a perversa crença de que o País pode atingir a "modernidade" e
se alçar ao chamado Primeiro Mundo, contando com 50 milhões de brasileiros
vegetando abaixo dos limites da miséria, com 7,5 milhões de meninos e meninas
de rua e com 70% de seu povo sendo analfabeto --- ou absoluto ou funcional
(aquele que apenas consegue "desenhar" seu nome).
Quando
surge alguém um pouco mais lúcido, que levante esse assunto
"incômodo", logo é visto como oportunista, subversivo (embora essa
expressão já esteja fora de moda) ou, se for um político, principalmente um
presidente da República, é rotulado de "populista".
Nos
últimos dias tem sido feito um alarido imenso, com vários setores
"escandalizados" com a perspectiva do reajuste do salário mínimo em
janeiro próximo para o equivalente a US$ 100. Uma ninharia quando comparada à
menor remuneração de Dinamarca (US$ 1.325), Holanda (US$ 1.075), França (US$ 1.000),
Canadá (US$ 920), Estados Unidos (US$ 680), Espanha (US$ 600), Itália (US$ 500)
e Suécia (US$ 450).
Nem
é preciso exemplificar com países do Primeiro Mundo. O pobre Senegal, na
África, situado na chamada região do Sahel, próximo ao deserto do Saara, com
todas as carências características dos povos africanos, não tem remuneração
menor do que os US$ 100 ora propostos.
O
novo mínimo levaria Estados e municípios à falência. Mas cargos públicos são
"rifados" por maus políticos, às vésperas das eleições ou depois
delas, em pagamento prestado a cabos eleitorais tão logo os eleitos tomam
posse. Isso é público e notório, e o surpreendente é que quase nunca essa
prática, danosa e criminosa, que data praticamente desde quando o País nasceu,
mereça reprimenda.
Em
recente pronunciamento, rebatendo críticas acerca do seu propalado
"populismo", o presidente em exercício, Itamar Franco, elogiou os
brasileiros, pela maturidade com que enfrentaram a recente crise política, sem
que as instituições fossem ameaçadas.
Mas
advertiu que talvez não seja possível preservar a democracia caso o caos social
se instale de vez, se é que já não se instalou. Quarta-feira ele reiterou a
advertência em seu discurso de encerramento na 6ª Reunião de Cúpula do Grupo do
Rio, em Buenos Aires, ressaltando: "Não basta conquistar a normalidade
democrática".
A
isto poderia ser aduzida a profissão de fé do escritor Joseph Brodsky, quando
afirmou: "Creio que a democracia tem que ser algo mais que uma receita
para obter riquezas".
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 6 de dezembro de 1992).
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