Monday, June 20, 2016

Personagens de Pushkin falam da peste em um banquete


Pedro J. Bondaczuk


O escritor russo Alexander Sergueievitch Pushkin é um “figuraço”, tanto por seu inegável e justamente reconhecido talento literário, quanto por sua biografia, por si só mais interessante do que (sem exagero) milhões de romances, de contos e de novelas que já foram escritos e que há por aí. Escrevi bastante a seu respeito, nos mais diversos contextos e, certamente, ainda escreverei muito mais. Tudo o que já escrevi sobre sua vida e sua obra é pouquíssimo levando em conta o que ele foi e o que ele fez. Literariamente, por exemplo, é considerado por muitos críticos literários como o maior poeta russo de todos os tempos. Da minha parte, não chegaria a tanto, até porque, uma avaliação desse tipo é sempre subjetiva e depende do gosto (e do conhecimento) de quem a faz. Diria, porém, que se não foi o “maior” (e pode até ter sido), certamente foi um dos maiores.

Todavia, Pushkin não se limitou à poesia. Foi magnífico romancista e notável dramaturgo. Pode ser (e é) considerado o fundador da moderna literatura russa, uma das mais ricas, reconhecidas, importantes e melhores do mundo. Influenciou, decisivamente, várias gerações de escritores do seu país. E tudo isso, tendo vivido, apenas, 37 anos. Mas não morreu vítima de nenhuma doença incurável como o leitor possa supor. Perdeu a vida gozando de plena saúde e no auge da criatividade. Pushkin foi morto, em 10 de fevereiro de 1837, em um duelo com um desafeto. Consta que teria sido vítima de uma armação do czar Nicolau I, de quem era desafeto, e de sua claque. Afinal, foi induzido a duelar, por motivo sumamente fútil, com um adversário muito mais hábil do que ele no manejo de armas, contra o qual não teria a menor chance. E não teve mesmo.

E por que trago Alexander Pushkin à baila, assim, praticamente do nada, aparentemente sem um “gancho” que justifique minha abordagem? Bem, não foi nada casual e há motivo de sobra, sim, para tratar dele. O poeta, dramaturgo e romancista russo foi um dos tantos escritores a tratar literariamente de uma epidemia. O curioso é que “se inspirou” num devastador surto de cólera, que fez dezenas de milhares de vítimas fatais na Rússia, em 1830, mas na história que escreveu a respeito, trocou de doença: tratou da peste bubônica. Ocorre que na ocasião seu país não sofreu nenhuma epidemia dessa doença. Certamente, ele achou que esse milenar flagelo teria impacto dramático muito maior do que o cólera. Afinal, a curta (e ambígua) tragédia que escreveu, intitulada “Banquete em tempos de peste”, era (e é, pois permanece atualíssima) obra de ficção. Portanto, ele poderia “inventar” o que lhe desse na veneta. E de fato inventou.

Há críticos que garantem que Pushkin inspirou-se no poema romântico do inglês John Wilson, “A cidade da praga”, no que não acredito. Li com atenção os dois textos e, embora haja algumas remotas similaridades, entendo que a abordagem do escritor russo é muito mais criativa e, sobretudo, originalíssima. Inspiração por inspiração (se é que houve alguma) em determinada obra alheia, estaria, caso houvesse, mais para o “Decameron”, de Giovanni Boccacio. Mas seria forçar muito a barra afirmar isso. Afinal, o escritor florentino tratou de um grupo de amigos fugindo da peste que, em uma casa em que esses personagens se abrigaram, combinaram narrar histórias para espantar o tédio. Mas falaram de tudo, menos do flagelo que se abatia sobre Florença. Pushkin, todavia, trata de camaradas que também se reúnem, mas para um banquete. E nele, cantam e recitam poemas, todos, sem exceção, justamente sobre a peste. E esses amigos boêmios vão mais longe. Certamente embriagados, levantam brindes e mais brindes em memória dos companheiros que morreram em conseqüência da epidemia. Agem assim como uma espécie de despedida da vida, já que têm absoluta convicção de que não escaparão da peste, de que serão as próximas vítimas da doença.

Não sou, pois, dos que relacionam, mesmo que remotamente, a história criada por Pushkin com trabalhos tanto do poeta John Wilson, quanto com o romance do florentino Giovanni Boccacio. “O banquete em tempos de peste”, aliás, inspirou, ele sim, o compositor russo Cesar Cui a compor a ópera do mesmo nome (cuja partitura é, hoje, de domínio público), apresentada, pela primeira vez, no principal teatro de Moscou em 1901. Antes de me aprofundar neste drama de Alexander Pushkin, trago à baila uma curiosidade (das tantas que o cercam) desse original escritor. Para tanto, recorro a um primoroso texto do tradutor e crítico literário Paulo Azevedo Bezerra (conhecido, principalmente, pela tradução de diversas obras de Fedor Dostoievski para o português).

Fiquei sabendo, por esse “expert” em Literatura, que o autor de “Banquete em tempos de peste”, tinha sangue africano. “Mas como?!”, perguntará o leitor, que sempre soube tratar-se de um russo de longa linhagem eslava. Paulo Bezerra explica como: “ (...) Quis o acaso que o embaixador da Rússia comprasse um menino africano em Constantinopla e o desse de presente a Pedro, o Grande. Chamava-se Abraam. O czar o adotou como seu protegido, lhe deu seu patronímico Pietróvitch, mandou-o estudar em Paris, de onde ele voltou como o primeiro engenheiro da Rússia, casou-o com uma descendente de duas linhagens da antiga nobreza russa. Esse negro, que chegou a general e morreu em 1881, aos 83 para 84 anos, veio a ser o trisavô de Alexander S. Pushkin (...)” Viram como? Essa é mais uma das tantas curiosidades que cercam um dos maiores (talvez o maior) escritores russos de todos os tempos, algumas das quais me proponho a comentar oportunamente.


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