Personagens de Pushkin
falam da peste em um banquete
Pedro J. Bondaczuk
O escritor russo
Alexander Sergueievitch Pushkin é um “figuraço”, tanto por seu inegável e
justamente reconhecido talento literário, quanto por sua biografia, por si só
mais interessante do que (sem exagero) milhões de romances, de contos e de
novelas que já foram escritos e que há por aí. Escrevi bastante a seu respeito,
nos mais diversos contextos e, certamente, ainda escreverei muito mais. Tudo o
que já escrevi sobre sua vida e sua obra é pouquíssimo levando em conta o que
ele foi e o que ele fez. Literariamente, por exemplo, é considerado por muitos
críticos literários como o maior poeta russo de todos os tempos. Da minha
parte, não chegaria a tanto, até porque, uma avaliação desse tipo é sempre
subjetiva e depende do gosto (e do conhecimento) de quem a faz. Diria, porém,
que se não foi o “maior” (e pode até ter sido), certamente foi um dos maiores.
Todavia, Pushkin não se
limitou à poesia. Foi magnífico romancista e notável dramaturgo. Pode ser (e é)
considerado o fundador da moderna literatura russa, uma das mais ricas,
reconhecidas, importantes e melhores do mundo. Influenciou, decisivamente,
várias gerações de escritores do seu país. E tudo isso, tendo vivido, apenas,
37 anos. Mas não morreu vítima de nenhuma doença incurável como o leitor possa
supor. Perdeu a vida gozando de plena saúde e no auge da criatividade. Pushkin
foi morto, em 10 de fevereiro de 1837, em um duelo com um desafeto. Consta que
teria sido vítima de uma armação do czar Nicolau I, de quem era desafeto, e de
sua claque. Afinal, foi induzido a duelar, por motivo sumamente fútil, com um
adversário muito mais hábil do que ele no manejo de armas, contra o qual não
teria a menor chance. E não teve mesmo.
E por que trago
Alexander Pushkin à baila, assim, praticamente do nada, aparentemente sem um
“gancho” que justifique minha abordagem? Bem, não foi nada casual e há motivo
de sobra, sim, para tratar dele. O poeta, dramaturgo e romancista russo foi um
dos tantos escritores a tratar literariamente de uma epidemia. O curioso é que
“se inspirou” num devastador surto de cólera, que fez dezenas de milhares de
vítimas fatais na Rússia, em 1830, mas na história que escreveu a respeito,
trocou de doença: tratou da peste bubônica. Ocorre que na ocasião seu país não
sofreu nenhuma epidemia dessa doença. Certamente, ele achou que esse milenar
flagelo teria impacto dramático muito maior do que o cólera. Afinal, a curta (e
ambígua) tragédia que escreveu, intitulada “Banquete em tempos de peste”, era
(e é, pois permanece atualíssima) obra de ficção. Portanto, ele poderia
“inventar” o que lhe desse na veneta. E de fato inventou.
Há críticos que
garantem que Pushkin inspirou-se no poema romântico do inglês John Wilson, “A
cidade da praga”, no que não acredito. Li com atenção os dois textos e, embora
haja algumas remotas similaridades, entendo que a abordagem do escritor russo é
muito mais criativa e, sobretudo, originalíssima. Inspiração por inspiração (se
é que houve alguma) em determinada obra alheia, estaria, caso houvesse, mais
para o “Decameron”, de Giovanni Boccacio. Mas seria forçar muito a barra
afirmar isso. Afinal, o escritor florentino tratou de um grupo de amigos
fugindo da peste que, em uma casa em que esses personagens se abrigaram,
combinaram narrar histórias para espantar o tédio. Mas falaram de tudo, menos
do flagelo que se abatia sobre Florença. Pushkin, todavia, trata de camaradas
que também se reúnem, mas para um banquete. E nele, cantam e recitam poemas,
todos, sem exceção, justamente sobre a peste. E esses amigos boêmios vão mais
longe. Certamente embriagados, levantam brindes e mais brindes em memória dos
companheiros que morreram em conseqüência da epidemia. Agem assim como uma
espécie de despedida da vida, já que têm absoluta convicção de que não
escaparão da peste, de que serão as próximas vítimas da doença.
Não sou, pois, dos que
relacionam, mesmo que remotamente, a história criada por Pushkin com trabalhos
tanto do poeta John Wilson, quanto com o romance do florentino Giovanni
Boccacio. “O banquete em tempos de peste”, aliás, inspirou, ele sim, o
compositor russo Cesar Cui a compor a ópera do mesmo nome (cuja partitura é,
hoje, de domínio público), apresentada, pela primeira vez, no principal teatro
de Moscou em 1901. Antes de me aprofundar neste drama de Alexander Pushkin,
trago à baila uma curiosidade (das tantas que o cercam) desse original escritor.
Para tanto, recorro a um primoroso texto do tradutor e crítico literário Paulo
Azevedo Bezerra (conhecido, principalmente, pela tradução de diversas obras de
Fedor Dostoievski para o português).
Fiquei sabendo, por
esse “expert” em Literatura, que o autor de “Banquete em tempos de peste”,
tinha sangue africano. “Mas como?!”, perguntará o leitor, que sempre soube
tratar-se de um russo de longa linhagem eslava. Paulo Bezerra explica como: “
(...) Quis o acaso que o embaixador da Rússia comprasse um menino africano em
Constantinopla e o desse de presente a Pedro, o Grande. Chamava-se Abraam. O
czar o adotou como seu protegido, lhe deu seu patronímico Pietróvitch, mandou-o
estudar em Paris, de onde ele voltou como o primeiro engenheiro da Rússia, casou-o
com uma descendente de duas linhagens da antiga nobreza russa. Esse negro, que
chegou a general e morreu em 1881, aos 83 para 84 anos, veio a ser o trisavô de
Alexander S. Pushkin (...)” Viram como? Essa é mais uma das tantas curiosidades
que cercam um dos maiores (talvez o maior) escritores russos de todos os
tempos, algumas das quais me proponho a comentar oportunamente.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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