Monday, June 20, 2016

Agricultura sem rumo



Pedro J. Bondaczuk


O Brasil nunca teve uma política agrária que realmente merecesse esse nome. Não há um planejamento sobre o que plantar, em que quantidades e por quem. Terras próprias para o plantio de grãos são utilizadas com cana-de-açúcar. As que se prestariam melhor a essa cultura, tendem a se transformar em meros pastos.

Superprodução de alguns produtos agrícolas e escassez aguda de outros são fatos tão corriqueiros que sequer chegam a ser noticiados. A posse das propriedades em determinadas regiões deste país-continente se dá quase que num processo de autêntico bandoleirismo.

Há quem se aposse de extensas áreas à força, praticamente a bala, e mantêm esse solo absolutamente inculto. Depois, é claro, de depredar tudo o que a natureza levou milênios para elaborar, como é o caso do Sul do Pará.

Com isso, o Brasil vive a vexatória situação de, mesmo em sendo detentor de uma das quatro maiores extensões de terra agriculturáveis do Planeta, continuar sendo não um expressivo fornecedor de alimentos para o mundo, mas importador de produtos essenciais que poderiam ser plantados aqui.

Além disso, nossa produtividade é incipiente. As técnicas adotadas na maior parte do nosso território – salvo as exceções já conhecidas, no eixo Sul-Sudeste ou numa ou outra modelar fazenda de outra região – são tão rudimentares que remontam à Idade da Pedra.

O agricultor brasileiro, em geral, não sabe, por exemplo, como utilizar corretamente, sem expor os que manipulam e o consumidor a intoxicações – quando não há envenenamentos – os defensivos agrícolas. Mas é na forma com que alguém se torna proprietário de alguma gleba, pertencente à União – ou seja, à totalidade dos brasileiros – principalmente no Norte, que está a maior aberração.

O Sul do Pará, por exemplo, vem sendo palco de verdadeira luta armada nos últimos anos. Um relatório divulgado pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado revela cifras alarmantes. Entre 1964 e 1988, os conflitos de terras ali provocaram a morte de 529 pessoas. Outras 121 ficaram feridas, 129 foram espancadas e 1.064 acabaram submetidas a trabalho escravo.

Na região há, portanto, um autêntico Estado dentro do Estado, com leis próprias, ditadas por bandoleiros, e que são as mais perversas possíveis. Direitos humanos ali são autênticos palavrões. Houve, na região, no período, sete seqüestros, 463 prisões, 116 desaparecimentos e 142 ameaças de morte. E tudo virtualmente impune.

Além disso, 15.671 famílias foram ameaçadas de despejo e 3.799 despejadas de fato por quem não tinha competência legal para fazer isso. Falar, portanto, em “reforma agrária”, num país que sequer possui uma política para o setor, não passa de ficção ou de ilusória bandeira para pessoas mal-informadas, intoxicadas de ideologismos maldigeridos.   
 
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 11 de dezembro de 1990)


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