Thursday, June 23, 2016

Kuwait na mira do Irã


Pedro J. Bondaczuk


O Congresso dos Estados Unidos está bastante preocupado com a política do presidente Ronald Reagan em relação ao Golfo Pérsico. Acha que sua decisão de oferecer a proteção da bandeira norte-americana a 11 petroleiros do Kuwait, vai provocar algum tipo de reação por parte do Irã que, há tempos, vem acusando essa pequena e rica monarquia da região de ajudar o Iraque em seu esforço bélico.

Por isso, os iranianos sentem-se no legítimo direito de hostilizar esse país, renovando ameaças sobre ameaças de promover algum tipo de retaliação. No entanto, essas advertências do regime do aiatolá Ruhollah Khomeini vêm sendo feitas desde 1980, sem que nada acontecesse, a não ser um ou outro ataque a navios (também praticados pelos iraquianos, que foram, aliás, os que começaram com essa prática, que se convencionou chamar de “Guerra dos Petroleiros”).

Esse assunto freqüentou as manchetes em 1985, até que, por sua repetição, deixasse de ser noticiado e sumisse dos meios de comunicação. Esse, aliás, é um dos grandes males dos líderes mundiais. Aceitam com muita facilidade práticas criminosas, adiando soluções, na vã esperança de que as grandes questões se solucionem de per si, mediante o simples esquecimento. Claro que não é isso o que, logicamente, acaba ocorrendo.

Caso típico dessa atitude é a própria guerra do Golfo Pérsico, classificada, em um relatório divulgado, anteontem, pelo Instituto Internacional de Investigações para a Paz, com sede em Estocolmo, na Suécia, como uma das mais significativas deste século.

No entanto, o que se fez de prático, de efetivo (além de se ganhar muito dinheiro com ela), para o seu fim? Nada! Literalmente, nada! Foram realizadas, é verdade, muitas dessas reuniões fúteis, de grupos regionais (tão abundantes, quanto ineficazes), que só servem para colocar os assuntos internacionais em dia, em termos de informações, num papo entre amigos (e às vezes, nem tanto), do que para se chegar a qualquer solução prática.

Desses encontros saíram, invariavelmente, apenas propostas esdrúxulas e impraticáveis que, aliás, sequer foram levadas a sério pelos editores dos grandes jornais pelo mundo afora, quanto mais pelos beligerantes, aos quais se destinavam.

O que se fez, e muito, foi explorar essa guerra por todos os ângulos em que foi possível. No aspecto político, por exemplo, foram oferecidos falsas alianças e enganadores apoios, tanto a Teerã, quanto a Bagdá, o que apenas estimulou a continuação da carnificina, e nunca o seu efetivo término. No plano econômico, a guerra do Golfo propiciou a venda de toneladas e mais toneladas de armamentos de todos os tipos e preços aos dois beligerantes (não raro, simultaneamente, pelo mesmo fornecedor), como ainda estão fazendo 26 países, denunciados no documento que citamos do instituto sueco. E no campo diplomático, foi usado, como pretexto, a existência, no Irã, de um regime que se auto-segregou da comunidade internacional (e que sempre se mostrou inócuo, apesar da retórica), para a adoção de medidas que são a antítese de diplomacia.

Até aqui, ninguém, absolutamente ninguém, de parte alguma, apresentou um só plano consistente, equilibrado, sério e sem violações da soberania de nenhum dos dois contendores, para acabar com este estúpido e cruel derramamento de sangue.

Aliás, em matéria de incompetência, os nossos estadistas batem todos os recordes imagináveis. Em vez do senhor Reagan enviar belonaves ao Golfo, desafiando o Congresso norte-americano, a República Islâmica dos aiatolás e, principalmente, o bom-senso, por que não trabalha na solução diplomática das 36 conflagrações armadas que atualmente estão em andamento no mundo?

E o senhor Gorbachev, em vez de andar rondando a área, como lobo faminto à procura de caça indefesa, por que não retira as suas tropas do Afeganistão; não apresenta algum projeto para pacificar Angola; não exige que o Vietnã saia do Camboja e não tenta pôr um pouco de juízo na cabeça dos norte-coreanos?

Há 41 países envolvidos, hoje, em guerras, guerrilhas e revoluções ditas salvadoras, mobilizando recursos que as respectivas sociedades não têm e que se tivessem, deveriam ser investidos em saúde, em educação, em moradias e para a geração de empregos, e não para custear 5 milhões de soldados empenhados, atualmente, na inglória tarefa de matar, destruir e aterrorizar.

Uma intervenção militar no Golfo Pérsico, portanto, só pode ser tolerada, pelas pessoas de bom-senso e com um mínimo de lucidez, somente se for para pôr fim ao conflito que ocorre nessa área. Caso contrário, quem for para lá com outras intenções, que não esta, precisa ser imediatamente detido, como piromaníaco. Mas desses, desgraçadamente, o tempo em que vivemos está repleto.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 19 de junho de 1987).


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