Thursday, June 09, 2016

Ferida crônica


Pedro J. Bondaczuk


O caso do seqüestro do navio italiano Achille Lauro, ocorrido na segunda-feira passada, no Mediterrâneo, ainda vai dar muito o que falar. Nem tanto pela operação em si, que embora espetaculosa e preocupante, redundou numa única vítima fatal entre os 511 reféns: o norte-americano, de ascendência judia, Leon Klinghoffer, um senhor idoso, de 69 anos, preso a uma cadeira de rodas. O que continua gerando polêmica é a operação posterior efetuada pelos caças F-16 do porta-aviões Saratoga, dos Estados Unidos, que forçaram o Boeing egípcio que conduzia os seqüestradores para Tunis a se desviar para a Sicília, onde eles foram entregues às autoridades italianas.

O presidente do Egito, Hosni Mubarak, desde sexta-feira, quando a mirabolante operação foi completada com sucesso, tem vindo seguidamente a público para criticar a atitude norte-americana. Mas em seus pronunciamentos mal disfarça a sua verdadeira intenção, a tentativa de acalmar apenas a opinião pública interna, que vem cobrando do governo algumas explicações do episódio que não ficaram muito claras. Por exemplo, como a tripulação do Saratoga ficou sabendo do horário exato do embarque e o aparelho certo desse vôo? Os palestinos, não tenham dúvidas, nada disseram. Não era do seu interesse. Os americanos não previram. Certamente a sua capacidade de adivinhação não chega a ser tão miraculosa ao ponto de conhecer esses detalhes. É mais provável que tenham sido avisados por alguém comprometido com todo o processo, que desembocou no fim do seqüestro do Achille Lauro. Alguém de influência no Egito.

Aliás, o presidente egípcio, se quiser continuar governando com relativa tranqüilidade o seu país, terá que definir com clareza a sua posição face aos últimos acontecimentos verificados no Oriente Médio. Ele conhece o ânimo dos palestinos e, mais do que isso, a sua capacidade retaliatória quando se sentem traídos. Por isso, vê-se forçado a exigir uma desculpa da Casa Branca para com os egípcios, conforme declarou ontem à imprensa. Aliás, indispensável para acalmar o pessoal "de casa".

Outra questão derivada de todo o episódio foi o "affaire" da libertação do líder Mohammed Abbas, por parte das autoridades italianas e o amparo que este recebeu da Iugoslávia, que já teria permitido inclusive a sua saída do país rumo a alguma nação árabe não especificada. Isso causou um fortíssimo mal-estar em Washington, já que a Casa Branca considerava esse dirigente (que a OLP garantiu ter sido apenas um mediador para o fim do seqüestro) o mentor intelectual da infeliz ação. A Itália, tendo nas mãos a "batata quente" do julgamento dos quatro piratas, certamente não quis mais complicações no Oriente Médio. Entre atender ao pedido norte-americano de indiciamento de Abbas e ficar bem com os palestinos moderados, optou pelo último caminho. E talvez não contente nem a um e nem ao outro.

A Iugoslávia, por sua vez, praticamente "intimada" pelos Estados Unidos a deter o líder da FLP (Frente de Libertação da Palestina), fez "ouvidos de mercador". Afinal, nada teve a ver nem com o seqüestro e muito menos com a operação punitiva norte-americana. Preferiu, por essa razão, simplesmente deixar que o dirigente retornasse para o seu "habitat", para a segurança do mundo árabe, de onde dificilmente alguém o conseguirá tirar. O caso todo vem mostrar, somente, as enormes dificuldades existentes para se coibir eficazmente o terror. Mesmo os países afetados por ele esquivam-se de atitudes mais firmes, contra os extremistas, temendo duras represálias (e estas, podem estar certos, haverão de vir, conforme admitiu o próprio presidente egípcio, Hosni Mubarak).

O terrorismo no Oriente Médio pode ser comparado, de uma forma um tanto grosseira, a uma ferida crônica. Tratada apenas superficialmente, ela persiste no organismo, mas não evolui e chega a nem mesmo doer. Mas quando se procura um tratamento mais radical, antes que sare de vez, muitas vezes ela se espalha e fica arruinada. E provoca dores imensas no organismo doente. São estas dores que insensatamente alguns governantes procuram evitar. Pelo visto, eles se contentam apenas que a ferida continue crônica...Até que ela mine toda a resistência do organismo e o leve ao colapso. Não seria mais lógico tentar se chegar à cura?

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 15 de outubro de 1985)


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