Ferida crônica
Pedro J. Bondaczuk
O
caso do seqüestro do navio italiano Achille Lauro, ocorrido na segunda-feira
passada, no Mediterrâneo, ainda vai dar muito o que falar. Nem tanto pela
operação em si, que embora espetaculosa e preocupante, redundou numa única
vítima fatal entre os 511 reféns: o norte-americano, de ascendência judia, Leon
Klinghoffer, um senhor idoso, de 69 anos, preso a uma cadeira de rodas. O que
continua gerando polêmica é a operação posterior efetuada pelos caças F-16 do
porta-aviões Saratoga, dos Estados Unidos, que forçaram o Boeing egípcio que
conduzia os seqüestradores para Tunis a se desviar para a Sicília, onde eles
foram entregues às autoridades italianas.
O
presidente do Egito, Hosni Mubarak, desde sexta-feira, quando a mirabolante
operação foi completada com sucesso, tem vindo seguidamente a público para
criticar a atitude norte-americana. Mas em seus pronunciamentos mal disfarça a
sua verdadeira intenção, a tentativa de acalmar apenas a opinião pública
interna, que vem cobrando do governo algumas explicações do episódio que não
ficaram muito claras. Por exemplo, como a tripulação do Saratoga ficou sabendo
do horário exato do embarque e o aparelho certo desse vôo? Os palestinos, não
tenham dúvidas, nada disseram. Não era do seu interesse. Os americanos não
previram. Certamente a sua capacidade de adivinhação não chega a ser tão
miraculosa ao ponto de conhecer esses detalhes. É mais provável que tenham sido
avisados por alguém comprometido com todo o processo, que desembocou no fim do
seqüestro do Achille Lauro. Alguém de influência no Egito.
Aliás,
o presidente egípcio, se quiser continuar governando com relativa tranqüilidade
o seu país, terá que definir com clareza a sua posição face aos últimos
acontecimentos verificados no Oriente Médio. Ele conhece o ânimo dos palestinos
e, mais do que isso, a sua capacidade retaliatória quando se sentem traídos.
Por isso, vê-se forçado a exigir uma desculpa da Casa Branca para com os
egípcios, conforme declarou ontem à imprensa. Aliás, indispensável para acalmar
o pessoal "de casa".
Outra
questão derivada de todo o episódio foi o "affaire" da libertação do
líder Mohammed Abbas, por parte das autoridades italianas e o amparo que este
recebeu da Iugoslávia, que já teria permitido inclusive a sua saída do país
rumo a alguma nação árabe não especificada. Isso causou um fortíssimo mal-estar
em Washington, já que a Casa Branca considerava esse dirigente (que a OLP
garantiu ter sido apenas um mediador para o fim do seqüestro) o mentor
intelectual da infeliz ação. A Itália, tendo nas mãos a "batata
quente" do julgamento dos quatro piratas, certamente não quis mais
complicações no Oriente Médio. Entre atender ao pedido norte-americano de
indiciamento de Abbas e ficar bem com os palestinos moderados, optou pelo
último caminho. E talvez não contente nem a um e nem ao outro.
A
Iugoslávia, por sua vez, praticamente "intimada" pelos Estados Unidos
a deter o líder da FLP (Frente de Libertação da Palestina), fez "ouvidos
de mercador". Afinal, nada teve a ver nem com o seqüestro e muito menos
com a operação punitiva norte-americana. Preferiu, por essa razão, simplesmente
deixar que o dirigente retornasse para o seu "habitat", para a
segurança do mundo árabe, de onde dificilmente alguém o conseguirá tirar. O caso
todo vem mostrar, somente, as enormes dificuldades existentes para se coibir
eficazmente o terror. Mesmo os países afetados por ele esquivam-se de atitudes
mais firmes, contra os extremistas, temendo duras represálias (e estas, podem
estar certos, haverão de vir, conforme admitiu o próprio presidente egípcio,
Hosni Mubarak).
O
terrorismo no Oriente Médio pode ser comparado, de uma forma um tanto
grosseira, a uma ferida crônica. Tratada apenas superficialmente, ela persiste
no organismo, mas não evolui e chega a nem mesmo doer. Mas quando se procura um
tratamento mais radical, antes que sare de vez, muitas vezes ela se espalha e
fica arruinada. E provoca dores imensas no organismo doente. São estas dores
que insensatamente alguns governantes procuram evitar. Pelo visto, eles se
contentam apenas que a ferida continue crônica...Até que ela mine toda a
resistência do organismo e o leve ao colapso. Não seria mais lógico tentar se
chegar à cura?
(Artigo
publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 15 de outubro de
1985)
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