Controle da peste nada
tinha a ver com a economia
Pedro
J. Bondaczuk
O estudo das várias
epidemias de peste bubônica – que se tornaram, em certos períodos, até mesmo
rotineiras – levam-me a uma conclusão até óbvia, mas à qual poucas pessoas
chegaram. À de que, nesses casos, a prosperidade econômica e o poderio militar
pouco contam, caso não haja esse mesmo progresso no campo das ciências médicas
e, principalmente, no da eficaz pesquisa científica. O motivo é para lá de
lógico. Por se tratar (no caso) de doença, o que se requer, antes e acima de
tudo, para que ela possa ser prevenida, ou tratada, depois que se instale? Sem
dúvida, do conhecimento da sua causa. Esse é o ponto de partida para, na
sequência, se tomarem providências eficazes, objetivas e que não se limitem a
meras práticas empíricas, na base de tentativas e erros, na proteção e cura da
população. Isso é válido, e nem seria necessário enfatizar, para epidemias de
quaisquer doenças e não apenas de peste bubônica. Citei, especificamente, este
flagelo, por se tratar do que mais mortes causou em todo oi mundo e em todos os
tempos.
Tome-se como exemplo
típico a Inglaterra da chamada Era Tudor, mais especificamente, dos reinados de
Elizabeth I (principalmente) e no de seu sucessor, Jaime I. Em termos
geopolíticos, econômicos e militares, foi a época de maior prosperidade e
projeção do país no cenário mundial. No reinado desses dois monarcas, o reino
inglês emergiu como superpotência global, beneficiado, entre outras coisas,
pela decadência da Espanha, tornando-se, em pouco tempo, o “império onde o sol
jamais se punha”, condição que viria a perder, somente, após o processo de
descolonização da década de 1960, portanto, da segunda metade do século XX.
Seus navios, modernos (para a época) e rápidos, dominavam os mares. A
Inglaterra era o país mais importante no comércio internacional, trocando
mercadores com o mundo todo. Embora
houvesse (e ainda haja) injusta distribuição de riquezas, os cofres do reino
estavam super abarrotados de divisas nesse período.
A par do imenso
progresso econômico a Inglaterra vivia inegável evolução cultural. Foi nessa
época, por exemplo, que o país tomou consciência, pela primeira vez, da
importância da própria língua. Até então, o idioma mais utilizado e valorizado
nas escolas era o latim, em detrimento do inglês. As artes, todas, floresceram,
e surgiram escritores notáveis e, o que é mais importante, escrevendo na língua
pátria, o que, anteriormente era bastante raro. Em suma, esse período foi, sem
dúvida alguma, a “era de ouro” da história da Inglaterra. Foi seu auge do
renascimento, com destaque para a Literatura e a poesia. Porém... foi, também,
um dos períodos em que as epidemias de peste bubônica se sucederam em grande
número e tiveram tamanha regularidade a ponto de serem consideradas rotineiras.
Por que?
Porque o progresso
econômico, político, cultural e artístico não foi acompanhado da correspondente
evolução científica, sobretudo no campo da pesquisa médica, que permanecia
estagnado, como sempre fora. Por isso insisto tanto em reiterar que seria
impossível se não erradicar, pelo menos controlar a peste bubônica, fosse em
que lugar fosse, sem conhecer, antes, o que a causava. E os ingleses não
conheciam. Aliás, até 1894, antes da descoberta do médico e bacteriologista
suíço Alexander Yersin ninguém conhecia. Na verdade, sequer desconfiava, Só
após a descoberta da bactéria “yersinia pestis” foi possível desenvolver uma
vacina minimamente eficaz para a doença. Só depois de se saber que esse agente
patogênico era transmitido pela pulga que parasitava ratos é que se pensou
seriamente, se não no extermínio total dos roedores (o que me parece
impossível), pelo menos no relativo controle da sua população.
Observe-se que o caso
da Inglaterra, embora o mais emblemático, não foi o único que, a despeito do
progresso econômico, cultural e artístico, as autoridades não conseguiram
combater, com a mínima eficácia, a peste bubônica. A cidade italiana de
Florença, berço do Renascimento, terra natal de extraordinários escritores e
consagrados artistas, também enfrentou situação se não igual, bastante
parecida. Conviveu, e justo no período de maior fastígio, com sucessivas
epidemias da doença, que mataram milhares e milhares de seus cidadãos, muitos
deles ilustres pelos seus magníficos feitos artísticos e intelectuais, freando
seu progresso, que poderia ter sido muito maior do que foi (e que ainda assim
causa assombro em quem conhece sua riquíssima história).
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