Monday, June 13, 2016

Controle da peste nada tinha a ver com a economia 

Pedro J. Bondaczuk

O estudo das várias epidemias de peste bubônica – que se tornaram, em certos períodos, até mesmo rotineiras – levam-me a uma conclusão até óbvia, mas à qual poucas pessoas chegaram. À de que, nesses casos, a prosperidade econômica e o poderio militar pouco contam, caso não haja esse mesmo progresso no campo das ciências médicas e, principalmente, no da eficaz pesquisa científica. O motivo é para lá de lógico. Por se tratar (no caso) de doença, o que se requer, antes e acima de tudo, para que ela possa ser prevenida, ou tratada, depois que se instale? Sem dúvida, do conhecimento da sua causa. Esse é o ponto de partida para, na sequência, se tomarem providências eficazes, objetivas e que não se limitem a meras práticas empíricas, na base de tentativas e erros, na proteção e cura da população. Isso é válido, e nem seria necessário enfatizar, para epidemias de quaisquer doenças e não apenas de peste bubônica. Citei, especificamente, este flagelo, por se tratar do que mais mortes causou em todo oi mundo e em todos os tempos.

Tome-se como exemplo típico a Inglaterra da chamada Era Tudor, mais especificamente, dos reinados de Elizabeth I (principalmente) e no de seu sucessor, Jaime I. Em termos geopolíticos, econômicos e militares, foi a época de maior prosperidade e projeção do país no cenário mundial. No reinado desses dois monarcas, o reino inglês emergiu como superpotência global, beneficiado, entre outras coisas, pela decadência da Espanha, tornando-se, em pouco tempo, o “império onde o sol jamais se punha”, condição que viria a perder, somente, após o processo de descolonização da década de 1960, portanto, da segunda metade do século XX. Seus navios, modernos (para a época) e rápidos, dominavam os mares. A Inglaterra era o país mais importante no comércio internacional, trocando mercadores com o mundo todo.  Embora houvesse (e ainda haja) injusta distribuição de riquezas, os cofres do reino estavam super abarrotados de divisas nesse período.

A par do imenso progresso econômico a Inglaterra vivia inegável evolução cultural. Foi nessa época, por exemplo, que o país tomou consciência, pela primeira vez, da importância da própria língua. Até então, o idioma mais utilizado e valorizado nas escolas era o latim, em detrimento do inglês. As artes, todas, floresceram, e surgiram escritores notáveis e, o que é mais importante, escrevendo na língua pátria, o que, anteriormente era bastante raro. Em suma, esse período foi, sem dúvida alguma, a “era de ouro” da história da Inglaterra. Foi seu auge do renascimento, com destaque para a Literatura e a poesia. Porém... foi, também, um dos períodos em que as epidemias de peste bubônica se sucederam em grande número e tiveram tamanha regularidade a ponto de serem consideradas rotineiras. Por que?

Porque o progresso econômico, político, cultural e artístico não foi acompanhado da correspondente evolução científica, sobretudo no campo da pesquisa médica, que permanecia estagnado, como sempre fora. Por isso insisto tanto em reiterar que seria impossível se não erradicar, pelo menos controlar a peste bubônica, fosse em que lugar fosse, sem conhecer, antes, o que a causava. E os ingleses não conheciam. Aliás, até 1894, antes da descoberta do médico e bacteriologista suíço Alexander Yersin ninguém conhecia. Na verdade, sequer desconfiava, Só após a descoberta da bactéria “yersinia pestis” foi possível desenvolver uma vacina minimamente eficaz para a doença. Só depois de se saber que esse agente patogênico era transmitido pela pulga que parasitava ratos é que se pensou seriamente, se não no extermínio total dos roedores (o que me parece impossível), pelo menos no relativo controle da sua população.

Observe-se que o caso da Inglaterra, embora o mais emblemático, não foi o único que, a despeito do progresso econômico, cultural e artístico, as autoridades não conseguiram combater, com a mínima eficácia, a peste bubônica. A cidade italiana de Florença, berço do Renascimento, terra natal de extraordinários escritores e consagrados artistas, também enfrentou situação se não igual, bastante parecida. Conviveu, e justo no período de maior fastígio, com sucessivas epidemias da doença, que mataram milhares e milhares de seus cidadãos, muitos deles ilustres pelos seus magníficos feitos artísticos e intelectuais, freando seu progresso, que poderia ter sido muito maior do que foi (e que ainda assim causa assombro em quem conhece sua riquíssima história).


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