A
democrática administração de controvérsias
Pedro J. Bondaczuk
A democracia, para realizar-se em sua plenitude,
pressupõe a existência de conflitos, com as mais diversas opiniões sendo
acolhidas e debatidas, para que, da sua conciliação, surja a força criativa que
determina o progresso dos povos e a divisão eqüitativa dos direitos e das
responsabilidades.
Nela, as divergências não são eliminadas, como nos
sistemas ditatoriais, onde apenas a palavra do tirano é lei. Por essa razão, o
exercício democrático costuma ser barulhento e às vezes muito acalorado.
O PMDB escolhe, hoje, em todo o Brasil, os seus
diretórios estaduais. Por ser uma agremiação que faz jus à sua sigla, abriga,
neste momento, também uma série enorme de divisões. Grupos de diversos matizes
defendem, vigorosamente, os seus interesses, visando impor a sua linha de
pensamento a todo o partido.
Líderes tentam empolgar o controle de maiorias, que
lhes permitam dar guarida a justas pretensões políticas, quer executivas, quer
legislativas. Como os candidatos são muitos, para poucos cargos, é natural que
surjam, neste instante, rachaduras e, em algumas unidades, até irreversíveis
fraturas expostas.
Mas aquilo que os milhares de filiados do partido
(que há apenas algumas semanas tiveram a oportunidade de escolher seus
delegados), espera é grandeza da parte dos derrotados e coerência dos
vencedores para aceitar o veredito da maioria. Afinal, democracia é isso. Que a
agremiação, cessado o embate democrático interno, cerre fileiras em torno de seus
novos dirigentes e parta coesa rumo ao importantíssimo pleito de 15 de novembro
próximo.
Desta vez, o PMDB não poderá contar, nos palanques,
com a mesma retórica oposicionista que o caracterizou por duas décadas. Está no
poder e terá que pagar o ônus desse exercício sumamente desgastante para a
imagem de qualquer agremiação. Deixou de ser o estilingue para transformar-se
em vidraça.
Precisa, acima de tudo, entender o novo tempo que
estamos vivendo e se adaptar a ele, caso não deseje passar pelo dissabor de ver
ruir por terra todo o seu projeto de mudanças, agora que as condições são as
melhores possíveis para a sua concretização.
O presidente nacional do partido, deputado Ulysses
Guimarães, observou, com a lucidez que o caracteriza, no discurso de apresentação
da candidatura de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, em 15 de fevereiro de
1985: “são inexoravelmente expelidos da política os reacionários e imobilistas,
que teimam em não ver que outros são os dias e novos são os tempos”. E diversos
políticos, que pelas reações manifestadas nos últimos dias, demonstraram
possuir apenas vazias ambições pessoais, sem nenhuma idéia nova para defender,
correm esse risco.
Estes, com certeza, se tiverem suas pretensões
preteridas (muitos terão), deixarão o PMDB, indo abrigar-se em siglas sem
nenhum conteúdo programático e nem tradição, criadas ao sabor das conveniências
de momento. E punirá com o completo ostracismo. Não com o desterro, como faziam
os gregos antigos, que criaram essa prática, banindo de sua sociedade os
cidadãos inconvenientes, depositando seu voto secreto, com tal decisão, no
interior de uma ostra fechada (daí a origem da palavra). Mas com o esquecimento
e repulsa.
Verifica-se, hoje, nos mais variados segmentos
sociais brasileiros, uma espécie de polarização ideológica entre os extremos,
com suas múltiplas graduações. O partido, como reflexo do próprio País em que
atua, apresenta idêntico fenômeno, como ademais, em maior ou menor grau, todos
os outros existentes.
Essas várias correntes lutam para impor seu
pensamento à totalidade de seus pares, o que nos parece justo e lícito. Mas é
necessário que isso seja feito através de meios éticos e que certas regras
indispensáveis sejam respeitadas. Como o acatamento à opinião da maioria, um
dos pressupostos do exercício democrático. Se o PMDB não conseguir sair coeso
desse processo, fatalmente conhecerá o seu maior revés em seus vinte e um anos
de existência.
Outro ponto muito importante para o sucesso em 15 de
novembro, é ter realizações para apresentar durante a campanha. As obras
executadas são o maior cabo eleitoral que uma agremiação no poder pode dispor.
E problemas não faltam neste País para serem solucionados. Ao contrário,
abundam.
Tarefas até sobram, sendo impossíveis de execução
num único período governamental. Por isso é indispensável que haja
sensibilidade para detectar as prioridades e as realizar. Pouca valia terá o
fato de algum candidato a candidato contar com a metade ou a totalidade dos
cargos dos diretórios estaduais, se não tiver um programa afinado com os ideais
partidários para apresentar ao eleitorado. Que não se defendam posições
indefensáveis, de caráter meramente populista, sem nenhum conteúdo. Que se
busque sentir as necessidades e os anseios do nosso sofrido povo e atuar com
ele e não a despeito dele.
A vida pública, ao contrário do que muitos,
distorcidamente, supõem, não é prêmio, um espólio, uma sinecura, mas uma
tarefa. Ninguém é chamado compulsoriamente a exercê-la. O cidadão que se
dispõe, livremente, a servir o povo, deve, antes de tudo, se despir de vaidades
e de interesses particulares.
A responsabilidade que o político assume perante a
sociedade é muito grande. Ele deve estar sempre consciente de que um ato seu,
bom ou ruim, pode modificar, irreversivelmente, a própria vida de milhões de
pessoas, determinando seu acesso, ou não, à educação, à saúde, ao emprego e
àquilo que poderão ser como cidadãos. E que, sobretudo, os políticos tenham
sempre em mente as judiciosas palavras do saudoso líder Tancredo Neves, quando
afirmou: “Servir o povo reclama dedicação incansável, noites indormidas, o peso
abrasador de emoções”.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 26 de janeiro de 1986)
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