Maratona diplomática
Pedro J. Bondaczuk
O ano de 1985, nestes dois
meses e alguns dias já transcorridos, está sendo caracterizado por uma desusada
movimentação diplomática, tendo, a maioria dos encontros, por centro, o
presidente norte-americano Ronald Reagan. Desde a reunião ocorrida em Genebra,
nos dias 8 e 9 de janeiro, entre o secretário de Estado dos EUA, George Shultz
e o ministro de Relações Exteriores da União Soviética, Andrei Gromiko, visitas
e conversações se sucedem, e o objetivo básico é a solução de três grandes
problemas: a redução das armas nucleares (com os arsenais das superpotências
atingindo quantidades críticas e extremamente perigosas), a questão da América
Central e o eterno barril de pólvora do Oriente Médio.
O
primeiro tema será discutido até a exaustão, a partir de terça-feira, em
Genebra, pelas delegações norte-americana e soviética, devendo, na melhor das
hipóteses, durar cerca de um ano para que ocorra qualquer resultado prático.
Ao
cabo desse período, só Deus sabe quantas engenhocas mortais mais serão
fabricadas. Os negociadores das superpotências levaram para esse encontro a
disposição de não fazerem concessões representativas um ao outro e chegam a
essa importante cidade suíça com o espírito preconcebido de mútua desconfiança.
Essa não é – e nem seria preciso frisar – uma base propícia para a obtenção de
nenhum acordo. Como eu posso concordar com alguém, em cujas proposições não
confio e de quem espero apenas burlas e engodos?
Nos
dois meses que precederam a essa conferência, o presidente norte-americano não
se cansou de criticar os russos, afirmando que jamais eles cumpriram qualquer
espécie de pacto (o que, até certo ponto, não deixa de ser verdade). Moscou, em
contrapartida, deu o troco na mesma medida e voltou as suas baterias de
críticas e recriminações ao megalomaníaco projeto da Casa Branca, “guerra nas
estrelas”, tendente a fazer crescer muitas fortunas às custas da instabilidade
mundial, sem que, na prática, tenha qualquer utilidade, no sentido de evitar a
eclosão de uma guerra nuclear. Pelo contrário, pode assustar o inimigo e
levá-lo a um ato extremo e tresloucado, cometido mais por medo do que por
convicção ideológica.
Os
estudiosos de psicologia das massas sabem os efeitos que o pânico causa nas
multidões, sendo mais propício a despertar o instinto tânico, de
autodestruição, que todos nós possuímos, do que o erótico, de autopreservação.
Essas exibições freqüentes de força (ou de mera bravata) de ambas as
superpotências, portanto, têm o efeito contrário daquele que geralmente elas
esperam uma da outra. Conduzem à guerra, e nunca à paz.
Outra
questão que vem produzindo muita movimentação diplomática é a situação da
América Central, principalmente diante da ofensiva da Casa Branca contra o
regime sandinista da Nicarágua, uma pedra incômoda nos sapatos de três
administrações norte-americanas: a de Jimmy Carter e as duas de Ronald Reagan.
Felizmente,
a flexibilidade recentemente demonstrada pelo presidente nicaragüense, Daniel
Ortega, salvou o Grupo de Contadora, único caminho racional e humano para a
solução dos conflitos que assolam aquela minúscula e miserável região,
autêntico “quintal de fundo” dos EUA.
A
libertação do desertor Urbina Lara, por parte dos sandinistas, no correr desta
semana, acabou com o único pretexto apresentado pela Costa Rica, Honduras, El
Salvador e Guatemala para boicotarem a missão pacificadora na América Central.
Finalmente,
no Oriente Médio, o rei Hussein, da Jordânia, e o presidente egípcio, Hosni
Mubarak, tentam uma autêntica “missão impossível”: levar palestinos e
israelenses a sentarem-se em torno de uma mesma mesa para negociar.
A
iniciativa conta, inclusive, com o apoio e bênçãos das alas moderadas do mundo
árabe, principalmente dos sauditas, cujo rei, Fahd, esteve recentemente em Washington,
advogando essa causa. Mas ela encontra obstáculos, ao nosso ver
intransponíveis, no fato da OLP hoje estar fragmentada, com três fortes alas
dissidentes, das quais a mais incômoda e barulhenta é aquela que segue a
orientação do sírio Hafez Assad. Sem contar o radicalíssimo grupo que tem como
mentor o incendiário e anarquista líder líbio, Muammar Khadafy, que prega, não
apenas a destruição de Israel, mas, se possível, até mesmo dos EUA.
De
qualquer forma, o ano começa bem no terreno da diplomacia, com um clima
favorável às negociações. Pena é que todos esses esforços esbarrem num
obstáculo intransponível: a intransigência em defender apenas interesses
próprios dos únicos poderes que realmente decidem alguma coisa no mundo atual:
União Soviética e Estados Unidos. É como diz um popular provérbio gaúcho:
“Estão gastando pólvora com ximango”, ou seja, desperdiçando munição com uma
caça ruim.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 10 de março de 1985).
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