Thursday, June 02, 2016

O fantasma da hiperinflação


Pedro J. Bondaczuk


A inflação promete, a se acreditar nas previsões feitas por vários economistas (que no final de cada exercício sempre arriscam palpites a respeito) subir à estratosfera em 1986. Diversos fatores, infelizmente, dão fundamento a esses prognósticos pessimistas, entre os quais o comportamento irregular do clima em 1985, com enchentes no início do ano e secas no final dele, nas regiões produtoras de boa parte do alimento que abastece o País.

Com essas projeções, aumenta a pressão da sociedade sobre o governo, como se fosse possível o controle inflacionário através de simples decretos (que esses próprios que os exigem hoje, condenaram até muito recentemente). As autoridades da área econômica, por outro lado, assustadas com essa possibilidade, propõem aos brasileiros o óbvio, que mesmo tendo essa característica, muitos ainda teimam em não enxergar.

Trata-se de um acordo geral para segurar preços e salários e evitar, dessa forma, o mal maior, que seria a hiperinflação, uma verdadeira desordem econômica, capaz de conduzir povos à confrontação interna, caso se perca o controle sobre a maneira como se processam as transações em âmbito nacional.

Três pronunciamentos feitos anteontem sobre o assunto nos chamaram em particular a atenção. Todos os economistas que fizeram essas declarações admitiram que a inflação recuperou fôlego e que segue firme para emplacar cifras tricentenárias em 1986.

Cada um desses técnicos apontou o “remédio” para esse mal. E não houve qualquer consenso entre eles. Dois são professores do curso de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas, Antonio Carlos Porto Gonçalves e Uriel Magalhães, e o terceiro é o ministro da Fazenda, Dilson Funaro.

Se tão poucas pessoas, e entendidas na matéria, não conseguem se entender sobre o assunto, como esperar que 135 milhões, a maioria desconhecedora absoluta do que é e de como funciona a inflação, se entendam?

O primeiro dos dois economistas da FGV prevê que, em virtude de uma descontrolada expansão da demanda, verificada neste final de ano, as taxas do primeiro trimestre do próximo exercício deverão girar entre 13 e 14% mensais. Acresce, a esse fator, a escassez de alimentos que certamente deverá se registrar em decorrência dos caprichos da natureza. Dessa forma, segundo ele, será um grande feito para todos os brasileiros se a inflação acumulada de 1986 contentar-se com gordos 340%.

O remédio que Porto Gonçalves sugere para isso é um “tratamento de choque”. Isto num ano eleitoral importantíssimo, que deverá definir, a partir de seus resultados, até mesmo o futuro regime nacional. O economista prega qualquer medida do tipo Plano Austral, que completou, ontem, seis meses na Argentina, conseguindo trazer as taxas acumuladas daquele país de desastrosos 1.128% para assimiláveis 463,1%.

Mas como fazer isso? Simplesmente por decreto? Dificilmente a sociedade aceitará isso e certamente manifestará essa desaprovação nas urnas de 15 de novembro. Por via congressual? Político algum aceitaria correr esse risco num período pré-eleitoral. Não há como, portanto, adotar medida dessa natureza em véspera de eleições.

O segundo economista, Uriel Magalhães, também espera um crescimento inflacionário, posto que mais modesto do que o seu colega. Ele prevê que a taxa acumulada dos próximos 365 dias dificilmente chegará nos 300%, devendo se contentar com 270%. Ao contrário de Porto Gonçalves, não acredita em medidas de choque (nós também não) e acha que o governo em em suas mãos a solução do problema, desde que promova medidas de austeridade em suas próprias contas, reduzindo seus astronômicos déficits operacionais.

Finalmente, o 3º pronunciamento que nos chamou a atenção foi o do ministro Dilson Funaro, durante discurso que fez a vários empresários da Associação Brasileira da Indústria Eletroeletrônica, anteontem, em São Paulo. Ele também admitiu que as taxas inflacionárias estavam apresentando uma certa tendência ao crescimento. Mas não previu nenhuma solução de cima para baixo.

Defendeu a realização de um grande entendimento nacional, para que a sociedade, num esforço comum, deixando de lado sectarismos políticos e jacobinismos ideológicos, consiga conter esse flagelo, que penaliza severamente a maioria.

Dilson Funaro, entretanto, recebeu, no mesmo dia, uma resposta, posto que indireta, da Central Única dos Trabalhadores, que já mandou o recado que não está disposta a fazer nenhum pacto com o governo e com os empresários. Quer, simplesmente, que seja devolvido à classe trabalhadora aquilo que lhe vem sendo subtraído através de décadas, no bojo dos inúmeros e fracassados planos salvadores que já foram tentados neste País.

Como se vê, desenha-se no ar uma situação de nítido impasse, que se não for contornada, nos conduzirá a amargas experiências, como as vividas pela Argentina, pela Bolívia, por Israel no presente. Ou pela Alemanha e pela Grécia, na década de 20.

Tudo isso e mais o extenso calendário político, que vai desembocar na escolha dos constituintes e dos novos governadores estaduais, farão de 1986 um ano de imensas expectativas, que vai requerer muito bom senso e domínio dos nervos para a sua pacífica travessia. Tomara que todas essas previsões estejam tão erradas quanto as feitas para este findo exercício de 1985. Vai depender também de nós para que isso, de fato, venha a ocorrer.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 15 de dezembro de 1985).


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