O fantasma da hiperinflação
Pedro J. Bondaczuk
A inflação promete, a se
acreditar nas previsões feitas por vários economistas (que no final de cada
exercício sempre arriscam palpites a respeito) subir à estratosfera em 1986.
Diversos fatores, infelizmente, dão fundamento a esses prognósticos
pessimistas, entre os quais o comportamento irregular do clima em 1985, com
enchentes no início do ano e secas no final dele, nas regiões produtoras de boa
parte do alimento que abastece o País.
Com
essas projeções, aumenta a pressão da sociedade sobre o governo, como se fosse
possível o controle inflacionário através de simples decretos (que esses
próprios que os exigem hoje, condenaram até muito recentemente). As autoridades
da área econômica, por outro lado, assustadas com essa possibilidade, propõem
aos brasileiros o óbvio, que mesmo tendo essa característica, muitos ainda
teimam em não enxergar.
Trata-se
de um acordo geral para segurar preços e salários e evitar, dessa forma, o mal
maior, que seria a hiperinflação, uma verdadeira desordem econômica, capaz de
conduzir povos à confrontação interna, caso se perca o controle sobre a maneira
como se processam as transações em âmbito nacional.
Três
pronunciamentos feitos anteontem sobre o assunto nos chamaram em particular a
atenção. Todos os economistas que fizeram essas declarações admitiram que a
inflação recuperou fôlego e que segue firme para emplacar cifras tricentenárias
em 1986.
Cada
um desses técnicos apontou o “remédio” para esse mal. E não houve qualquer consenso
entre eles. Dois são professores do curso de pós-graduação da Fundação Getúlio
Vargas, Antonio Carlos Porto Gonçalves e Uriel Magalhães, e o terceiro é o
ministro da Fazenda, Dilson Funaro.
Se
tão poucas pessoas, e entendidas na matéria, não conseguem se entender sobre o
assunto, como esperar que 135 milhões, a maioria desconhecedora absoluta do que
é e de como funciona a inflação, se entendam?
O
primeiro dos dois economistas da FGV prevê que, em virtude de uma descontrolada
expansão da demanda, verificada neste final de ano, as taxas do primeiro
trimestre do próximo exercício deverão girar entre 13 e 14% mensais. Acresce, a
esse fator, a escassez de alimentos que certamente deverá se registrar em
decorrência dos caprichos da natureza. Dessa forma, segundo ele, será um grande
feito para todos os brasileiros se a inflação acumulada de 1986 contentar-se
com gordos 340%.
O
remédio que Porto Gonçalves sugere para isso é um “tratamento de choque”. Isto
num ano eleitoral importantíssimo, que deverá definir, a partir de seus
resultados, até mesmo o futuro regime nacional. O economista prega qualquer
medida do tipo Plano Austral, que completou, ontem, seis meses na Argentina,
conseguindo trazer as taxas acumuladas daquele país de desastrosos 1.128% para
assimiláveis 463,1%.
Mas
como fazer isso? Simplesmente por decreto? Dificilmente a sociedade aceitará
isso e certamente manifestará essa desaprovação nas urnas de 15 de novembro.
Por via congressual? Político algum aceitaria correr esse risco num período pré-eleitoral.
Não há como, portanto, adotar medida dessa natureza em véspera de eleições.
O
segundo economista, Uriel Magalhães, também espera um crescimento
inflacionário, posto que mais modesto do que o seu colega. Ele prevê que a taxa
acumulada dos próximos 365 dias dificilmente chegará nos 300%, devendo se
contentar com 270%. Ao contrário de Porto Gonçalves, não acredita em medidas de
choque (nós também não) e acha que o governo em em suas mãos a solução do
problema, desde que promova medidas de austeridade em suas próprias contas,
reduzindo seus astronômicos déficits operacionais.
Finalmente,
o 3º pronunciamento que nos chamou a atenção foi o do ministro Dilson Funaro,
durante discurso que fez a vários empresários da Associação Brasileira da
Indústria Eletroeletrônica, anteontem, em São Paulo. Ele também admitiu que as
taxas inflacionárias estavam apresentando uma certa tendência ao crescimento.
Mas não previu nenhuma solução de cima para baixo.
Defendeu
a realização de um grande entendimento nacional, para que a sociedade, num
esforço comum, deixando de lado sectarismos políticos e jacobinismos
ideológicos, consiga conter esse flagelo, que penaliza severamente a maioria.
Dilson
Funaro, entretanto, recebeu, no mesmo dia, uma resposta, posto que indireta, da
Central Única dos Trabalhadores, que já mandou o recado que não está disposta a
fazer nenhum pacto com o governo e com os empresários. Quer, simplesmente, que
seja devolvido à classe trabalhadora aquilo que lhe vem sendo subtraído através
de décadas, no bojo dos inúmeros e fracassados planos salvadores que já foram
tentados neste País.
Como
se vê, desenha-se no ar uma situação de nítido impasse, que se não for
contornada, nos conduzirá a amargas experiências, como as vividas pela
Argentina, pela Bolívia, por Israel no presente. Ou pela Alemanha e pela
Grécia, na década de 20.
Tudo
isso e mais o extenso calendário político, que vai desembocar na escolha dos
constituintes e dos novos governadores estaduais, farão de 1986 um ano de
imensas expectativas, que vai requerer muito bom senso e domínio dos nervos
para a sua pacífica travessia. Tomara que todas essas previsões estejam tão
erradas quanto as feitas para este findo exercício de 1985. Vai depender também
de nós para que isso, de fato, venha a ocorrer.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 15 de dezembro de 1985).
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