Thursday, June 09, 2016

Antiquíssima fábula de Esopo sobre a peste


Pedro J. Bondaczuk

Uma fábula muito antiga, possivelmente da metade do século VI antes de Cristo, atribuída a Esopo, trata de uma epidemia de peste bubônica entre os animais. Quando se trata de personagens de épocas tão remotas, tudo tem que ser colocado no condicional. Às vezes não há documentos que comprovem até mesmo a existência das figuras que citamos. E, quando estas existem, não raro uns contradizem outros. Pensar em datas exatas nestes casos é uma ingenuidade. O principal motivo é a variedade de calendários adotados, até que chegássemos ao nosso, atual. E este é relativamente recente. Passou a ser adotado depois da edição da bula papal “Inter Gravíssimas”, promulgada pelo papa Gregório XIII – daí seu nome, “gregoriano” – em 24 de fevereiro de 1582. A adaptação de datas de um calendário para outro raramente prima pela exatidão (desconfio que ela nunca se dê, por uma série de motivos, de maneira exata). Pode haver diferenças não somente de anos, mas até de décadas ou mais.

Embora haja controvérsias sobre a época de nascimento de Esopo – e não de anos, mas de séculos – é incontestável que essa figura carismática realmente existiu (mesmo muitos negando sua existência, mas sem base para fundamentar essa negativa). O historiador Heródoto trata dele, revelando, inclusive, que foi injustamente executado. Informa, ainda, que ele foi escravo do filósofo Xanto, um cidadão de Samos, junto com uma outra escrava chamada Ródope. A ele é atribuída a invenção da fábula, alçada a gênero literário e dos mais nobres. São pequenas histórias, de caráter moral e alegórico, cujos papéis principais são desenvolvidos por animais (mas também homens, deuses e até coisas inanimadas).

Esopo partia da cultura popular para compor seus enredos. Seus animais falam, cometem erros, são sábios ou tolos, maus ou bons, exatamente como os homens. Sua intenção era mostrar como os seres humanos podiam agir, para bem ou para mal. Ele é citado não somente por Heródoto, mas por dois dos mais famosos filósofos da Grécia Antiga:  Aristóteles e Platão. O primeiro citou-o em sua obra “Retórica”.  Escreveu que Esopo, em certa ocasião, discursou na Assembléia de Samos, em defesa de um demagogo. Platão, por seu turno, cita o nome de Esopo no diálogo Fédon, o que leva à conclusão que suas fábulas eram popularíssimas na Grécia, sobretudo em Atenas, há muito e muito tempo.

As histórias do fabulista e outras possivelmente a ele atribuídas foram reunidas pela primeira vez por Demétrio de Faleros, no início do século III a.C. Coube ao romano (filho de escravos) Caio Júlio Fedro verter para o latim as fábulas de Esopo, além de criar algumas próprias e de adaptar várias outras. O terceiro fabulista mais famoso que se conhece é o francês Jean de La Fontaine. Ele também escreveu sua versão da ocorrência da peste no reino animal. A história original, a de Esopo, antiquíssima, como destaquei, datada, possivelmente, do século VI antes de Cristo, é a que reproduzo abaixo, com tradução do renomado artista brasileiro Nicéas Romeo Zanchett.

OS ANIMAIS E A PESTE

A situação era desesperadora. Surgiu uma peste que estava matando todos os animais da floresta. Para encontrar uma solução eles resolveram fazer uma assembleia extraordinária.

O primeiro a falar foi o rei leão que disse:
- Os deuses estão revoltados conosco. Um de nós deverá ser sacrificado para aplacar sua ira.  Como sou o mais forte e já fiz muitas vítimas para me alimentar, me ofereço para morrer por todos.
A plateia protestou:
- Nada disso. Vossa majestade não deve morrer por nós.
- Então morro eu – disse o tigre – que também já matei tantos animais quanto há estrelas no céu.
- Não – protestou a plateia –, um tigre tão valente como o senhor não pode morrer por nós.

Diante disso o urso também se ofereceu:
- Já vivi bastante, sou o mais velho de todos e não farei falta a ninguém.
- Jamais permitiremos isso! Um urso com sua idade e sua força não pode morrer por nós.

Foi então que um burro que estava no canto da sala pediu a palavra: Acho que quem deve morrer por vocês sou eu que comi a couve do quintal do dono.

E a plateia bradou a uma só voz:
- Perfeitamente! é você que deve morrer.

Dessa forma o burro morreu por todos para acalmar os ânimos dos deuses e trazer de volta a tranquilidade para os habitantes da floresta.
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Moral da história: Aos poderosos tudo se desculpa, aos miseráveis nada se perdoa”.


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