Máfia
da venda de órgãos
Pedro J. Bondaczuk
Os transplantes de órgãos humanos são uma das mais
revolucionárias e benéficas conquistas da medicina em todos os tempos. Têm
salvado inúmeras vidas desde 1967. Ninguém contesta a importância e o valor da
técnica e nem o procedimento ético dos abnegados cirurgiões que, com o seu
talento, resgatam pessoas condenadas à morte e as devolvem virtualmente curadas
às suas atividades normais.
Mas em torno desse tipo altamente benéfico de
operação desenvolve-se, paralelamente, hoje em dia, uma das maiores e mais
revoltantes patifarias de que se tem notícia. Trata-se do comércio clandestino
de órgãos humanos. E, pior do que isso, do seqüestro e do assassinato de
crianças, para aproveitar seus corações, rins, córneas, fígados etc., para
serem transplantados.
Quando escrevemos a este respeito, meses atrás,
recebemos alguns telefonemas de leitores duvidando que tão hediondo
procedimento de fato existisse. Alguns acharam que se tratava de fantasia
nossa. Afinal, nenhum jornal publicou notícias ou comentários a esse propósito.
Provavelmente, ninguém tocou no delicadíssimo assunto para não ser
mal-interpretado. Os mais desavisados poderiam se opor aos próprios
transplantes, que não é o nosso caso.
Entendemos que este é um avanço da medicina que não
admite recuos. As doações espontâneas de órgãos devem prosseguir e até ser
incentivadas e incrementadas, sem a mínima dúvida. O que não se admite, em
hipótese alguma, é a ação dessa autêntica máfia, que assassina criancinhas para
obter lucros com o crime.
Em outubro passado, levantou-se uma polêmica na
Europa, mormente na Itália, com a denúncia feita de que crianças brasileiras,
pretensamente adotadas, estariam sendo mortas para fornecer material de
transplante. As autoridades italianas, contudo, comprovaram que, neste caso,
pelo menos de meninos e meninas cuja adoção foi feita de acordo com todos os
trâmites legais exigidos, não houve esse tipo de procedimento.
Na sexta-feira passada, a rede BBC de Londres voltou
ao assunto. Denunciou numerosos episódios de seqüestros na América Latina para
o tráfico de órgãos. No mesmo dia, uma funcionária da chancelaria Argentina –
país citado na matéria – Zelmira Regazzoli, diretora-geral de Direitos Humanos
e a Mulher, confirmou as denúncias. Afirmou que os “responsáveis por essa
prática formam uma máfia muito forte, que opera em todo o mundo, e que está em
segundo lugar em rentabilidade, perdendo apenas para o negócio de drogas”. É
absurdo e, sobretudo, aterrador!
Como se observa, não se trata de mera especulação.
Convém, portanto, que se faça uma investigação séria, honesta, rigorosa e
competente para tentar identificar e punir os autores de tão monstruoso crime.
Regazzoli disse mais: destacou que “nosso continente não está isento do
gravíssimo problema que significa o tráfico de órgãos. Além da Argentina,
países como Honduras, Guatemala, Brasil e outros tantos sofrem esse flagelo”.
Diante de constatações desse tipo, não há como
deixar de chegar à conclusão que a humanidade (como um todo) – claro que há,
felizmente, milhões de exceções – está muito doente. Perdeu o sentido da
importância, maravilha e objetivo da vida.
Pessoas tornam-se enlouquecidas, obcecadas,
enraivecidas e cegas pela ambição. E pecam tanto os que agem dessa forma
horripilante e ensandecida, quanto os que têm conhecimento ou suspeita dos atos
e nada fazem. Chacinas como a da Candelária, no Rio de Janeiro, revoltantes e
covardes por qualquer aspecto em que sejam vistas, apequenam-se diante do que
fazem esses monstros, cujas mãos tintas de sangue sujam tudo o que tocam.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 27 de novembro de 1993)
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