Wednesday, June 01, 2016

Máfia da venda de órgãos



Pedro J. Bondaczuk


Os transplantes de órgãos humanos são uma das mais revolucionárias e benéficas conquistas da medicina em todos os tempos. Têm salvado inúmeras vidas desde 1967. Ninguém contesta a importância e o valor da técnica e nem o procedimento ético dos abnegados cirurgiões que, com o seu talento, resgatam pessoas condenadas à morte e as devolvem virtualmente curadas às suas atividades normais.

Mas em torno desse tipo altamente benéfico de operação desenvolve-se, paralelamente, hoje em dia, uma das maiores e mais revoltantes patifarias de que se tem notícia. Trata-se do comércio clandestino de órgãos humanos. E, pior do que isso, do seqüestro e do assassinato de crianças, para aproveitar seus corações, rins, córneas, fígados etc., para serem transplantados.

Quando escrevemos a este respeito, meses atrás, recebemos alguns telefonemas de leitores duvidando que tão hediondo procedimento de fato existisse. Alguns acharam que se tratava de fantasia nossa. Afinal, nenhum jornal publicou notícias ou comentários a esse propósito. Provavelmente, ninguém tocou no delicadíssimo assunto para não ser mal-interpretado. Os mais desavisados poderiam se opor aos próprios transplantes, que não é o nosso caso.

Entendemos que este é um avanço da medicina que não admite recuos. As doações espontâneas de órgãos devem prosseguir e até ser incentivadas e incrementadas, sem a mínima dúvida. O que não se admite, em hipótese alguma, é a ação dessa autêntica máfia, que assassina criancinhas para obter lucros com o crime.

Em outubro passado, levantou-se uma polêmica na Europa, mormente na Itália, com a denúncia feita de que crianças brasileiras, pretensamente adotadas, estariam sendo mortas para fornecer material de transplante. As autoridades italianas, contudo, comprovaram que, neste caso, pelo menos de meninos e meninas cuja adoção foi feita de acordo com todos os trâmites legais exigidos, não houve esse tipo de procedimento.

Na sexta-feira passada, a rede BBC de Londres voltou ao assunto. Denunciou numerosos episódios de seqüestros na América Latina para o tráfico de órgãos. No mesmo dia, uma funcionária da chancelaria Argentina – país citado na matéria – Zelmira Regazzoli, diretora-geral de Direitos Humanos e a Mulher, confirmou as denúncias. Afirmou que os “responsáveis por essa prática formam uma máfia muito forte, que opera em todo o mundo, e que está em segundo lugar em rentabilidade, perdendo apenas para o negócio de drogas”. É absurdo e, sobretudo, aterrador!

Como se observa, não se trata de mera especulação. Convém, portanto, que se faça uma investigação séria, honesta, rigorosa e competente para tentar identificar e punir os autores de tão monstruoso crime. Regazzoli disse mais: destacou que “nosso continente não está isento do gravíssimo problema que significa o tráfico de órgãos. Além da Argentina, países como Honduras, Guatemala, Brasil e outros tantos sofrem esse flagelo”.

Diante de constatações desse tipo, não há como deixar de chegar à conclusão que a humanidade (como um todo) – claro que há, felizmente, milhões de exceções – está muito doente. Perdeu o sentido da importância, maravilha e objetivo da vida.

Pessoas tornam-se enlouquecidas, obcecadas, enraivecidas e cegas pela ambição. E pecam tanto os que agem dessa forma horripilante e ensandecida, quanto os que têm conhecimento ou suspeita dos atos e nada fazem. Chacinas como a da Candelária, no Rio de Janeiro, revoltantes e covardes por qualquer aspecto em que sejam vistas, apequenam-se diante do que fazem esses monstros, cujas mãos tintas de sangue sujam tudo o que tocam.     

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 27 de novembro de 1993)


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