Seqüestro recorde
Pedro J. Bondaczuk
O
ano de 1985 parece mesmo destinado à quebra de tudo quanto é recorde negativo.
Tivemos nele a maior quantidade de vítimas em desastres aéreos desde o início
da aviação civil; o seqüestro mais demorado de uma aeronave de passageiros,
protagonizado por extremistas xiitas libaneses e agora, desde anteontem, a
maior quantidade de reféns dos últimos tempos, com o inconcebível ato de
pirataria verificado em águas territoriais egípcias, no Mar Mediterrâneo. O
terrorismo, com isso, atinge proporções paroxísticas, assustando as pessoas
equilibradas e de bom senso.
Desde
a década de 50, quando o capitão português Antonio Galvão tomou a força o navio
Santa Maria, desviando-o para o Brasil, que não se tinha conhecimento de uma
ação desse tipo, com finalidades políticas. Atos de pirataria no mar existem em
profusão, provavelmente em maior quantidade do que nos tempos dos célebres
ladrões dos sete mares, consagrados por Hollywood, como Jacques Lafite (não
confundir com o piloto de Fórmula um de mesmo nome), Capitão Blood e outros
tantos. Eles ocorrem, na maior parte, nas águas do Caribe e do Mar da China. O
objetivo deles, ao contrário dos velhos corsários do passado, não é saquear
galeões espanhóis, carregados de barras de ouro do Novo Mundo. É obter
transporte gratuito para a heroína, cocaína e outros entorpecentes, que vão
intoxicar incautos jovens norte-americanos.
Seqüestro
de navio, com finalidade política, o do transatlântico italiano Achille Lauro é
o primeiro nos últimos 26 anos. Se tal ato de ousadia (ou de loucura) fosse
mostrado nas cenas de qualquer filme, desses que passam na TV após a meia-noite
e que fazem a delícia dos que dormem tarde, é provável que o telespectador até
mesmo desligasse seu aparelho receptor e murmurasse com seus botões: "É
marmelada! Isso é impossível de acontecer". Pois bem, a realidade acabou
superando a ficção. O que ainda faltava acontecer para mostrar que aquilo que
ocorre atualmente no Oriente Médio tem que ser olhado com mais cuidado e
atenção do que até aqui tem sido feito, aconteceu. E o problema poderia ter
ganhado proporções muito maiores se não houvesse uma providencial escala em
Alexandria do Achille Lauro, de propriedade de uma empresa napolitana.
É
que nesse histórico porto egípcio, cerca de 600 passageiros desceram para
conhecer a cidade e dar uma esticadinha além, para tirar as clássicas
fotografias que todo o turista gosta de bater, junto às milenares pirâmides e à
enigmática Esfinge. Não fosse isso, e hoje a dor de cabeça das autoridades
internacionais seria praticamente tripla. Pouco se sabe de quantas pessoas
foram realmente feitas de reféns. Os números variam de 400 a 500, o que não
deixa de ser uma quantidade considerável. Bem maior do que os 53
norte-americanos que permaneceram 444 dias em cativeiro na embaixada do seu
país em Teerã, de 4 de novembro de 1979 a 20 de janeiro de 1981, em torno das
quais tanto barulho se fez.
Sabe-se
que na lista de passageiros constavam os nomes de seis brasileiros, cujo
destino, todavia, ainda é ignorado. Tanto eles podem ter descido em Alexandria
e agora estarem se deliciando com as obras milenares egípcias, indiferentes ao
que ocorre a bordo do Achille Lauro, quanto podem estar no navio, tememdo que
em algum assomo de fúria (ou de insânia), o barco voe pelos ares, como ameaçam
fazer os malucos que o ocuparam.
Sexta-feira
passada nós prevíamos, neste mesmo espaço, que o ataque israelense ao QG da OLP
em Tunis iria redundar em uma série de incidentes de extremismo no Oriente
Médio. E embora não se possa atribuir (por enquanto) à organização de Yasser
Arafat este ato (como também o seqüestro do iate de Israel, em Lanarca, no
Chipre, em 25 de setembro), foram palestinos que o protagonizaram. Por mais
desunido que este povo possa estar, dividido em dezenas de facções, uma ação,
como a empreendida pelos Phantons de Tel Aviv, na Tunísia, desperta,
certamente, imprevisíveis reações de desequilíbrio em muitos fanáticos. E
estranhos desejos de vingança, logicamente...
Oxalá
tudo termine bem, com os piratas contentando-se com a notoriedade (passiva de
entrar no "Guiness Book", o livro dos recordes) de haverem conseguido
fazer de uma só vez mais reféns do que os seqüestros somados de toda uma
década. O pior é se eles cismarem de ampliar essa marca inusitada e decidirem
fazer mais vítimas fatais simultâneas do que as registradas numa quinzena de
combates no Líbano.
(Artigo publicado na página
10, Internacional, do Correio Popular, em 9 de outubro de 1985)
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