Saturday, June 18, 2016

Seqüestro recorde


Pedro J. Bondaczuk


O ano de 1985 parece mesmo destinado à quebra de tudo quanto é recorde negativo. Tivemos nele a maior quantidade de vítimas em desastres aéreos desde o início da aviação civil; o seqüestro mais demorado de uma aeronave de passageiros, protagonizado por extremistas xiitas libaneses e agora, desde anteontem, a maior quantidade de reféns dos últimos tempos, com o inconcebível ato de pirataria verificado em águas territoriais egípcias, no Mar Mediterrâneo. O terrorismo, com isso, atinge proporções paroxísticas, assustando as pessoas equilibradas e de bom senso.

Desde a década de 50, quando o capitão português Antonio Galvão tomou a força o navio Santa Maria, desviando-o para o Brasil, que não se tinha conhecimento de uma ação desse tipo, com finalidades políticas. Atos de pirataria no mar existem em profusão, provavelmente em maior quantidade do que nos tempos dos célebres ladrões dos sete mares, consagrados por Hollywood, como Jacques Lafite (não confundir com o piloto de Fórmula um de mesmo nome), Capitão Blood e outros tantos. Eles ocorrem, na maior parte, nas águas do Caribe e do Mar da China. O objetivo deles, ao contrário dos velhos corsários do passado, não é saquear galeões espanhóis, carregados de barras de ouro do Novo Mundo. É obter transporte gratuito para a heroína, cocaína e outros entorpecentes, que vão intoxicar incautos jovens norte-americanos.

Seqüestro de navio, com finalidade política, o do transatlântico italiano Achille Lauro é o primeiro nos últimos 26 anos. Se tal ato de ousadia (ou de loucura) fosse mostrado nas cenas de qualquer filme, desses que passam na TV após a meia-noite e que fazem a delícia dos que dormem tarde, é provável que o telespectador até mesmo desligasse seu aparelho receptor e murmurasse com seus botões: "É marmelada! Isso é impossível de acontecer". Pois bem, a realidade acabou superando a ficção. O que ainda faltava acontecer para mostrar que aquilo que ocorre atualmente no Oriente Médio tem que ser olhado com mais cuidado e atenção do que até aqui tem sido feito, aconteceu. E o problema poderia ter ganhado proporções muito maiores se não houvesse uma providencial escala em Alexandria do Achille Lauro, de propriedade de uma empresa napolitana.

É que nesse histórico porto egípcio, cerca de 600 passageiros desceram para conhecer a cidade e dar uma esticadinha além, para tirar as clássicas fotografias que todo o turista gosta de bater, junto às milenares pirâmides e à enigmática Esfinge. Não fosse isso, e hoje a dor de cabeça das autoridades internacionais seria praticamente tripla. Pouco se sabe de quantas pessoas foram realmente feitas de reféns. Os números variam de 400 a 500, o que não deixa de ser uma quantidade considerável. Bem maior do que os 53 norte-americanos que permaneceram 444 dias em cativeiro na embaixada do seu país em Teerã, de 4 de novembro de 1979 a 20 de janeiro de 1981, em torno das quais tanto barulho se fez.

Sabe-se que na lista de passageiros constavam os nomes de seis brasileiros, cujo destino, todavia, ainda é ignorado. Tanto eles podem ter descido em Alexandria e agora estarem se deliciando com as obras milenares egípcias, indiferentes ao que ocorre a bordo do Achille Lauro, quanto podem estar no navio, tememdo que em algum assomo de fúria (ou de insânia), o barco voe pelos ares, como ameaçam fazer os malucos que o ocuparam.

Sexta-feira passada nós prevíamos, neste mesmo espaço, que o ataque israelense ao QG da OLP em Tunis iria redundar em uma série de incidentes de extremismo no Oriente Médio. E embora não se possa atribuir (por enquanto) à organização de Yasser Arafat este ato (como também o seqüestro do iate de Israel, em Lanarca, no Chipre, em 25 de setembro), foram palestinos que o protagonizaram. Por mais desunido que este povo possa estar, dividido em dezenas de facções, uma ação, como a empreendida pelos Phantons de Tel Aviv, na Tunísia, desperta, certamente, imprevisíveis reações de desequilíbrio em muitos fanáticos. E estranhos desejos de vingança, logicamente...

Oxalá tudo termine bem, com os piratas contentando-se com a notoriedade (passiva de entrar no "Guiness Book", o livro dos recordes) de haverem conseguido fazer de uma só vez mais reféns do que os seqüestros somados de toda uma década. O pior é se eles cismarem de ampliar essa marca inusitada e decidirem fazer mais vítimas fatais simultâneas do que as registradas numa quinzena de combates no Líbano.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 9 de outubro de 1985)


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