Friday, June 24, 2016

Copa e eleições


Pedro J. Bondaczuk


A disputa da Copa do Mundo é uma das raras oportunidades para que o brasileiro mostre o quanto ama este país. É ocasião para vestir-se de verde e amarelo, tirar a bandeira nacional do fundo do baú e gritar emocionado: Brasil! Brasil! Brasil! É momento de afirmação da nacionalidade. É, antes de uma festa esportiva, um raro momento de civismo, que une todas as classes sociais.

Como nas outras quinze Copas disputadas --- e o Brasil foi o único a ser representado em todas essas disputas --- ocorre agora a mesma manifestação de descrença (com uma pontinha indisfarçável de derrotismo) na nossa seleção, como em tantas outras situações semelhantes. Defeitos inerentes a todos nós --- como a falta de previsão, o fato de deixar tudo para a última hora e a confiança sem limites na capacidade de improvisação --- são apontados pela imprensa especializada como falhas imperdoáveis, com o que concorda parte considerável da torcida. Tais deficiências (contornáveis, por sinal, como experiências passadas mostraram), são colocadas como obstáculos quase intransponíveis à conquista do sonhado penta. Mas não há novidade alguma nisso.

À exceção de 1950, quando o "já ganhou" provavelmente levou nosso selecionado ao fracasso, no jogo decisivo contra o Uruguai, no que se convencionou chamar de "o desastre do Maracanã", nos demais mundiais a tônica foi essa: pessimismo, críticas e restrições a técnicos ou jogadores. Em 1954, era "palpável" o nosso complexo de inferioridade frente aos europeus. Alguns tolos inconseqüentes chegaram a dizer que constituíamos uma raça inferior. Nada mais estúpido!. Em 1958, a seleção embarcou cercada do mais absoluto descrédito. Maravilhou o mundo e conquistou seu primeiro título.

Em 1962, o pessimismo e a mentalidade derrotista voltaram, após o segundo jogo, quando Pelé sofreu a distensão muscular contra a Checoslováquia, naquele sofrido 0 a 0 no Chile, que o alijaria da Copa. Esse mesmo adversário, no entanto, seria superado com relativa facilidade na final, na conquista do bi. Em 1970, o Brasil fez fiasco na fase de amistosos (como agora). Mas deu no que deu: foi tricampeão.

Poderíamos reportar todos os mundiais. A véspera de cada um deles não diferiu disso que estamos assistindo agora. Há torcedores, inclusive, que ostensivamente torcem contra o Brasil, sob o pretexto de que um eventual fracasso na França impediria a reeleição de Fernando Henrique Cardoso para a Presidência. Será que o presidente depende, de fato, da performance da seleção para garantir mais quatro anos no poder? O futebol pode ajudar, mas não será o fator determinante de sua vitória ou derrota.

O que vai contar, com toda a certeza, vai ser o nível de desemprego no País às vésperas da eleição. Terá um peso considerável o andamento da economia e o controle do indecente déficit público. Vão pesar, e bastante, declarações dos três principais candidatos. Por exemplo, Fernando Henrique não pode mais cometer gafes como a que cometeu, quando chamou os brasileiros que se aposentam com menos de 50 anos de "vagabundos". Por outro lado, Luís Inácio Lula da Silva e Ciro Gomes, seus principais adversários, precisam policiar atos e palavras, para não cometerem deslizes como estes, ou até piores.

Quanto ao desempenho da seleção, é duvidoso que venha a influir, pelo menos em grande medida, na campanha sucessória. Apesar do clima de pessimismo e das notícias alarmantes procedentes da França --- sobre insuficiência de preparação, brigas entre jogadores e contusões --- o Brasil tem, é óbvio, todas as chances de repetir o êxito obtido em quatro ocasiões.

Na hora do "vamos ver", é o talento que conta. E isso o atleta brasileiro tem de sobra. Não foi por acaso que o País conquistou os quatro campeonatos que ostenta, um dos quais na Europa em 1958, feito jamais repetido por outro sul-americano, ou africano ou asiático. Em competição, prognósticos são inúteis. Isto vale tanto para uma Copa do Mundo, quanto para uma eleição, seja ela para a Presidência, para governo do Estado, para prefeituras ou mesmo para uma sociedade de bairro.

(Texto escrito em 9 de junho de 1998 e publicado como editorial na Folha do Taquaral).

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