Vergonha de ser humano
Pedro
J. Bondaczuk
Há momentos em que
sinto vergonha de integrar a espécie humana. Não que me sinta melhor do que
qualquer pessoa. Longe disso. Afinal, não sou. Aliás, envergonho-me. Também, da
minha indiferença em relação aos problemas e sofrimentos alheios que tanto critico
nos outros. Uma voz interior cutuca-me, a todo o momento, dizendo que eu
deveria agir, fazer alguma coisa de prático, ajudar, da melhor forma que puder,
a quem de fato precise. Todavia, o comodismo, o medo onipresente da violência e
outros tantos motivos, reais ou meros pretextos imaginários que arrolo para
justificar-me, me impedem de fazer o que é humanamente correto e até
necessário. Enfatizo que, se não sou melhor do que ninguém (e não sou mesmo),
também não sou o pior dos indivíduos.
Meu procedimento é idêntico ao da grande maioria das pessoas mundo afora, nesta
época da história caracterizada por um feroz individualismo, por uma
indiferença brutal em relação ao próximo, por um egoísmo exacerbado e burro.
Qual a razão desse
súbito “ataque de consciência”, perguntará, ironicamente, o leitor dotado de
agudo senso crítico? Antes de tudo esclareço que não é “súbito” coisa nenhuma.
É um sentimento constante, posto que, infelizmente, não acompanhado de atos, o
que me envergonha e aborrece. O motivo desse desabafo é a noticia de que na
madrugada dessa primeira metade de junho de 2016, de um outono inusitadamente
gélido para um país tropical como o nosso,
pelo menos sete moradores de rua morreram de frio na terceira cidade
mais populosa do mundo, ou seja, na rica e orgulhosa São Paulo. Caramba, foram
sete seres humanos, abandonados, desassistidos e no mais fundo do fundo do poço
que perderam a vida, sem que ninguém fizesse nada para evitar!!!!
Pensem comigo. Se para
nós, que bem ou mal temos uma casa para nos abrigar, roupas quentes para nos
aquecer, cobertas grossas para nos proteger, comidas adequadas para nos dar
energia, estas madrugadas têm sido penosas e sofridas, imaginem para essas
pessoas que não contam com nada disso! É a tortura das torturas!!! O que é
ainda mais chocante é saber que São Paulo conta com uma população de moradores
de rua que ascende a estimadas cento e vinte mil pessoas ou coisa que o
valha!!! É muita gente! Preocupamo-nos, pelo menos da boca para fora, com os
milhares de refugiados vivendo em precários acampamentos na Europa, África e
Ásia e não nos damos conta de que temos, debaixo de nossos narizes, problema
igual, quando não pior, por aqui.
Há quem argumente que
se trata de pessoas viciadas em drogas e/ou em álcool, de deficientes mentais,
de pessoas arredias que recusam ajuda quando oferecida. Balela! E mesmo que
sejam, elas deixam de ser humanas? Sentem menos fome e frio que qualquer um de
nós? Não sentem dor? Se nos condoemos
tanto de cães e gatos e de outros animais abandonados (o que, por sinal, é
meritório) e se fazemos campanhas para que sejam adotados, por que ficamos
indiferentes, alheios ao sofrimento e ao abandono de homens, mulheres e
crianças da nossa própria espécie? Nada, absolutamente nada justifica que
ajamos assim. Onde estão os vários órgãos oficiais de assistência social cuja existência só se justifica para
evitar tanto descaso e abandono? Ah, não funcionam? Não passam de cabides de
emprego? Pois cobremos, pelo menos, que ajam com eficiência e presteza, executando
a função que justifica sua existência, nós que cobramos tanta coisa, até o que
não é coisa para ser cobrada.
Conversando, ontem, a
respeito destas sete mortes numa roda de pessoas, um gaiato saiu-se com essa:
“Está com pena deles? Leve para casa!”. É o cúmulo da indiferença, da burrice e
da falta de consciência e humanidade!!! É uma observação nojenta, mas que
expressa o sentimento de milhares e milhares de pessoas (infelizmente) mundo
afora. Fôssemos, realmente, o Homo Sapiens que julgamos ser, os levaríamos,
mesmo, para casa, com todo o suposto risco que isso implica. Por isso dou um
valor imenso aos poucos que, anonimamente, distribuem sopões aos moradores de
rua, sem nada ganhar com isso. Àqueles que, espontaneamente, levam agasalhos e
cobertores a esses infelizes irmãos de espécie. A almas piedosas e solidárias
como o padre Júlio Lancelotti e sua cruzada em favor dos que nada têm, que são
tão indigentes, tão despossuídos, tão miseráveis que chegam a ser “invisíveis”.
No entanto... são seres humanos como eu, como você, como os “poderosos” da
Terra. Em situações como essa, sinto vergonha de integrar a espécie humana. E
tenho dito.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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