Sunday, June 12, 2016

Solução passa por um pacto


Pedro J. Bondaczuk


O ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, está propondo um expediente para combater a endêmica e renitente inflação brasileira, tentado (sem sucesso) por vários outros governos: a negociação que conduza a uma espécie de pacto.

A reação inicial, da maioria esmagadora dos cidadãos, é a mais previsível possível: a de ceticismo. Alguns chegam até mesmo a dar um sorriso irônico, via de regra acompanhado de uma expressão galhofeira, tão a caráter do nosso temperamento. Mas qual é, então, a opção? A tentativa de vencer essa terrível disfunção econômica mediante decretos? Tolice!

O ideal, descartada a primeira hipótese, seria algum outro choque na economia, tão "chocada" de 1986 para cá, com os respectivos congelamentos de preços e salários? Há quase que um consenso, hoje em dia, de que essa é uma complicação enorme, jamais uma solução.

O que fazer? Recorrer a expedientes extremos, do tipo confisco de poupança da sociedade? Passar por cima de contratos e alterar as regras de mercado? Ou deixar como está para ver como é que fica? Impossível!

Nem é preciso ser um economista ou sequer ter noção da matéria para saber que a inflação é a maior concentradora de renda. Transfere recursos de quem os tem minguados para aqueles que possuem muito além de suas necessidades. E a maioria já nem tem mais o que transferir.

O País conta com 34,6 milhões de indigentes, cifra que supera a população total da Argentina. Como se observa, ironias à parte, o único caminho para que as taxas inflacionárias sejam trazidas para baixo, até um patamar aceitável, é a obtenção de um acordo que, se não satisfaça a todos --- há um clichê surrado, mas sempre verdadeiro, que diz ser "impossível agradar a gregos e troianos" --- pelo menos seja razoavelmente respeitado.

Nenhum país que tenha vencido a inflação e voltado a crescer o fez sem uma espécie de pacto, envolvendo governo, capital e trabalho. Risível ou não, a proposta de Fernando Henrique Cardoso, de tão óbvia, chega a ser como Nelson Rodrigues costumava dizer: "ululante".

Ou será que existe alguém de posse de uma fórmula mágica que, da noite para o dia, vai não apenas deter a erosão da nossa moeda --- hoje tão achincalhada e desvalorizada que nem é mais tomada como referencial de preços --- mas conseguir, de quebra, que ela se valorize? Se tiver, que apresente, poisa certamente irá obter o Prêmio Nobel de Economia.

É certo que o governo, antes de propor este entendimento nacional, deve dar o exemplo de austeridade, que tanto se espera, tantas vezes prometido e reiterado, mas jamais cumprido. O Estado está falido e ainda assim gasta por conta aquilo que não tem.

As finanças públicas são como cobertor de pobre: quando se consegue cobrir a cabeça, os pés ficam de fora e vice-versa. Os cortes a serem feitos no orçamento de 1993, para fazer face ao reajuste de 85% aos servidores públicos federais, ameaçam tirar verbas de setores exatamente os mais carentes e desassistidos, como saúde, educação e assistência social.

Se isso ocorrer, o governo estará dando uma demonstração explícita de falta de capacidade administrativa. Afinal de contas, o que é o ato de administrar senãoi a definição correta das prioridades?

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 2 de junho de 1993).


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk      

No comments: