Opinar sobre crise soviética
é temerário
Pedro J. Bondaczuk
A
nova ordem reinante na União Soviética pegou os analistas de surpresa, embora o
que está ocorrendo fosse o mais previsível possível e existissem inúmeras
indicações da correção dessa previsibilidade. Muitos têm opinado a respeito sem
conhecimento de causa, ou pelo menos sem contar com todos os dados necessários
para montar o quebra-cabeças. Por isso são forçados a sair pela tangente,
usando imagens pré-fabricadas, quando não surrados chavões.
A
decomposição do império soviético ainda é uma incógnita. Qualquer coisa que se
afirme a respeito, agora, está sujeita a retificações. A única certeza, por
enquanto, é a independência das Repúblicas bálticas --- Lituânia, Letônia e
Estônia --- em decorrência da forma como seus territórios foram anexados à
URSS.
A
própria Comunidade Européia expressou essa posição. Uma fonte da CE deixou esse
ponto bem claro ao afirmar que se os outros separatistas "pensam que estão
no mesmo barco que os povos do Báltico, estão cometendo um equívoco".
É
provável, depois de muita negociação, falatório e até alguma arruaça popular,
inevitável em situações como esta, que a Armênia, Geórgia e Moldávia logrem
conseguir sua separação da URSS. Aliás, as três Repúblicas virtualmente
independentes após o amplo reconhecimento internacional e estas três últimas
foram as únicas a boicotar o plebiscito de 17 de março passado, acerca do novo
Tratado de União.
Portanto,
ucranianos, bielorrussos e uzbeques, que agora também falam em separação, estão
sendo, no mínimo, incoerentes. Ou gente não autorizada vem falando por eles.
Afinal, as populações desses três Estados expressaram nas urnas o desejo de
permanência numa União Soviética remodelada.
A
Ucrânia, muito em especial, dificilmente irá lograr sua independência. Entre a
proclamação do Parlamento, feita ainda sob a influência da desastrosa tentativa
de golpe contra Mikhail Gorbachev, e a implementação prática da medida, vai uma
distância tão grande quanto a extensão da célebre ferrovia Transiberiana.
Ocorre
que atualmente muito comentarista de jornal está sendo influenciado pela
televisão. Alguns, inclusive, deixam claras suas deficiências culturais, com
poucos conhecimentos de geografia e história. Por isso, fazem previsões das
quais certamente se arrependerão em pouco tempo, quando o quadro acerca do mapa
da nova Europa (Eurásia, no caso soviético) ficar melhor definido.
Nicholó
Machiavel escreveu que "para predizer o que vai acontecer, é preciso
entender o que ocorreu antes". Estariam os analistas afoitos entendendo? É
contestável.
A
responsabilidade do comentarista de jornal é maior, muito mais ampla, do que a
daquele que se vale da mídia eletrônica. Em primeiro lugar, o que é escrito
permanece e as retificações costumam não funcionar. Nem sempre, por exemplo, o
leitor que leu a versão errada é o mesmo que lê a retificada e vice-versa. O
sociólogo norte-americano Neil Postman escreveu o seguinte a respeito:
"A
escrita apresenta o mundo enquanto idéia; a imagem o mostra como um objeto. Na
televisão, a informação é inerte. As 'notícias do dia' nos propiciam no máximo
um tema de conversação, mas não influenciam nosso comportamento na jornada
diária. A tela pequena nos fabrica um mundo do tipo relógio de cuco: os
acontecimentos aparecem e desaparecem com a mesma velocidade. Os temas não
ultrapassam os 45 segundos e se sucedem no mesmo ritmo que as propagandas.
Esses fragmentos de atualidade não são mais integrados num conjunto coerente;
com a TV nós vivemos um presente contínuo que não tem mais sentido. Depois de
ter nos apresentado a quantia diária de homicídios e carnificinas, o
apresentador nos convida, em um tom alegre, a nos reencontrar no dia seguinte,
como se tudo aquilo fosse para rir. Não se deve incriminar os jornalistas, eles
não fazem mais do que se adaptar ao seu midia: eles mostram as imagens para que
elas sejam vistas. Não para nos fazer refletir, mas para nos divertir".
(Artigo
publicado na página 18, Internacional, do Correio Popular, em 29 de agosto de
1991).
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