Friday, June 10, 2016

Opinar sobre crise soviética é temerário



Pedro J. Bondaczuk


A nova ordem reinante na União Soviética pegou os analistas de surpresa, embora o que está ocorrendo fosse o mais previsível possível e existissem inúmeras indicações da correção dessa previsibilidade. Muitos têm opinado a respeito sem conhecimento de causa, ou pelo menos sem contar com todos os dados necessários para montar o quebra-cabeças. Por isso são forçados a sair pela tangente, usando imagens pré-fabricadas, quando não surrados chavões.

A decomposição do império soviético ainda é uma incógnita. Qualquer coisa que se afirme a respeito, agora, está sujeita a retificações. A única certeza, por enquanto, é a independência das Repúblicas bálticas --- Lituânia, Letônia e Estônia --- em decorrência da forma como seus territórios foram anexados à URSS.

A própria Comunidade Européia expressou essa posição. Uma fonte da CE deixou esse ponto bem claro ao afirmar que se os outros separatistas "pensam que estão no mesmo barco que os povos do Báltico, estão cometendo um equívoco".

É provável, depois de muita negociação, falatório e até alguma arruaça popular, inevitável em situações como esta, que a Armênia, Geórgia e Moldávia logrem conseguir sua separação da URSS. Aliás, as três Repúblicas virtualmente independentes após o amplo reconhecimento internacional e estas três últimas foram as únicas a boicotar o plebiscito de 17 de março passado, acerca do novo Tratado de União.

Portanto, ucranianos, bielorrussos e uzbeques, que agora também falam em separação, estão sendo, no mínimo, incoerentes. Ou gente não autorizada vem falando por eles. Afinal, as populações desses três Estados expressaram nas urnas o desejo de permanência numa União Soviética remodelada.

A Ucrânia, muito em especial, dificilmente irá lograr sua independência. Entre a proclamação do Parlamento, feita ainda sob a influência da desastrosa tentativa de golpe contra Mikhail Gorbachev, e a implementação prática da medida, vai uma distância tão grande quanto a extensão da célebre ferrovia Transiberiana.

Ocorre que atualmente muito comentarista de jornal está sendo influenciado pela televisão. Alguns, inclusive, deixam claras suas deficiências culturais, com poucos conhecimentos de geografia e história. Por isso, fazem previsões das quais certamente se arrependerão em pouco tempo, quando o quadro acerca do mapa da nova Europa (Eurásia, no caso soviético) ficar melhor definido.

Nicholó Machiavel escreveu que "para predizer o que vai acontecer, é preciso entender o que ocorreu antes". Estariam os analistas afoitos entendendo? É contestável.

A responsabilidade do comentarista de jornal é maior, muito mais ampla, do que a daquele que se vale da mídia eletrônica. Em primeiro lugar, o que é escrito permanece e as retificações costumam não funcionar. Nem sempre, por exemplo, o leitor que leu a versão errada é o mesmo que lê a retificada e vice-versa. O sociólogo norte-americano Neil Postman escreveu o seguinte a respeito:

"A escrita apresenta o mundo enquanto idéia; a imagem o mostra como um objeto. Na televisão, a informação é inerte. As 'notícias do dia' nos propiciam no máximo um tema de conversação, mas não influenciam nosso comportamento na jornada diária. A tela pequena nos fabrica um mundo do tipo relógio de cuco: os acontecimentos aparecem e desaparecem com a mesma velocidade. Os temas não ultrapassam os 45 segundos e se sucedem no mesmo ritmo que as propagandas. Esses fragmentos de atualidade não são mais integrados num conjunto coerente; com a TV nós vivemos um presente contínuo que não tem mais sentido. Depois de ter nos apresentado a quantia diária de homicídios e carnificinas, o apresentador nos convida, em um tom alegre, a nos reencontrar no dia seguinte, como se tudo aquilo fosse para rir. Não se deve incriminar os jornalistas, eles não fazem mais do que se adaptar ao seu midia: eles mostram as imagens para que elas sejam vistas. Não para nos fazer refletir, mas para nos divertir".

(Artigo publicado na página 18, Internacional, do Correio Popular, em 29 de agosto de 1991).


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