Saturday, January 18, 2014

Vozes dissonantes


Pedro J. Bondaczuk

O Chile, pela sua importância econômica e política, é um país que sempre gozou de enorme prestígio na comunidade latino-americana. Por isso, tudo o que acontece ali, mesmo que o governo tente esconder da opinião pública internacional, acaba repercutindo, e bastante, principalmente quando se sabe que essa República andina já foi caracterizada (e num passado não tão distante assim) como autêntico modelo de convivência, a ser seguido pelos seus pares da América Latina.

Pois é esse mesmo Chile, que abrigou políticos de exponencial envergadura, dos quais o mais representativo foi, sem dúvida, o líder democrata-cristão Eduardo Frei, que deu a nota destoante do ano, em termos de normalidade institucional e respeito aos direitos humanos, em nosso continente.

Em 1985 vimos a democracia colher os maiores frutos em praticamente todos os lugares da nossa América do Sul. O Uruguai, ao empossar Júlio Maria Sanguinetti, pôs término a doze anos de exceção e de arbítrio. O Brasil viu nascer uma Nova República, em meio ao sacrifício pessoal (e à fatalidade que colheu o seu grande mentor) o homem da conciliação, Tancredo Neves. Raul Alfonsin sobrepujou inúmeros obstáculos que ameaçaram a estabilidade do regime civil argentino e despontou como o grande líder latino-americano do ano.

O Peru conheceu a primeira sucessão democrática no poder, após décadas de sobressaltos. O mesmo aconteceu na surpreendente Bolívia, que acabou superando suas contradições e imensas dificuldades econômicas e inicia 1986 com perspectivas muito mais animadoras para a sua sofrida população. A Colômbia viu frustar-se o bem intencionado projeto do presidente Belisário Betancur para reincorporar os rebeldes colombianos à vida nacional. Ainda assim, colheu frutos positivos, representados pelo progresso registrado na parte econômica. A Venezuela conservou uma longa tradição democrática e no aspecto institucional não teve qualquer sobressalto. O Equador equacionou sua dívida externa e já prevê, inclusive, um certo crescimento para 1986.

Como se vê, na América do Sul apenas dois países deram a nota destoante nos últimos 365 dias: o Paraguai, onde o presidente Alfredo Stroessner, embora não oficialmente, goza de vitaliciedade no poder (e já está propondo que seu filho o substitua, a exemplo do que fez Baby Doc, no Haiti, quando da morte de François Duvalier) e o Chile, do general Augusto Pinochet. O caso paraguaio é dado quase que como perdido pelas entidades preocupadas com o respeito aos direitos humanos. Como o país não possui tradições democráticas, não chegou a ser ventilado na imprensa internacional. Pelo menos não com grande freqüência.

Já o caso do Chile é muito diferente. Daí a preocupação com tudo o que ocorreu entre as suas fronteiras e com a luta de sua população pelo retorno à democracia. Toda a sua sociedade está empenhada em obter isso, através da via pacífica, embora uma minoria extremista tenha buscado o perigoso caminho da confrontação. Esse procedimento é nocivo para o processo, na medida em que justifica a continuidade do atual regime, em âmbito internacional, especialmente nos círculos mais conservadores dos Estados Unidos e da Europa.

A Igreja Católica, através de Dom Juan Fresno, assumiu o papel de mediadora entre as partes em conflito, embora o general Pinochet não queira nem ouvir falar em acordo nacional. O gosto do poder é muito bom para que este seja deixado facilmente.

A expectativa para 1986 é a de uma reversão nesse quadro sombrio que caracteriza o Chile de hoje. A pressão aumenta de todos os lados sobre o regime e em decorrência disso, espera-se a abertura de um diálogo franco e aberto entre todas as partes envolvidas. Os que se aboletaram no governo e impõem, a ferro e fogo, suas vontades, à revelia da população. E os que desejam que a sociedade, superando suas contradições e canalizando toda a energia gerada pelas controvérsias para a construção de uma grande pátria, assuma os seus próprios destinos.

(Artigo publicado na página 8, Internacional, do Correio Popular, em 1º de janeiro de 1986)


 Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk     

No comments: