Vozes
dissonantes
Pedro J. Bondaczuk
O Chile, pela sua importância econômica e política,
é um país que sempre gozou de enorme prestígio na comunidade latino-americana.
Por isso, tudo o que acontece ali, mesmo que o governo tente esconder da
opinião pública internacional, acaba repercutindo, e bastante, principalmente
quando se sabe que essa República andina já foi caracterizada (e num passado
não tão distante assim) como autêntico modelo de convivência, a ser seguido
pelos seus pares da América Latina.
Pois é esse mesmo Chile, que abrigou políticos de
exponencial envergadura, dos quais o mais representativo foi, sem dúvida, o
líder democrata-cristão Eduardo Frei, que deu a nota destoante do ano, em
termos de normalidade institucional e respeito aos direitos humanos, em nosso
continente.
Em 1985 vimos a democracia colher os maiores frutos
em praticamente todos os lugares da nossa América do Sul. O Uruguai, ao
empossar Júlio Maria Sanguinetti, pôs término a doze anos de exceção e de
arbítrio. O Brasil viu nascer uma Nova República, em meio ao sacrifício pessoal
(e à fatalidade que colheu o seu grande mentor) o homem da conciliação,
Tancredo Neves. Raul Alfonsin sobrepujou inúmeros obstáculos que ameaçaram a
estabilidade do regime civil argentino e despontou como o grande líder
latino-americano do ano.
O Peru conheceu a primeira sucessão democrática no
poder, após décadas de sobressaltos. O mesmo aconteceu na surpreendente
Bolívia, que acabou superando suas contradições e imensas dificuldades
econômicas e inicia 1986 com perspectivas muito mais animadoras para a sua
sofrida população. A Colômbia viu frustar-se o bem intencionado projeto do
presidente Belisário Betancur para reincorporar os rebeldes colombianos à vida
nacional. Ainda assim, colheu frutos positivos, representados pelo progresso
registrado na parte econômica. A Venezuela conservou uma longa tradição
democrática e no aspecto institucional não teve qualquer sobressalto. O Equador
equacionou sua dívida externa e já prevê, inclusive, um certo crescimento para
1986.
Como se vê, na América do Sul apenas dois países
deram a nota destoante nos últimos 365 dias: o Paraguai, onde o presidente
Alfredo Stroessner, embora não oficialmente, goza de vitaliciedade no poder (e
já está propondo que seu filho o substitua, a exemplo do que fez Baby Doc, no
Haiti, quando da morte de François Duvalier) e o Chile, do general Augusto
Pinochet. O caso paraguaio é dado quase que como perdido pelas entidades
preocupadas com o respeito aos direitos humanos. Como o país não possui
tradições democráticas, não chegou a ser ventilado na imprensa internacional.
Pelo menos não com grande freqüência.
Já o caso do Chile é muito diferente. Daí a
preocupação com tudo o que ocorreu entre as suas fronteiras e com a luta de sua
população pelo retorno à democracia. Toda a sua sociedade está empenhada em
obter isso, através da via pacífica, embora uma minoria extremista tenha
buscado o perigoso caminho da confrontação. Esse procedimento é nocivo para o
processo, na medida em que justifica a continuidade do atual regime, em âmbito
internacional, especialmente nos círculos mais conservadores dos Estados Unidos
e da Europa.
A Igreja Católica, através de Dom Juan Fresno,
assumiu o papel de mediadora entre as partes em conflito, embora o general
Pinochet não queira nem ouvir falar em acordo nacional. O gosto do poder é
muito bom para que este seja deixado facilmente.
A expectativa para 1986 é a de uma reversão nesse
quadro sombrio que caracteriza o Chile de hoje. A pressão aumenta de todos os lados
sobre o regime e em decorrência disso, espera-se a abertura de um diálogo
franco e aberto entre todas as partes envolvidas. Os que se aboletaram no
governo e impõem, a ferro e fogo, suas vontades, à revelia da população. E os
que desejam que a sociedade, superando suas contradições e canalizando toda a
energia gerada pelas controvérsias para a construção de uma grande pátria,
assuma os seus próprios destinos.
(Artigo publicado na página 8, Internacional, do
Correio Popular, em 1º de janeiro de 1986)
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