Preciosa oportunidade
perdida
Pedro
J. Bondaczuk
A melhor maneira de
colher uma informação teoricamente confiável, sobre determinado escritor e
sobre sua obra, é “bebê-la na fonte”. Ou seja, é conversar com quem conviveu
com ele, de preferência um parente próximo, e extrair o máximo do interlocutor,
caso se queira saber detalhes de sua vida. E também mergulhar de cabeça em seus
livros, atento aos mínimos detalhes, se o que se procura é algo referente ao
seu estilo, criatividade e forma de escrever. Todavia, há uns dois ou três
anos, não me lembro ao certo, perdi preciosa oportunidade de conhecer um pouco
mais da trajetória do ficcionista baiano Ariovaldo Matos, de quem já tratei,
com os escassos dados que disponho, nesta série de estudos sobre contistas e
romancistas da Bahia.
Pior, isso ocorreu por
falta de organização da minha parte – justo eu que sou considerado um sujeito
hiper-organizado, ao ponto das pessoas que convivem comigo afirmarem, em tom de
crítica, que incorro em exagero e que esse comportamento meu se caracteriza
como típica obsessão (injustiça, claro) – pelo menos no que diz respeito à
correspondência eletrônica que recebo e que envio. Aprendi a lição e corrigi
essa falha. Mas a perda de oportunidade provavelmente é irreparável. Explico
melhor. Tempos atrás, recebi um carinhoso e-mail de um parente próximo de
Ariovaldo Matos, não me recordo se filho ou neto, sensibilizado com o fato de
eu ter feito uma citação desse escritor em uma das crônicas que escrevi, e que
divulguei neste espaço, a propósito de amor.
Estava ali excelente
(provavelmente única) oportunidade de colher mais detalhes a propósito desse
personagem, sobre o qual, então, já tinha intenção de escrever um texto mais
detalhado e mais informativo. Bastaria responder a esse e-mail, fazendo o
correspondente pedido. Programei fazer isso, mas, assoberbado por compromissos,
não respondi a essa mensagem de imediato, como deveria fazer. Como recebo
(felizmente) copiosa correspondência eletrônica diária de todo o País,
periodicamente sou forçado a fazer uma “limpeza” na caixa postal. Separo os
e-mails que me interessam em uma pasta apropriada – os quais respondo, com
calma, um a um – e os que julgo dispensáveis (muitos o são), simplesmente
“deleto”.
Todavia, na pressa de
realizar essa tarefa, inadvertidamente, deletei a mensagem do parente de
Ariovaldo Matos. E quando quis entrar em contato com ele... cadê o tal
e-mail?!!! Procura daqui, procura dali, e nada! Desesperei-me. Mas o desespero
não leva a lugar algum e de fato não me levou. Pude constatar que o dito do
povão, de que “a pressa é inimiga da perfeição”, é mais do que mero e surrado
clichê. Estou certo de que, se não houvesse cometido essa bobagem, de deletar
aquele bendito e-mail, o estudo sobre este ficcionista baiano, entre os 23 que
integram a antologia “Histórias da Bahia” (Edições GDR, 1963), que tomei como
referência para a presente pesquisa, seria muito mais completo (e, sobretudo,
justo) com a memória desse excelente escritor. Tive que me resignar com dados
de segunda mão, que procurei, todavia. interpretar com a maior fidelidade
possível.
Aliás, do conto de
Ariovaldo Matos inscrito na tal antologia – “A doce lei dos homens” (extraído
do seu livro “A dura lei dos homens”) – grifei, além da citação que utilizei no
texto que mereceu elogios do seu parente, várias outras, pelo seu conteúdo
filosófico e, principalmente, pelo elevado teor humano. Tenho duas crônicas
agendadas tratando, exatamente, de duas delas, que espero redigir
oportunamente. Trata-se de questão de justiça. Porém, para que você, caríssimo
leitor, tenha pelo menos remota idéia da forma de escrever desse excelente
ficcionista, reproduzo, abaixo, os três trechos do seu citado conto que grifei
e a que me referi: .
“(...) A índole, como
fenômeno próprio de cada pessoa, é uma ficção, desde que se isole essa pessoa
do conjunto social (...)”.
“(...) Um homem
constrói toda a sua vida acreditando numa certeza, a ela se sacrificando,
mudando sentimentos profundos, sufocando desejos, justificando erros. E, de
repente, todo o mundo que construiu, no plano ideal, explode. A certeza era uma
farsa. Talvez um cínico, diante de tal problema, dissesse: ‘bem, amanhã é outro
dia’. Talvez um calculista frio, mestre na análise de sentimentos e imune a
paixões, pesasse, um a um, todos os aspectos do problema, considerasse suas causas
e suas conseqüências, permitindo-se uma autocrítica percucientíssima, no fim do
que se consideraria disposto a outra, repetindo Camões: ‘muda-se o ser,
mudam-se as substâncias (...)’”
“ (...) Belo é o mundo
do silêncio quando se ama. Os olhos libertam toda a sua riqueza de expressão,
as mãos valorizam ao máximo os seus movimentos, um simples gesto substitui todo
um poema. E depois, a calma invade tudo, o mundo desaparece – apenas ficam os
amantes, as águas, a noite, a natureza (...)”.
Como se vê, não foi por
acaso que Ariovaldo Matos foi considerado, até a época de sua morte, em 1988,
um dos melhores ficcionistas da Bahia, ao lado de “monstros sagrados” como
Jorge e James Amado, João Ubaldo Ribeiro, Jorge Medauar e tantos e tantos
outros consagrados escritores. Não é justo, portanto, que seja esquecido. E, se
depender de mim... certamente não o será.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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