Thursday, January 16, 2014

Preciosa oportunidade perdida

Pedro J. Bondaczuk

A melhor maneira de colher uma informação teoricamente confiável, sobre determinado escritor e sobre sua obra, é “bebê-la na fonte”. Ou seja, é conversar com quem conviveu com ele, de preferência um parente próximo, e extrair o máximo do interlocutor, caso se queira saber detalhes de sua vida. E também mergulhar de cabeça em seus livros, atento aos mínimos detalhes, se o que se procura é algo referente ao seu estilo, criatividade e forma de escrever. Todavia, há uns dois ou três anos, não me lembro ao certo, perdi preciosa oportunidade de conhecer um pouco mais da trajetória do ficcionista baiano Ariovaldo Matos, de quem já tratei, com os escassos dados que disponho, nesta série de estudos sobre contistas e romancistas da Bahia.

Pior, isso ocorreu por falta de organização da minha parte – justo eu que sou considerado um sujeito hiper-organizado, ao ponto das pessoas que convivem comigo afirmarem, em tom de crítica, que incorro em exagero e que esse comportamento meu se caracteriza como típica obsessão (injustiça, claro) – pelo menos no que diz respeito à correspondência eletrônica que recebo e que envio. Aprendi a lição e corrigi essa falha. Mas a perda de oportunidade provavelmente é irreparável. Explico melhor. Tempos atrás, recebi um carinhoso e-mail de um parente próximo de Ariovaldo Matos, não me recordo se filho ou neto, sensibilizado com o fato de eu ter feito uma citação desse escritor em uma das crônicas que escrevi, e que divulguei neste espaço, a propósito de amor.

Estava ali excelente (provavelmente única) oportunidade de colher mais detalhes a propósito desse personagem, sobre o qual, então, já tinha intenção de escrever um texto mais detalhado e mais informativo. Bastaria responder a esse e-mail, fazendo o correspondente pedido. Programei fazer isso, mas, assoberbado por compromissos, não respondi a essa mensagem de imediato, como deveria fazer. Como recebo (felizmente) copiosa correspondência eletrônica diária de todo o País, periodicamente sou forçado a fazer uma “limpeza” na caixa postal. Separo os e-mails que me interessam em uma pasta apropriada – os quais respondo, com calma, um a um – e os que julgo dispensáveis (muitos o são), simplesmente “deleto”.

Todavia, na pressa de realizar essa tarefa, inadvertidamente, deletei a mensagem do parente de Ariovaldo Matos. E quando quis entrar em contato com ele... cadê o tal e-mail?!!! Procura daqui, procura dali, e nada! Desesperei-me. Mas o desespero não leva a lugar algum e de fato não me levou. Pude constatar que o dito do povão, de que “a pressa é inimiga da perfeição”, é mais do que mero e surrado clichê. Estou certo de que, se não houvesse cometido essa bobagem, de deletar aquele bendito e-mail, o estudo sobre este ficcionista baiano, entre os 23 que integram a antologia “Histórias da Bahia” (Edições GDR, 1963), que tomei como referência para a presente pesquisa, seria muito mais completo (e, sobretudo, justo) com a memória desse excelente escritor. Tive que me resignar com dados de segunda mão, que procurei, todavia. interpretar com a maior fidelidade possível.

Aliás, do conto de Ariovaldo Matos inscrito na tal antologia – “A doce lei dos homens” (extraído do seu livro “A dura lei dos homens”) – grifei, além da citação que utilizei no texto que mereceu elogios do seu parente, várias outras, pelo seu conteúdo filosófico e, principalmente, pelo elevado teor humano. Tenho duas crônicas agendadas tratando, exatamente, de duas delas, que espero redigir oportunamente. Trata-se de questão de justiça. Porém, para que você, caríssimo leitor, tenha pelo menos remota idéia da forma de escrever desse excelente ficcionista, reproduzo, abaixo, os três trechos do seu citado conto que grifei e a que me referi:   .      

“(...) A índole, como fenômeno próprio de cada pessoa, é uma ficção, desde que se isole essa pessoa do conjunto social (...)”.

“(...) Um homem constrói toda a sua vida acreditando numa certeza, a ela se sacrificando, mudando sentimentos profundos, sufocando desejos, justificando erros. E, de repente, todo o mundo que construiu, no plano ideal, explode. A certeza era uma farsa. Talvez um cínico, diante de tal problema, dissesse: ‘bem, amanhã é outro dia’. Talvez um calculista frio, mestre na análise de sentimentos e imune a paixões, pesasse, um a um, todos os aspectos do problema, considerasse suas causas e suas conseqüências, permitindo-se uma autocrítica percucientíssima, no fim do que se consideraria disposto a outra, repetindo Camões: ‘muda-se o ser, mudam-se as substâncias (...)’”

“ (...) Belo é o mundo do silêncio quando se ama. Os olhos libertam toda a sua riqueza de expressão, as mãos valorizam ao máximo os seus movimentos, um simples gesto substitui todo um poema. E depois, a calma invade tudo, o mundo desaparece – apenas ficam os amantes, as águas, a noite, a natureza (...)”.

Como se vê, não foi por acaso que Ariovaldo Matos foi considerado, até a época de sua morte, em 1988, um dos melhores ficcionistas da Bahia, ao lado de “monstros sagrados” como Jorge e James Amado, João Ubaldo Ribeiro, Jorge Medauar e tantos e tantos outros consagrados escritores. Não é justo, portanto, que seja esquecido. E, se depender de mim... certamente não o será.

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