Original, pitoresco e,
talvez, único
Pedro
J. Bondaczuk
O nome é exótico,
original, possivelmente único. Para alguns, isso é uma vantagem, pois
facilitaria a memorização. Para outros, porém, esse é um aspecto que lhe é
desfavorável. Tanto que é conhecido em toda a Bahia e, principalmente, em
Salvador, como Mestre Didi. Refiro-me a um dos maiores ficcionistas baianos,
Dioscóredes Maximiliano dos Santos, cujo conto, “O garoto e o cachorro
encantado”, é o quinto, na ordem de publicação, na antologia “Histórias da
Bahia” (Edições GDR, 1963), que tomei por base para esta série de estudos sobre
a nata dos escritores de ficção desse Estado, que forneceu (e fornece) à
Literatura nacional tantos e tão bons artistas da palavra.
É possível que seu
nome, tão diferente e, sem dúvida, exótico, não seja o único. Eu não conheço
nenhum outro que se chame assim, mas... nunca se sabe. De uma coisa, porém, eu
tenho “quase” certeza (pois certos, de fato, absolutamente convictos, nunca
podemos estar, e a propósito de nada), que não há nenhum outro escritor chamado
Dioscóredes. Não, pelo menos, minimamente conhecido. Este, porém, não é o
aspecto mais relevante que cerca essa figura tão original. Há muitos e muitos
outros. Antes de entrar no assunto que nos interessa, ou seja, seu estilo
literário e sua temática, o que abordarei no seu devido tempo, é interessante
lembrar algumas coisas pitorescas e, no mínimo, inusuais, que cercam esse
original homem de letras baiano.
Destaque-se que se
trata de escritor negro. Bem, o leitor poderá argüir-me, com razão: “No que
isso tem de originalidade, quando se sabe que o Brasil produziu dezenas de
escritores negros, ou mulatos?”. E citará, certamente, nomes como Lima Barreto,
João Cruz e Souza, Machado de Assis e um punhado de outros mais. Todavia, há
que se reconhecer que isso é relativamente raro, em um país tão injusto e
preconceituoso, como é o Brasil e que conta, conforme censo do IBGE, com
população majoritariamente composta de descendentes de africanos, mesmo que
essa descendência seja remota. Ou será que estou inventando algo que não possa
ser facilmente comprovado? Claro que não!
Tido bem, Dioscóredes
não é o “único” (e em momento algum afirmei que era) escritor negro, nem do
País, e muito menos da Bahia. Mas é o único, pelo menos dos que conheço, que
tem como tema “exclusivo” a cultura, as artes e as tradições trazidas há alguns
séculos da África e assimiladas por todos os brasileiros, indiferentemente de
sua cor, sexo, raça, condição econômica ou situação social etc.etc.etc.
incorporando-se ao nosso comportamento cotidiano, à nossa forma de falar, de
comer, de pensar etc. e, sobretudo, à nossa maneira peculiar de ser. E isso em
ficção e não-ficção. Sua relativamente vasta obra, constituída de 14 livros, é
toda, rigorosamente toda voltada a essa temática. Não conheço nenhum outro
escritor que tenha feito o mesmo. Você conhece?
Querem outra
originalidade de Dioscoredes? É o único sacerdote de culto nagô que também é
escritor (e dos mais cultos e preparados). O Brasil e, sobretudo, a Bahia,
conta com dezenas, talvez centenas ou, quem sabe milhares, de pais e mães de
santo. Quantos deles, porém, se dedicam, simultaneamente, à Literatura? Eu não
conheço nenhum. Você conhece? Todos eles estão familiarizados e convivem com um
universo de magia e riqueza ancestral em que se revela “o saber do povo”, conforme
Jorge Amado observou. Porém, a transmissão que fazem de tudo isso, de uma
geração a outra, é feita de forma oral, com o risco de se perder muita coisa e
de outras tantas serem deturpadas. Afinal, como diz o povão, “quem conta um
conto, aumenta um ponto”. Dioscorodes, no entanto, faz isso por escrito. A
salvo, portanto, de ambigüidades e deturpações.
Quando Mestre Didi
escreve sobre aspectos desse culto e da cultura afro, em geral, o faz com
absoluto conhecimento de causa. E sequer citei o fato dele ser, também,
singular e original escultor, que ilustra o que escreve com esculturas
apropriadas, que ajudam a fixar sua escrita na mente de quem lê. Giovanna
Soalheiro Pinheiro, graduada em Letras pela Universidade Federal de Minas
Gerais, escreve o seguinte, a propósito de Dioscoredes Maximiliano dos Santos:
“Didi, nascido e criado na Bahia, é um dos maiores expoentes das tradições
negras em nosso país. É nítida a estética vinculada às suas heranças, como
ervas medicinais, búzios, contas e outros elementos sagrados formando um mundo
densamente mágico e poético. O autor é, na verdade, um ‘sacerdote-artista’,
senhor reinante na terra, cultor das fontes imemoriais e guardião dos mistérios
inerentes à ancestralidade do seu povo”.
Talvez a melhor
definição de Dioscoredes foi a dada por sua esposa, Juana Elbein dos Santos
(renomada antropóloga e companheira de todas as viagens ao exterior, aos países
da África, Europa e Américas, como destaca a enciclopédia eletrônica
Wikipédia), que escreveu: “Mestre Didi... exprime, através da criação estética,
uma arraigada intimidade com seu universo existencial, onde ancestralidade e
visão de mundo africanos se fundem com sua experiência de vida baiana.
Completamente integrado ao universo nagô de origem yorubana, revela em suas
obras uma inspiração mítica material. A linguagem nagô com a qual se expressa é
o discurso sobre a experiência do sagrado, que se manifesta por meio de uma
simbologia formal de caráter estético”.
Por último, cito outra
“originalidade” na vida de Deoscoredes (poderia mencionar dezenas de outras),
esta ligada à sua família. Sendo ele o porta-voz da cultura africana e tendo
por esposa uma antropóloga com os mesmos interesses, seria de se esperar que a
filha seguisse o mesmo caminho ou pelo menos correlato. Contudo... não segue.
Inaicyra Falcão dos Santos é cantora lírica! É graduada em dança pela
Universidade Federal da Bahia, embora, também, seja professora doutora e
pesquisadora das tradições africano-brasileiras, na educação e nas artes
performáticas no Departamento de Artes Corporais de uma das maiores
universidades do mundo, a tradicional e reputada Unicamp, aqui de Campinas.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondacazuk
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