Friday, January 24, 2014

Importância da cultura negra no Brasil

Pedro J. Bondaczuk

O Brasil é, de acordo com o que apurou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no censo de 2010, um país de população eminentemente negra. Vocês ficaram surpresos? Eu não! Mais da metade de todos os brasileiros tem descendência africana. Sempre foram! Porém, nos recenseamentos anteriores, muitos “escondiam” essa origem, em decorrência do preconceito que, desgraçada e estupidamente, ainda persiste em nossa sociedade, posto que bem mais atenuado do que há alguns anos. Oxalá ele venha a desaparecer de vez do nosso comportamento social. Tenho esperanças de que desaparecerá.

Todavia, no Censo de 2010, pela primeira vez, milhões de brasileiros, país afora, declararam, creio que com (justo) orgulho, serem negros. Por isso, é louvável, e até lógica, a Lei 10.649/2003, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileiras em nossas escolas. Sem ele, será impossível entendermos o que realmente somos e por que agimos dessa nossa maneira peculiar, que encanta e enche de inveja os estrangeiros, que tomam contato conosco pela primeira vez. Desconfio que, a esta altura, passados três anos do último censo, o Brasil já tenha ultrapassado a Nigéria e seja, portanto, o maior país negro do mundo. Se já não for, está muito próximo de ser.

Outra coisa que o IBGE apurou é que, em termos absolutos, o Estado da Federação que mais conta com habitantes afro-brasileiros é justamente o mais populoso do País: São Paulo. Todavia, em termos relativos, a Bahia lidera nesse quesito, e com sobras. Dos dez municípios com maior população negra, oito são baianos, a saber: Antonio Cardoso, São Gonçalo dos Campos, Conceição da Feira, Cachoeira, Salinas da Margarida, São Francisco do Conde, Santo Amaro e Ouriçangas. Claro que aqui prevalece o critério dos “termos relativos” e não os absolutos. E Salvador, em que pé estaria? Bem, a capital da Bahia, se não tem a maior população negra do Estado, ou do País, está muito próxima disso.

O leitor certamente está intrigado, tentando entender por que mudei de assunto, nestas reflexões diárias. Afinal, nos dias anteriores o tema referia-se aos ficcionistas baianos, tomando por referência para a série de estudos a tal propósito os escritores cujos contos constam da antologia “Histórias da Bahia” (Edições GDR, 1963). Ocorre que não mudei de tema. Aliás, muito pelo contrário. Sua abordagem recém está no começo. Este preâmbulo, um tanto extenso, se faz necessário para apresentar o quinto personagem deste informal levantamento literário. Na sequência, vocês irão entender.

Raciocinemos. Se a Bahia, em termos relativos, conta com o maior contingente de negros do País, seria inconcebível se, entre seus principais ficcionistas, nenhum se debruçasse sobre a cultura africana, sobre seus vários tipos, usos e costumes, incorporados não somente à vida baiana, mas, sobretudo, da brasileira. Quase todos os escritores já analisados, e os que ainda o serão, em algum momento de suas carreiras, em um, ou em vários textos, abordaram (uns com mais profundidade e outros mais superficialmente) esse aspecto cultural. Mas, certamente, nenhum deles superou e nem supera, nesse quesito, a Deoscóredes Maximiliano dos Santos.

Por que? Por vários motivos. O principal é que este escritor (que também é artista plástico) é negro. “Só por isso?”, perguntará, admirado, e talvez um tanto decepcionado, o leitor. Não! Por isso e por muito mais. Além dele ser afro-descendente, toda sua temática, sem exceção, quer em ficção, quer em não-ficção, é centrada na história, em lendas, em costumes, em tradições etc.etc.etc. de seus ancestrais. E mais ainda, é sacerdote de culto africano. É popularíssimo em toda a Bahia e, principalmente, em Salvador, onde é figura emblemática, mais conhecida como “Mestre Didi”.

A propósito de sua origem, de sua ascendência africana, a enciclopédia eletrônica Wikipédia traz interessantes e pitorescas informações. A mãe de Deoscóredes, por exemplo, Maria Bibiana do Espírito Santo, foi a célebre “Mãe Senhora” de um dos mais famosos terreiros da capital baiana. Descendia de tradicional família Asipa, de Oyo e Ketu, “importantes cidades do império Yoruba”. E tem mais. Sua trisavó, senhora Marcelina da Silva, Oba Tossi, conforme destaca a Wikipédia, “foi uma das fundadoras da primeira casa de tradição nagô de candomblé da Bahia, o Ilê Ase Aira Intile, depois Ilê Yia Nassô”. Como se vê, Deoscóredes tem raízes, e profundas, tanto na África, quanto neste Brasil negro. Ninguém, portanto, está mais habilitado para tratar de lendas, costumes, tradições etc.etc.etc. de origem africana, como o fez e faz com perícia e conhecimento de causa, tanto em ficção, quanto em não-ficção.

Tratar de um personagem, tão rico e tão pitoresco, em um único texto, por maior que fosse a capacidade de síntese deste modesto “escrevinhador”, seria arruinar um bom tema e mutilar o entendimento do leitor. Para agir assim, melhor seria nem trazer esse escritor à baila. Por isso, essa figura será objeto de comentários e de observações, neste espaço, nesta série de estudos a propósito de alguns dos principais ficcionistas baianos (não de todos, óbvio, porquanto a Bahia não produziu somente 23 romancistas, contistas ou novelistas extraordinários, de talento inquestionável) nos próximos dias. É um assunto complexo, é verdade, mas que, justamente por sua complexidade me atrai e me desafia.


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