Wednesday, January 22, 2014

Escritor de intensa atividade acadêmica

Pedro J. Bondaczuk

A carreira de David Salles não se restringiu, apenas, à Literatura, embora este seja o meu enfoque nesta série de estudos sobre ficcionistas baianos, tomando por referência a antologia de contos “Histórias da Bahia” (Edições GDR, 1963). Tem que ser, obrigatoriamente, pelo menos mencionada sua intensa atuação universitária, quer como pesquisador, quer como mestre de toda uma geração (privilegiada) de estudantes. Suas teses de mestrado e doutorado, por exemplo, são obras-primas de precisão. Esse intelectual foi um apaixonado não apenas pela arte, notadamente a literária, mas pela cultura em sentido amplo e, em última análise, pela vida, justo ele que viveu tão pouco, pois morreu prematuramente, em 17 de agosto de 1986, vitimado pela leucemia.

Além dos vários cursos que fez no País, David Salles teve importantes passagens em centros universitários do Exterior. Por exemplo, nos anos de 1963 (quando da publicação da antologia que tomei por referência para esta série de estudos) e 1964, freqüentou cursos de pós-graduação em Letras nas universidades Georgetown University, em Nova York, e em Madri, na Espanha. Anos mais tarde, voltou a viajar, como ocorreu em 1981 e 1982, desta vez para lecionar, como professor convidado, na Georgetown University de Washington. E em 2 de janeiro de 1985 (pouco mais de um ano antes da sua morte), embarcou para Portugal, passando por Lisboa, Coimbra e Porto, agora para concluir a pesquisa, que lhe consumiu vários anos, e que viria a resultar na magnífica tese acadêmica que é “A ficção na Bahia no século XIX”.

Sei que já me estendi muito na apresentação de David Salles, levando em conta que ainda tenho a apresentar mais 19 ficcionistas baianos. Mas há tanta coisa a ser relatada a seu respeito que me sinto tentado a me estender muito mais, quase que indefinidamente, sobre seu perfil. Fico imaginando como uma pessoa que viveu tão pouco (48 anos) conseguiu fazer tanto, em diversas atividades, e tudo com capricho, organização, competência e aplicação! E por que David Salles precisou ir para Portugal, para pesquisar sobre ficcionistas do seu Estado? Seria por preciosismo? Longe disso! Ocorre que um incêndio destruiu a Biblioteca Pública da Bahia, justo a que possuía as informações de que precisava. E o único lugar em que poderia encontrar esses dados eram algumas instituições portuguesas. Mais especificamente, eram bibliotecas de Lisboa, de Coimbra e do Porto.

Qualquer outro pesquisador, no seu lugar, desistiria de escrever a obra que tinha em mente, por falta de referências. A providência tomada por David Salles, de fazer um esforço sobreumano para obter as informações que queria, tão longe do seu meio e já gravemente doente, dá a exata conta da sua paixão pela literatura e pela pesquisa. Parte expressiva da obra que legou à posteridade foi destinada originalmente a atender exigências universitárias. Foi o caso, por exemplo, da tese que apresentou ao Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, em 1974, que seria publicada três anos depois, cujo destino original era o concurso de professor assistente do Departamento de Vernáculas, intitulada “O ficcionista Xavier Marques: um estudo da ‘transição’ ornamental”.  É um primor de trabalho, impecável por qualquer aspecto que seja encarado, fonte fidedigna a eventual pesquisador que se proponha a tratar do escritor que David Salles tão bem enfocou.

Outra peça acadêmica primorosa, essa, infelizmente, inédita, é sua tese de doutorado, intitulada “Romance e regionalismo na saga do cacau”. Ela foi concluída em 1982, e defendida um ano depois, em 4 de abril de 1983, na Universidade de São Paulo. E pensar que com tudo isso, incluindo a docência, que não é coisa para amadores e que exige muito do docente, esse intelectual aplicado ainda encontrava tempo e disposição para escrever contos (e que contos!) e artigos e mais artigos para jornais!!! E não apenas da Bahia, o que já seria uma sobrecarga de atividades considerável. David Salles era presença constante, por exemplo, no tradicional “O Estado de São Paulo” e no “Minas Gerais Suplemento Literário”.

Aliás, 35 desses textos, publicados na imprensa paulista, mineira e baiana, foram reunidos, em 1982, em um livro, intitulado “Crítica de rodapé”. Sabem o que aconteceu? Essa obra permaneceu (e permanece) inédita e consta apenas do acervo pessoal do escritor!!! Não consigo entender os critérios de seleção de nossas editoras (salvo exceções, claro). Publicam tanta “abobrinha”, que não serve de nada para ninguém, e deixam inéditas obras de primeiríssima linha, que beneficiariam milhares de estudiosos de Literatura.


Espero que após este meu incompleto e absolutamente caótico estudo a propósito de David Salles, outros pesquisadores, de fora da Bahia, não encontrem as mesmas dificuldades que encontrei para obter informações a seu respeito, como se fosse algum mero e obscuro “escrevinhador” o que, evidentemente, não foi. Que mais dados, o máximo possível deles, sejam disponibilizados, principalmente na internet, para que se faça justiça a um batalhador incansável pela arte e cultura do seu Estado e do seu País. Cabe-me ressaltar, ao cabo destas considerações, que a imensa maioria das informações que colhi a propósito deste maiúsculo personagem devo à competência e à perícia de Itana Nogueira Nunes, em sua louvável (e invejável) tese de doutorado em Linguística na Universidade Federal da Bahia. Sem ela, não me seria possível escrever sequer uma linha do meu tacanho, posto que bem-intencionado, estudo sobre David Salles

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk.

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