Questão de sobrevivência
Pedro J. Bondaczuk
A depredação do meio ambiente, em várias partes do
mundo, todos os dias, de várias maneiras, há alguns séculos (em especial
neste), atingiu tamanhas proporções, que a questão não pode mais ser encarada
como até aqui: como um "braço-de-ferro" político onde a ideologia é
que conta e prevalece sobre a ação.
Há, principalmente em relação à Amazônia, duas teses
conflitantes em debate. A primeira, defendida por organizações do Primeiro
Mundo, é a que propõe a internacionalização da região, obviamente por razões
pouco nobres. Afinal, esses mesmos países proponentes pulverizaram suas
próprias reservas naturais, poluíram seu ar e sua água e não são, portanto,
nenhum paradigma de preservacionismo.
A segunda tese diz respeito à exploração racional e
metódica dos recursos da maior floresta tropical do mundo, de formas a
proporcionar vantagens para o País e, em especial, para o habitante amazônico.
E sobretudo sem que estes se esgotem, mas possam ser renovados constantemente.
Defendem como lícito o acesso aos benefícios econômicos que um patrimônio desse
porte tende a conferir a seus detentores.
Enquanto as duas correntes se digladiam --- mas
apenas com argumentos ideológicos, incompatíveis quando se trata de meio
ambiente --- a maior floresta tropical do Planeta, com uma quantidade de
espécies vegetais e animais tão grande que sequer foi totalmente catalogada
pelos cientistas, corre o risco de se extinguir antes mesmo que esse
levantamento seja completado. E, o que é pior, sem trazer nenhum benefício para
o morador local.
O Fundo Mundial para a Natureza alertou,
recentemente, que as três madeireiras asiáticas responsáveis pela devastação da
maior parte das reservas florestais na Malásia, China e Birmânia, acabam de se
instalar na Amazônia, através da compra de empresas da região ou da fusão com
elas.
O jornal "Folha de S. Paulo", na edição de
16 de setembro passado, em reportagem assinada por André Muggiati e Abnor
Gondim, informa que a malaia WTK comprou a Amaplac, do Amazonas, por US$ 7
milhões. A essa gigante do ramo de madeira juntou-se a não menos poderosa
Tianjin Fortune Timber da China, que adquiriu a Compensa.
O terceiro grande conglomerado madeireiro, o grupo
também malaio Samling Strategic Corporation, já teria transferido para a
Amazônia US$ 320 milhões, só de janeiro a junho, e agora negocia a compra da
Amacol do Pará.
Como se observa, não contentes em devastar as
florestas tropicais de seus respectivos países (além dos africanos, como a
Nigéria, Gana e Costa do Marfim) investem agora na maior reserva do mundo, que
alguns julgam inesgotável (mas certamente não é).
Este é o exemplo da exploração predatória que se
condena. Mais destrói do que aproveita. Pouquíssimos se beneficiam. Os estragos
são muito maiores do que os benefícios. As madeireiras --- havia 377 delas
instaladas na Amazônia no início do ano, controlando 1,6 milhão de hectares ---
abatem árvores de todos os tipos e portes, sem qualquer preocupação com a
reposição, com o reflorestamento, com a necessidade de manutenção do
ecossistema e do equilíbrio biológico.
São milhões de unidades mensais extirpadas, enviadas
para os ávidos consumidores asiáticos, sem que o Brasil tenha qualquer espécie
de vantagem. O Fundo Mundial para a Natureza responsabiliza essas mesmas
empresas que estão se instalando na Amazônia de haverem devastado as florestas
tropicais de seus países. Quem precisa desse tipo de parceiro?
As malaias WTK e Samling, por exemplo, arrasaram com
mais de 15 milhões de hectares de árvores de madeira de lei na região de
Sarawak, transformada em um quase deserto. Quanto tempo vão levar para
desertificar a Amazônia? Dez anos? Vinte? Cinqüenta? Não importa. O fato é que
um dia chegarão lá se não forem impedidas.
A indústria madeireira hoje sofisticou-se, tendo em
vista o máximo de aproveitamento com o mínimo de custos. Adota alta tecnologia,
que permite o abate de alguns milhares de árvores em poucas horas, com o mínimo
de mão de obra.
Utiliza não mais a força humana nas derrubadas, mas
imensos tratores articulados e modernos helicópteros. Essas m quinas não
são, evidentemente, seletivas. Arbustos e cipós, por exemplo --- muitos com
propriedades medicinais inquestionáveis e comprovadas --- são arrancados e
simplesmente queimados. Não produzem madeira de lei, que é o que lhes
interessa, por isso são destruídos. E um imenso e precioso patrimônio natural é
irreversivelmente perdido.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
acaba de lançar um livro, ainda não traduzido para o português, intitulado
"Taking action: an environmental guide for you and your comunity", em
que adverte que a qualidade de vida na Terra continua se deteriorando dia a
dia, apesar de todos os esforços de alguns governos e de organizações
preservacionistas, por causa de ações como estas das madeireiras asiáticas.
Assinala que a deterioração atinge tanto o ar que
respiramos (essencial para a sobrevivência humana), quanto a água que bebemos
(outra substância vital). Isto sem falar da transformação de rios, lagos, mares
e oceanos em imensas lixeiras. E de florestas em cinzas...
A obra em questão destaca que cresce a consciência
preservacionista global, o que não deixa de ser uma boa notícia. Existem,
atualmente, 25 mil organizações lutando em defesa do meio ambiente só nos
países em desenvolvimento, além de outras 4.600 nos Estados ricos (a maioria
responsável direta pela devastação da natureza que se verificou em especial
neste século).
Algumas questões, no entanto, se impõem. Somente uma
preocupação "intelectual" com a preservação do meio ambiente,
desacompanhada de atitudes práticas e inteligentes, são suficientes para deter
a ruína do Planeta? Esse ativismo não estaria chegando tarde demais? É possível
regenerar tudo o que já se deteriorou, mesmo a longo prazo? Quem tem as respostas
para estas questões?
O mencionado livro cita alguns exemplos da
deterioração da qualidade de vida na Terra. Diz que entre 5% e 20% de alguns
grupos de espécies de plantas ou animais estão em extinção por culpa do homem.
Cerca de 80 países, abrangendo 40% da população mundial, já enfrentam problemas
de escassez de água limpa. O ar é ruim em 54 cidades monitoradas pelo Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
Como se observa, a determinação de se cuidar da
natureza já não pode mais se limitar ao mero debate acadêmico. A luz vermelha
de alerta está acesa, indicando que o responsável pela extinção de tantas
espécies animais e vegetais (o homem) está, ele mesmo, correndo o risco de se
extinguir.
O ambientalista José Lutzenberger fez uma declaração,
em entrevista à revista "Corpo a Corpo" na edição de novembro de
1988, que é mais pertinente e atual do que nunca, sobre esse perigo que paira
sobre a humanidade.
Afirmou: "A crença dominante é a de que
precisamos apenas fixar uma série de normas técnicas, controlando a poluição
aqui ou tornando a agricultura mais saudável ali, e todos os nossos problemas
estarão resolvidos. Mas não é só isso. Temos que mudar nossa filosofia ou
acabaremos pondo fim à vida no Planeta". Pelo exposto, estamos a caminho
disto. Talvez sem reversão...
(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio
Popular, em 4 de outubro de 1997)
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