Régio presente
Pedro
J. Bondaczuk
O presente que mais
gosto de ganhar é livro. Aliás, o correto é utilizar o plural. Não me satisfaço
com apenas um, embora seja, claro, melhor do que nenhum. Gosto de ganhar
muitos, dezenas, centenas, milhares, uma biblioteca inteira, quantidade
infinita se possível. Esclareço que qualquer presente, sobretudo se for dado de
bom gosto, espontaneamente, sem que aquele que me presenteia se sinta obrigado
a tal, é, sempre foi e sempre será muito bem vindo. Afinal, como diz o tão
surrado clichê: “de cavalo dado, não se olha os dentes”.
Todavia, quando alguém
me consulta, sutilmente, como quem não quer nada, sobre o que quero ganhar em determinada
data festiva (meu aniversário, Dia dos Pais, Natal ou Ano Novo) a resposta é
invariável e até óbvia: livros. Aliás, quem é meu amigo de longa data, quem me
conhece razoavelmente bem e quem convive comigo, nem mesmo pergunta. Sabe de
antemão o que desejo. Presumo que metade, ou mais, da minha volumosa (e
caótica) biblioteca foi formada assim. Ou seja, com presentes. Conto
multiplicá-la, se possível dobrar seu acervo, presenteado pelos que gostam de
mim. Não custa sonhar.
Ganhei muitos livros no
ano que passou, notadamente no meu aniversário e no Dia dos Pais.
Estranhamente, no entanto, não ganhei nenhum no Natal e no Ano Novo. Aliás,
pouquíssimas pessoas me presentearam nessas datas com o que quer que fosse. E
nenhuma, lógico, com livros. Deve haver algum motivo de “força maior” para que
isso tenha ocorrido. Não creio que quem gosta de mim tenha diminuído sua
estima. Não, não pode ser. Até porque, pelo que me lembro, não briguei com
ninguém e não dei nenhum motivo de mágoa aos que, de alguma forma, se
relacionam comigo.
Gosto de todos os
gêneros literários, embora seja presenteado, na maioria dos casos, com
romances. Se pudesse escolher, todavia, escolheria livros de poesias em
primeiro lugar, vindo a seguir, quase que empatados, os de ensaios, que me
induzam à reflexão. Gosto de “exercitar” o cérebro, nesta “academia”
intelectual, que não abro mão de freqüentar todos os dias do ano, que é a minha
biblioteca. É aí que “malho” o quanto posso para manter não o corpo, mas a
mente “sarada”.
Se não ganhei livro
algum nas festas de fim de ano, recebi um régio presente – que, como a própria
palavra define, é “digno de reis” – tão precioso quanto. Trata-se de um poema,
porém inédito, fresquinho, ainda cheirando a tinta, composto por uma poetisa a
que admiro pelo talento e sensibilidade e que, de lambuja, estimo por razões
mais profundas e estritamente pessoais. Trata-se de Quinita Ribeiro Sampaio,
irmã do saudoso e inesquecível poeta Mauro Sampaio, que tive o privilégio de
contar como amigo por anos a fio. E que amigo! Foi desses de quem jamais
esquecemos, mesmo que tenhamos súbito surto de amnésia e nos esqueçamos de tudo
e de todos no mundo. Este foi inesquecível e o leitor que me honra com sua
assiduidade já notou isso.
Aliás, toda sua
família, de poetas e simultaneamente professores, me é cara, embora eu tenha
convivido, pessoalmente, apenas com o Mauro. Mas tenho em minha biblioteca
vários livros do patriarca desse clã, Benedito Sampaio; do fundador da Academia
Campinense de Letras, Francisco Ribeiro Sampaio e de Quinita. Esta é a
sobrevivente (para a minha alegria, sem dúvida) da primeira geração dessa
notável, querida e talentosa família. E nem precisava dizer que tenho livros do
Mauro, claro, de quem, aliás, possuo toda a preciosa e relativamente vasta
obra, que “degusto” o tempo todo.
O poema que ganhei, e
que faço questão de partilhar com os leitores, pela sensibilidade e qualidade
literária, é este:
Retrato
“Fui
íntima um dia
mas
como me distanciei
da
menina do retrato.
Já
habitei sua pele
mas
dela nada mais sei
não
conheço
a
menina do retrato.
Como
seria a sua voz
e
o som do riso
e
o seu choro?
Em
vão busco em seu olhar
um
vestígio, algum resto.
Um
mistério opaco encerra
a
menina no retrato.
Em
que dia se rompeu
o
elo que nos prendia?
Em
que dia ela morreu?”
Que bem que a poesia
nos faz! Como é bom saber que Quinita existe, gosta de mim, e me brinda,
amiúde, com maravilhas como esta (no ano retrasado, fui brindado, por ela, com
o livro Aprendizado pelo avesso” que,
claro, recomendo a todas as pessoas sensíveis e de bom gosto). Como se
contentar com outros presentes, mesmo que mais caros e sofisticados, que não
sejam livros?!!! É algo que sequer concebo.
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