Friday, January 03, 2014

Régio presente

Pedro J. Bondaczuk

O presente que mais gosto de ganhar é livro. Aliás, o correto é utilizar o plural. Não me satisfaço com apenas um, embora seja, claro, melhor do que nenhum. Gosto de ganhar muitos, dezenas, centenas, milhares, uma biblioteca inteira, quantidade infinita se possível. Esclareço que qualquer presente, sobretudo se for dado de bom gosto, espontaneamente, sem que aquele que me presenteia se sinta obrigado a tal, é, sempre foi e sempre será muito bem vindo. Afinal, como diz o tão surrado clichê: “de cavalo dado, não se olha os dentes”.

Todavia, quando alguém me consulta, sutilmente, como quem não quer nada, sobre o que quero ganhar em determinada data festiva (meu aniversário, Dia dos Pais, Natal ou Ano Novo) a resposta é invariável e até óbvia: livros. Aliás, quem é meu amigo de longa data, quem me conhece razoavelmente bem e quem convive comigo, nem mesmo pergunta. Sabe de antemão o que desejo. Presumo que metade, ou mais, da minha volumosa (e caótica) biblioteca foi formada assim. Ou seja, com presentes. Conto multiplicá-la, se possível dobrar seu acervo, presenteado pelos que gostam de mim. Não custa sonhar.

Ganhei muitos livros no ano que passou, notadamente no meu aniversário e no Dia dos Pais. Estranhamente, no entanto, não ganhei nenhum no Natal e no Ano Novo. Aliás, pouquíssimas pessoas me presentearam nessas datas com o que quer que fosse. E nenhuma, lógico, com livros. Deve haver algum motivo de “força maior” para que isso tenha ocorrido. Não creio que quem gosta de mim tenha diminuído sua estima. Não, não pode ser. Até porque, pelo que me lembro, não briguei com ninguém e não dei nenhum motivo de mágoa aos que, de alguma forma, se relacionam comigo.

Gosto de todos os gêneros literários, embora seja presenteado, na maioria dos casos, com romances. Se pudesse escolher, todavia, escolheria livros de poesias em primeiro lugar, vindo a seguir, quase que empatados, os de ensaios, que me induzam à reflexão. Gosto de “exercitar” o cérebro, nesta “academia” intelectual, que não abro mão de freqüentar todos os dias do ano, que é a minha biblioteca. É aí que “malho” o quanto posso para manter não o corpo, mas a mente “sarada”.

Se não ganhei livro algum nas festas de fim de ano, recebi um régio presente – que, como a própria palavra define, é “digno de reis” – tão precioso quanto. Trata-se de um poema, porém inédito, fresquinho, ainda cheirando a tinta, composto por uma poetisa a que admiro pelo talento e sensibilidade e que, de lambuja, estimo por razões mais profundas e estritamente pessoais. Trata-se de Quinita Ribeiro Sampaio, irmã do saudoso e inesquecível poeta Mauro Sampaio, que tive o privilégio de contar como amigo por anos a fio. E que amigo! Foi desses de quem jamais esquecemos, mesmo que tenhamos súbito surto de amnésia e nos esqueçamos de tudo e de todos no mundo. Este foi inesquecível e o leitor que me honra com sua assiduidade já notou isso.

Aliás, toda sua família, de poetas e simultaneamente professores, me é cara, embora eu tenha convivido, pessoalmente, apenas com o Mauro. Mas tenho em minha biblioteca vários livros do patriarca desse clã, Benedito Sampaio; do fundador da Academia Campinense de Letras, Francisco Ribeiro Sampaio e de Quinita. Esta é a sobrevivente (para a minha alegria, sem dúvida) da primeira geração dessa notável, querida e talentosa família. E nem precisava dizer que tenho livros do Mauro, claro, de quem, aliás, possuo toda a preciosa e relativamente vasta obra, que “degusto” o tempo todo.      

O poema que ganhei, e que faço questão de partilhar com os leitores, pela sensibilidade e qualidade literária, é este: 

Retrato

“Fui íntima um dia
mas como me distanciei
da menina do retrato.

Já habitei sua pele
mas dela nada mais sei
não conheço
a menina do retrato.

Como seria a sua voz
e o som  do riso
e o seu choro?

Em vão busco em seu olhar
um vestígio, algum resto.

Um mistério opaco encerra
a menina no retrato.

Em que dia se rompeu
o elo que nos prendia?

Em que dia ela morreu?”

Que bem que a poesia nos faz! Como é bom saber que Quinita existe, gosta de mim, e me brinda, amiúde, com maravilhas como esta (no ano retrasado, fui brindado, por ela, com o livro  Aprendizado pelo avesso” que, claro, recomendo a todas as pessoas sensíveis e de bom gosto). Como se contentar com outros presentes, mesmo que mais caros e sofisticados, que não sejam livros?!!! É algo que sequer concebo.


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