Violência
e confrontos
Pedro J. Bondaczuk
Os apelos pela paz, feitos, anteontem, em Assis,
pelo papa João Paulo II e por 100 líderes religiosos, representando 11 crenças
com o maior número de fiéis do mundo, por mais sensatos e bem-intencionados que
tenham sido, caíram, certamente, em ouvidos moucos.
A própria trégua de 24 horas, proposta pelo
Pontífice, nos países onde há conflitos armados, não foi levada muito a sério.
Alguns governos e grupos guerrilheiros, com o objetivo de ganharem espaço nos
noticiários, apressaram-se a aderir ao convite. No entanto, conforme se soube
ontem, praticamente ninguém respeitou esse cessar-fogo.
O panorama que se desenha para os próximos tempos
não é nada animador. Na África, por exemplo, a morte do presidente moçambicano,
Samora Machel, tende a acirrar os ânimos dos países de população negra,
especialmente daqueles denominados como de “Linha de Frente” contra o regime
racista de Pretória.
As acusações contra a África do Sul, de sua
implicação direta na queda do avião em que viajava o dirigente de Moçambique,
estão se avolumando. Os ânimos, à medida em que os demagogos atuam, no sentido
de insuflar as populações, vão se exaltando. E tudo leva a crer que, mais dia,
menos dia, a região austral desse continente, marcado por tantas carências e
tragédias, corre o risco de presenciar um indesejado e dantesco banho de
sangue.
Ontem, o primeiro-ministro do Zimbabwe, Robert
Mugabe, colocou mais uma lenha nessa perigosa fogueira, ao denunciar um complô
para assassina-lo, que teria sido engendrado por Pretória. Esse tipo de
acusação, se não estiver bem fundamentado em provas, não traz qualquer proveito
para ninguém. Consegue, somente, exaltar ainda mais os ânimos, que já não andam
dos mais serenos na África. E se houver qualquer comprovação, existem órgãos
apropriados, em nível internacional, para colocarem a questão a limpo.
Mas não é somente no continente africano que a
tendência belicista se manifesta com agudeza. Na América Central, a ajuda
norte-americana aos anti-sandinistas vai provocar, nos próximos meses, uma
quantidade maior de ataques às populações rurais da Nicarágua.
No Oriente Médio, enquanto os palestinos procuram
sua revanche com Israel, pelos revezes sofridos em 1982 no Líbano, os novos
dirigentes israelenses preparam-se para retrucar com a máxima dureza. Outros
conflitos (são tantos no mundo todo), se não têm tendência para o agravamento,
não manifestam, também, nenhum sinal de que estejam próximos de amainar.
A paz, portanto, continua sendo mera ficção, simples
idealização de pessoas de boa vontade, que não se cansam de alertar os povos
sobre qual as opções que estes têm para ela. A advertência do Papa, anteontem,
em Assis, de que a escolha da humanidade está entre a concórdia e a “guerra
catastrófica”, não foi mera figura de retórica.
Só não percebe essa verdade quem está obcecado
demais pelas picuinhas do dia-a-dia para enxergar qualquer coisa. A mais crua
das realidades foi expressada por João Paulo II: “Ou aprendemos a caminhar
juntos, pacificamente e em harmonia, ou nos afastamos e nos arruinamos, a nós e
aos demais”. Ainda há tempo para se fazer alguma coisa, mas é indispensável que
essa ação comece já.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do
Correio Popular, em 29 de outubro de 1986)
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