Thursday, January 09, 2014

Violência e confrontos


Pedro J. Bondaczuk

Os apelos pela paz, feitos, anteontem, em Assis, pelo papa João Paulo II e por 100 líderes religiosos, representando 11 crenças com o maior número de fiéis do mundo, por mais sensatos e bem-intencionados que tenham sido, caíram, certamente, em ouvidos moucos.

A própria trégua de 24 horas, proposta pelo Pontífice, nos países onde há conflitos armados, não foi levada muito a sério. Alguns governos e grupos guerrilheiros, com o objetivo de ganharem espaço nos noticiários, apressaram-se a aderir ao convite. No entanto, conforme se soube ontem, praticamente ninguém respeitou esse cessar-fogo.

O panorama que se desenha para os próximos tempos não é nada animador. Na África, por exemplo, a morte do presidente moçambicano, Samora Machel, tende a acirrar os ânimos dos países de população negra, especialmente daqueles denominados como de “Linha de Frente” contra o regime racista de Pretória.

As acusações contra a África do Sul, de sua implicação direta na queda do avião em que viajava o dirigente de Moçambique, estão se avolumando. Os ânimos, à medida em que os demagogos atuam, no sentido de insuflar as populações, vão se exaltando. E tudo leva a crer que, mais dia, menos dia, a região austral desse continente, marcado por tantas carências e tragédias, corre o risco de presenciar um indesejado e dantesco banho de sangue.

Ontem, o primeiro-ministro do Zimbabwe, Robert Mugabe, colocou mais uma lenha nessa perigosa fogueira, ao denunciar um complô para assassina-lo, que teria sido engendrado por Pretória. Esse tipo de acusação, se não estiver bem fundamentado em provas, não traz qualquer proveito para ninguém. Consegue, somente, exaltar ainda mais os ânimos, que já não andam dos mais serenos na África. E se houver qualquer comprovação, existem órgãos apropriados, em nível internacional, para colocarem a questão a limpo.

Mas não é somente no continente africano que a tendência belicista se manifesta com agudeza. Na América Central, a ajuda norte-americana aos anti-sandinistas vai provocar, nos próximos meses, uma quantidade maior de ataques às populações rurais da Nicarágua.

No Oriente Médio, enquanto os palestinos procuram sua revanche com Israel, pelos revezes sofridos em 1982 no Líbano, os novos dirigentes israelenses preparam-se para retrucar com a máxima dureza. Outros conflitos (são tantos no mundo todo), se não têm tendência para o agravamento, não manifestam, também, nenhum sinal de que estejam próximos de amainar.

A paz, portanto, continua sendo mera ficção, simples idealização de pessoas de boa vontade, que não se cansam de alertar os povos sobre qual as opções que estes têm para ela. A advertência do Papa, anteontem, em Assis, de que a escolha da humanidade está entre a concórdia e a “guerra catastrófica”, não foi mera figura de retórica.

Só não percebe essa verdade quem está obcecado demais pelas picuinhas do dia-a-dia para enxergar qualquer coisa. A mais crua das realidades foi expressada por João Paulo II: “Ou aprendemos a caminhar juntos, pacificamente e em harmonia, ou nos afastamos e nos arruinamos, a nós e aos demais”. Ainda há tempo para se fazer alguma coisa, mas é indispensável que essa ação comece já.   

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 29 de outubro de 1986)


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