Jornal que honra o nome
A União Soviética, com as
incríveis transformações de comportamento que está experimentando sob a batuta
de Mikhail Gorbachev, vem se constituindo, de uns três anos para cá, numa
inesgotável fonte de notícias. Não que antes não o fosse, mas até o início da
“glasnost” era difícil de se saber o que era verdade procedente dali.
Sua
imprensa e sua agência oficial davam a entender que a superpotência marxista
era um verdadeiro “paraíso terrestre”. Quando o Ocidente falava em protestos de
dissidentes, imediatamente a Tass dava a entender que se tratava de algum
“bandido”, de algum marginal que estava promovendo desordens. E o governo
cuidava logo de sumir com ele.
O
que o “Pravda”, o órgão oficial do Partido Comunista, publicava, soava como
dogma. Estava a salvo de reparos. Seus jornalistas agiam como se fossem sempre
os donos da verdade. Nunca erravam. Pelo menos eles pareciam achar isso.
Ontem,
finalmente, esse jornal adquiriu pelo menos um pouco de credibilidade no
Ocidente. Teve a humildade de admitir que cometeu um erro ao reproduzir um
artigo do diário “La
Reppublica ”, acerca da passagem do parlamentar oposicionista
Bóris Yeltsin pelos Estados Unidos.
Na
matéria, o deputado mais votado da União Soviética nas eleições de 26 de março
passado, foi acusado de ter dado autêntico vexame em seu giro por várias
cidades norte-americanas. Foi retratado como um bêbado, de cabeça oca, cheio de
opiniões vazias e contraditórias. O artigo classifica essa personalidade como um
verdadeiro “atleta etílico”. Ou seja, um emérito “levantador de copos”.
É
claro que Yeltsin protestou. Afinal, era a sua reputação que estava em jogo. Fosse em outros
tempos, seu protesto não seria levado em conta. Quando muito,
mereceria (se merecesse) uma menção num pé de página qualquer, ou talvez na
seção de cartas do leitor, talvez acompanhada de um comentário irônico.
Aliás,
se não estivesse em andamento a “glasnost”, ele nem teria ido aos Estados
Unidos. Mais do que isso, nem seria membro do Congresso de Deputados do Povo.
Certamente estaria internado num dos tantos “gulags” (campos de trabalhos
forçados) que abundavam na União Soviética, quando não num sanatório para
doentes mentais, dopado para não demonstrar nenhuma sanidade.
Mas
os tempos, ao que tudo indica, mudaram e para melhor. Um cidadão pelo menos já
pode defender sua reputação e impedir que sua dignidade seja atacada nesse
país. Com a retratação, o velho “Pravda” não perdeu sua credibilidade, como
muitos podem pensar. Passou, aliás, a fazer justiça ao nome que tem, que no
idioma russo significa "verdade”. Oxalá seja sempre ela o que o jornal
procure, fanática e sistematicamente, retratar.
(Artigo
publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 27 de setembro de
1989).
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