Saturday, January 04, 2014

Jornal que honra o nome


Pedro J. Bondaczuk


A União Soviética, com as incríveis transformações de comportamento que está experimentando sob a batuta de Mikhail Gorbachev, vem se constituindo, de uns três anos para cá, numa inesgotável fonte de notícias. Não que antes não o fosse, mas até o início da “glasnost” era difícil de se saber o que era verdade procedente dali.

Sua imprensa e sua agência oficial davam a entender que a superpotência marxista era um verdadeiro “paraíso terrestre”. Quando o Ocidente falava em protestos de dissidentes, imediatamente a Tass dava a entender que se tratava de algum “bandido”, de algum marginal que estava promovendo desordens. E o governo cuidava logo de sumir com ele.

O que o “Pravda”, o órgão oficial do Partido Comunista, publicava, soava como dogma. Estava a salvo de reparos. Seus jornalistas agiam como se fossem sempre os donos da verdade. Nunca erravam. Pelo menos eles pareciam achar isso.

Ontem, finalmente, esse jornal adquiriu pelo menos um pouco de credibilidade no Ocidente. Teve a humildade de admitir que cometeu um erro ao reproduzir um artigo do diário “La Reppublica”, acerca da passagem do parlamentar oposicionista Bóris Yeltsin pelos Estados Unidos.

Na matéria, o deputado mais votado da União Soviética nas eleições de 26 de março passado, foi acusado de ter dado autêntico vexame em seu giro por várias cidades norte-americanas. Foi retratado como um bêbado, de cabeça oca, cheio de opiniões vazias e contraditórias. O artigo classifica essa personalidade como um verdadeiro “atleta etílico”. Ou seja, um emérito “levantador de copos”.

É claro que Yeltsin protestou. Afinal, era a sua reputação que estava em jogo. Fosse em outros tempos, seu protesto não seria levado em conta. Quando muito, mereceria (se merecesse) uma menção num pé de página qualquer, ou talvez na seção de cartas do leitor, talvez acompanhada de um comentário irônico.

Aliás, se não estivesse em andamento a “glasnost”, ele nem teria ido aos Estados Unidos. Mais do que isso, nem seria membro do Congresso de Deputados do Povo. Certamente estaria internado num dos tantos “gulags” (campos de trabalhos forçados) que abundavam na União Soviética, quando não num sanatório para doentes mentais, dopado para não demonstrar nenhuma sanidade.

Mas os tempos, ao que tudo indica, mudaram e para melhor. Um cidadão pelo menos já pode defender sua reputação e impedir que sua dignidade seja atacada nesse país. Com a retratação, o velho “Pravda” não perdeu sua credibilidade, como muitos podem pensar. Passou, aliás, a fazer justiça ao nome que tem, que no idioma russo significa "verdade”. Oxalá seja sempre ela o que o jornal procure, fanática e sistematicamente, retratar.

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 27 de setembro de 1989).


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