Salvo pelo gongo
Pedro
J. Bondaczuk
O próximo personagem
desta série de estudos dos ficcionistas baianos, David Salles – que além de
fazer ficção, foi notável ensaísta, jornalista e, sobretudo, crítico literário
– tem tamanha importância para a Literatura, não somente da Bahia, mas do País,
que por mais sucinto que eu tente ser, será impossível tratar de sua vida e de
sua obra em um único texto. Lamento, apenas, que seu nome e seus feitos no
campo das letras sejam tão pouco mencionados, divulgados ou sequer conhecidos.
Certamente, isso se deve à desinformação que caracteriza a grande maioria dos
que atuam neste tão instável campo de atividade, o das letras.
Eu já havia lido e
ouvido inúmeras referências a David Salles, em textos de crítica literária e em
palestras acadêmicas, mas nenhum dos que o mencionavam davam a menor informação
sobre seus dados biográficos. Ou seja, citavam, aqui e ali, quase que ao acaso,
o que ele fez, mas não diziam “quem foi”. Eu queria saber, por exemplo, onde e
quando nasceu, qual a sua trajetória acadêmica, quais livros escreveu, onde e
quando morreu, enfim, o essencial da sua biografia.
Ao iniciar esta série,
com base na antologia “Histórias da Bahia” (Edições GDR, 1963), em que o seu
conto, “O olhar”, é o quarto na ordem de publicações, empreendi meticulosa e
demorada pesquisa sobre a vida e a obra dos 23 escritores que integram essa
seleta. Consultei livros e mais livros, virei no avesso meus arquivos de
anotações, percorri item por item da minha razoavelmente completa hemeroteca e,
principalmente, “vasculhei” a internet à cata de referências biográficas, entre
outras, de David Salles. Em vão. Estava quase convencido que o resultado da
minha busca seria o mesmo do que ocorreu com A. Mendes Netto. Ou seja, que
ficaria na mão, embora tendo absoluta convicção da sua importância literária.
Quando já estava
prestes a desistir, a me dar, mais uma vez, por vencido, fui “salvo pelo
gongo”, como se diz na linguagem do boxe, quando um lutador se livra de ser
nocauteado pelo sinal do fim do “round” em que está prestes a cair. Eis que,
quase que por acaso, “topei” com uma tese acadêmica muito bem elaborada, com
fartura de informações, com detalhes que raramente se encontram nas melhores
biografias, sobre o escritor que procurava, e, sobretudo, muito bem escrita,
num texto enxuto, atrativo e impecável.
Essa jóia rara (e bem
vinda) intitula-se “David Salles: da crítica de rodapé à crítica
universitária”. Sua autora é Itana Nogueira Nunes, que teve como orientador o
Professor Doutor Cid Seixas Chagas Filho e o trabalho foi voltado ao Programa
de Pós-Graduação em Letras e Linguística do Instituto de Letras da Universidade
Federal da Bahia. É graças a essa tese de doutoramento que consegui saber um
pouco mais dessa figura maiúscula da literatura regional, conhecimento que
partilharei, com prazer, com você, caríssimo leitor, nos próximos dias.
Itana faz, na página 78
do seu precioso trabalho, uma constatação que é a mesma que fiz, ao iniciar
esta série de estudos. Ou seja, a da carência de informações biográficas, não
raro as essenciais, como nome completo, data e local de nascimento e esses
mesmos dados sobre a morte (caso se trate de escritor já falecido), sobre
“astros e estrelas” das letras nacionais. Escreveu a propósito: “Sem histórias,
diários ou memoriais que auxiliassem na elaboração de biografias de grandes
nomes, não somente da crítica, mas da nossa literatura de um modo geral, muitas
informações se perderam no tempo e no espaço, dificultando o trabalho daqueles
que se interessavam em preservar a nossa memória”. E como dificultam! Não raro,
até inviabilizam o resgate de escritores que, pela importância da sua obra, não
deveriam ser esquecidos jamais, mas que são.
Itana comenta sobre as
conseqüências dessa falta de informações: “...Também muitos autores do século
XX estão fadados ao total esquecimento, ou, em melhor hipótese, ao resgate
parcial das suas histórias pessoais, assim como também das suas obras”. Como o
leitor pode perceber, minhas reclamações a esse respeito não são tentativas de
se justificar, da parte de um pesquisador imperito, ou desastrado, ou
incompetente como pode parecer. A carência de dados de escritores – e não me
refiro, sequer, aos obscuros, mas aos que foram importantíssimos no seu tempo –
é enorme e absurda. Felizmente, isso não irá acontecer em relação a David
Salles. Tenho certeza que, na esteira destes meus pífios e primários estudos a
seu respeito, muitos outros, mais completos e competentes virão. Alguns, para
completá-los, nas suas eventuais lacunas. E outros, talvez, até mesmo para
contestar algum dado incorreto que, porventura, eu vier a apresentar.
Antes de tratar da vida
e da obra de David Salles, o que, reitero, farei nos próximos dias, com
bastante vagar e procurando ser o mais didático possível (vezo de ex-professor
e de atual conferencista), reproduzo uma observação a seu respeito, feita em
entrevista concedida por Carlos Cunha, na Academia de Letras da Bahia, em 10 de
julho de 1997, citada na tese de Itana, que dá uma idéia razoável do comportamento
e da personalidade do escritor: “Como vivia sempre voltado para a pesquisa e
para o estudo crítico carregava consigo para onde fosse o seu aparato
teórico-crítico natural, o que utilizava com freqüência em meios
extra-acadêmicos, reuniões e outras situações , traço que o faz vivo na
lembrança de alguns dos seus amigos”. Grupo, aliás, ao qual me junto
prazerosamente, a despeito do tempo e do espaço que nos separaram e separam, e
de não ter conhecido essa magnífica figura pessoalmente, por não ser seu
co-estaduano, posto que sendo seu contemporâneo. Porquanto tenho, em todos os
escritores que me ensinam e embevecem a todo o momento, legítimos “amigos”, tão
ou mais do que aqueles com os quais convivo no dia a dia.
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