A
banalização da violência
Pedro J. Bondaczuk
A
violência urbana sempre esteve (e certamente sempre vai estar) entre as
principais preocupações do ser humano, viva onde viver e em que tempo for. Ela
é mais intensa e mais freqüente, logicamente, nas grandes cidades. Esta ocorrência policial, social e
comportamental desperta (com justa razão) obsessão coletiva, quer em alguma
cidade específica, quer no Estado, quer no País ou no mundo, Deflagra clima generalizado de insegurança e
de medo. Quando se fala em violência, não se pensa, somente, em criminalidade
(embora esta, por razões compreensíveis, seja mais assustadora, por colocar em
risco nosso patrimônio e, sobretudo, nossa vida). Ela manifesta-se de várias
outras formas, como o trânsito caótico, a corrupção policial e vai por aí
afora.
As
pessoas têm a tendência de achar que sua época é a pior de todas da História,
seja em que aspecto for, principalmente no que se refere à violência. Isso é
natural e facilmente observável. O ser humano, no entanto, na sua condição de
animal, é, e sempre foi, violento por natureza e instinto (aliás, trata-se do
espécime mais brutal e destrutivo de todos os seres viventes), tenha o grau
cultural, a condição econômica ou a formação moral e intelectual que tiver. Quem
se der o trabalho de consultar arquivos de jornais, por exemplo, irá constatar
que exigências por maior segurança sempre figuraram entre as reivindicações prioritárias dos cidadãos, não
importa de onde, desde que surgiu a imprensa para registrar queixas, anseios e preocupações.
Claro
que os motivos do início do século passado, por exemplo, eram muito diferentes
dos atuais. Naquela época, homicídios eram ocorrências de extrema raridade.
Quando aconteciam, não passavam de um ou dois por ano e, por isso, causavam
choque maior quando se verificavam, pois ganhavam repercussão até exagerada.
Hoje, as mortes violentas foram banalizadas. Não ocorrem, como até há pouco
tempo, esporadicamente, à razão de uma por ano ou mesmo por semestre. O cômputo
nem é mais mensal ou mesmo semanal, mas diário, e ameaça se tornar horário. As
mortes violentas parecem, por conseguinte, não chocar mais ninguém, a não ser
pelo acúmulo.
E
a questão não é sequer quantitativa. Uma única pessoa que perca,
prematuramente, a vida já se constitui em irremediável tragédia, tanto para a
sua família (o que é mais do que natural), quanto para a sociedade e, por que
não dizer, até para a humanidade. Pior quando isso acontece de forma violenta.
A vítima, caso sobrevivesse, tanto poderia ser agente de tragédias, quanto a
salvadora de milhares de vidas. O herói e o carrasco, quase sempre, são frutos
das circunstâncias. Eliminada essa
pessoa, nunca se poderá saber o que ela faria se permanecesse viva, se o bem ou
o mal.
É
necessária ampla, consistente e contínua campanha de valorização da vida.
Faz-se indispensável, e urgente, um desarmamento coletivo, tanto das armas de
quaisquer tipos ou natureza (cuja única utilidade é a de ferir e não raro de
matar), mas também dos espíritos. Essa maciça conscientização é uma das tarefas
(se não a principal) dos meios de comunicação, cujo papel social não se esgota,
somente, como muitos imaginam, no mero ato de informar (embora se trate de
função das mais nobres, relevantes e necessárias). Mas o escritor também pode,
e deve, dar sua contribuição para a formação de uma consciência de paz,
harmonia e solidariedade.
É
missão não somente da imprensa, mas das demais atividades ligadas à comunicação
(e a Literatura é a principal delas), sobretudo, "formar" opiniões (e
impedir que estas sejam deformadas) para que se cristalizem convicções nobres e
construtivas no espírito da população. Combater a violência, em todas as suas
formas e manifestações (tanto a nossa quanto a de nossos semelhantes) é,
portanto, obrigação de todos, sem qualquer exceção, sob pena de amanhã, por
motivos banais (em geral são), qualquer um de nós se tornar ou homicida ou (o
que é mais provável), a vítima.
Tanto
ela, quanto a criminalidade, nas suas mais variadas formas e matizes,
(incluindo-se, aí, o terrorismo) constituem-se na principal característica
mundial, neste início de novo século e milênio. É um mal tão profundo, que se
não combatido com eficácia, tende a
levar a humanidade, mais dia menos dia, à destruição. Nessa guerra sem quartel,
é necessário que se adotem "armas" específicas, diferentes das
convencionais.
São
necessárias medidas, não somente repressivas (embora num primeiro momento seja
o único recurso para inibir ações delituosas), mas, e principalmente,
preventivas, de médio e longo prazo. Neste caso, entra a questão da
"conscientização" das pessoas, em especial da juventude, das crianças
e dos adolescentes, na faixa dos 10 aos 18 anos, onde se concentra a grande
maioria tanto dos criminosos, quanto das vítimas.
É
indispensável, sobretudo, o resgate do real sentido da "educação",
cujo verdadeiro significado vem se deteriorando ao longo do tempo, numa época
de tamanha abundância de meios de informação. Trata-se de conceito confundido,
de maneira generalizada (até pelos que se apresentam como especialistas na
questão), com mera "instrução".
Educar, no entanto, é uma ação muito mais ampla e profunda do que
meramente instruir. É um processo que envolve todos os relacionamentos humanos,
sem nenhuma exceção: no lar, na escola, no trabalho, no lazer e no âmbito
social, em todas as suas atividades. Sem o resgate da solidariedade e do
respeito recíproco, como princípios fundamentais da convivência harmoniosa
entre as pessoas, nada de realmente efetivo poderá ser feito.
Um dos mais graves
problemas do nosso tempo, o tráfico e o consumo de drogas, vem sendo atacado,
por exemplo, de forma absolutamente errada pela sociedade. É necessária uma
ação muito, mas muito mais agressiva do que a posta atualmente em prática,
tanto por parte das autoridades policiais e judiciárias, na repressão aos
traficantes, quanto de médicos, educadores, psicólogos, etc., e principalmente
de pais, junto aos usuários, para demovê-los e ajudá-los a sair do atoleiro em
que se meteram. Ações preventivas devem ser priorizadas (afinal, diz o surrado
clichê, "prevenir é melhor do que remediar"). Depois do vício
instalado, raros, raríssimos são aqueles que conseguem a façanha de se livrar
dele, mesmo contando com a máxima ajuda especializada.
Até
o século XIX, os grandes consumidores de drogas eram adultos. A idade foi
baixando, baixando e hoje já há crianças de seis (pasmem!), oito ou dez anos se
drogando e cometendo pequenos delitos, para financiar e sustentar o vício. Há
casos extremos (embora não tão raros como se pensa) de menores, nessa mesma
faixa etária, que já contam com um ou mais homicídios nas costas!
E
as tentativas de "recuperação" desses infratores mirins são tão
burras, tão insensíveis, tão fora da realidade, que o "remédio" acaba
se transformando em veneno. Em vez de serem entregues aos cuidados de médicos,
psicólogos e assistentes sociais, esses garotos e garotas são amontoados nesses
abrigos asquerosos, que são as casas sucessoras das Febens da vida, de onde
saem infinitamente mais corrompidos e perigosos do que quando entraram. Quase metade dos crimes cometidos nas grandes
cidades, se não mais, tem em sua raiz as drogas, incluindo aí as consideradas
"legais", principalmente o álcool. Enquanto não se agir com
competência e seriedade, no sentido de conscientizar as pessoas (desde o berço,
se for preciso, até o túmulo), sobre o certo e o errado, o bom e o mau, o sadio
e o aberrativo, a violência e a criminalidade tendem somente a crescer, a um
limite que só Deus sabe qual é. Infelizmente...
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