Friday, January 17, 2014

História mal contada

Pedro J. Bondaczuk

As dificuldades para que os pesquisadores, ou seja, críticos literários, historiadores de arte, professores de Literatura e leitores um pouco mais curiosos, detectem nossos “rastros”, após a nossa morte, são muito maiores do que eu pensava. Isso me assusta e me preocupa. Em âmbito local, onde vivemos e trabalhamos, os obstáculos são, compreensivelmente (ou ao menos teoricamente) menores. Mas no plano nacional... É uma loucura! Tomo por base para essa conclusão o caso do ficcionista baiano A. Mendes Netto. De sua importância não duvido. Há inúmeras citações, posto que esparsas, ressaltando sua preciosa contribuição para as letras não somente da Bahia, mas do País.

Deduzi, de várias menções (todas elogiosas) sobre sua obra que ele foi destacado expoente do conto urbano, explorando tipos e cenários, sem dúvida inspiradores, da exótica cidade de Salvador. Por exemplo, Jorge Amado, ao recepcionar Adonias Filho, na Academia Brasileira de Letras, em 23 de maio de 1969, proferiu memorável discurso de boas vindas ao conterrâneo. Em sua fala, que preencheu 32 alentadas laudas, resumiu o panorama literário da Bahia, com ênfase em seus ficcionistas. Em determinado trecho dessa oração, o autor de “Tieta do Agreste” ressaltou:

“(...) Para o romancista, a noção que o sentimento estético impôs, e ao qual não pôde fugir, foi a do espaço. Observação justa, caracterização perfeita: nela cabemos todos nós, os do cacau, assim como os da capital, João Cordeiro, Dias da Costa, Vasconcelos Maia, José Pedreira, Ariovaldo Matos, A. Mendes Netto; os ficcionistas das Lavras, do São Francisco, do Recôncavo: Herberto Sales, Ruy Santos, D. Martins de Oliveira, Wilson Lins, Osório Castro, Luís Henrique, Clóvis Amorim (...)”.

Como se vê, nosso personagem foi considerado importante não somente pelos organizadores da antologia de contistas baianos, “Histórias da Bahia” (Edições GDR, 1963), que tomei como base para esta série de estudos, mas por um dos maiores ícones da Literatura mundial, como foi (e continua sendo, mesmo postumamente) Jorge Amado. O que me intriga é: se A. Mendes Netto foi tão importante (e está provado que foi), qual a razão de haver, pelo menos fora do âmbito do seu Estado, tão escassas (virtualmente, nenhuma) referências sobre ele? Atribuo ao fato de pouquíssimas pessoas, de fora da Bahia, haverem enfocado esse tão importante personagem. E de, os eventuais que talvez tenham feito, não haverem divulgado (não, pelo menos, adequadamente) seus textos nacionalmente.

Considero isso injusto e não descansarei enquanto não obtiver dados mais precisos a propósito desse excelente escritor. Sou persistente. Teimoso? Que seja! Mas nunca desisto quando se trata de fazer justiça com aqueles que compartilhem da minha paixão pelas letras. A exemplo do que fiz, em relação a Ariovaldo Matos, trago-lhe, curioso leitor, uma “palhinha” do texto de A. Mendes Netto. Trata-se da abertura do seu conto, publicado em “Histórias da Bahia”, intitulado “Crispiniano, o livro e o Pelourinho”, que reproduzo abaixo:     

“Tenho a impressão que esta história vau ser mal contada. É meio complicada. Porém, não aceito culpa sobre isso. Pelo contrário. Aqui nada mais sou que um simples narrador, uma pessoa que jamais pôs os olhos em Crispiniano, e que somente conheceu três cidadãos que riveram o prazer da sua amizade. Segundo informaram, foram personagens, juntamente com uma série de outros, de um livro que o mesmo teria escrito. Não sei se isso é verdade. Os meus informantes sempre gostaram de ser ‘importantes’.

Portanto, vou contar tudo exatamente como soube, sem alterar nem modificar nada, e principalmente sem muita preocupação de ordem, isto é, sem, perfeita arrumação cronológica. Um fato pode ter acontecido antes ou depois de Crispiniano desejar ser escritor. Pode ser até que muitos não tenham acontecido nunca. Difícil saber.

É um diabo quando a gente ouve a história aos pedaços, um contando uma coisa, outro contando outra.

Os senhores, portanto, desculpem se houver confusão. E se, porventura, gostarem, será ótimo. Sim, ia esquecendo: vou contar a história sozinho, deixando no anonimato os meus informantes. Não desejo comprometê-los, embora a história não tenha nada demais, não ofenda a moral de ninguém, nem desabone a conduta de Crispiniano. Enfim, uma história comum.

Mas por favor não esqueçam: tudo eu ouvi dizer, ouvi contar, até os diálogos que aparecem uma vez ou outra (...)”

Chama-me a atenção justamente o início desse conto, em que A. Mendes Netto escreve: “Tenho a impressão que esta história vau ser mal contada”. Seria premonição dele sobre a forma como sua biografia seria tratada por este canhestro “escrevinhador”? Claro que não! Contudo... bem que poderia ser. Por falta de referências a seu respeito (que devem existir aos montes, mas na Bahia), tenho não a impressão, mas a certeza, de que “esta história está sendo mal contada”. Ou não?


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