História mal contada
Pedro
J. Bondaczuk
As dificuldades para
que os pesquisadores, ou seja, críticos literários, historiadores de arte,
professores de Literatura e leitores um pouco mais curiosos, detectem nossos
“rastros”, após a nossa morte, são muito maiores do que eu pensava. Isso me
assusta e me preocupa. Em âmbito local, onde vivemos e trabalhamos, os
obstáculos são, compreensivelmente (ou ao menos teoricamente) menores. Mas no
plano nacional... É uma loucura! Tomo por base para essa conclusão o caso do
ficcionista baiano A. Mendes Netto. De sua importância não duvido. Há inúmeras
citações, posto que esparsas, ressaltando sua preciosa contribuição para as
letras não somente da Bahia, mas do País.
Deduzi, de várias
menções (todas elogiosas) sobre sua obra que ele foi destacado expoente do conto
urbano, explorando tipos e cenários, sem dúvida inspiradores, da exótica cidade
de Salvador. Por exemplo, Jorge Amado, ao recepcionar Adonias Filho, na
Academia Brasileira de Letras, em 23 de maio de 1969, proferiu memorável
discurso de boas vindas ao conterrâneo. Em sua fala, que preencheu 32 alentadas
laudas, resumiu o panorama literário da Bahia, com ênfase em seus ficcionistas.
Em determinado trecho dessa oração, o autor de “Tieta do Agreste” ressaltou:
“(...)
Para o romancista, a noção que o sentimento estético impôs, e ao qual não pôde
fugir, foi a do espaço. Observação justa, caracterização perfeita: nela cabemos
todos nós, os do cacau, assim como os da capital, João Cordeiro, Dias da Costa,
Vasconcelos Maia, José Pedreira, Ariovaldo Matos, A. Mendes Netto; os
ficcionistas das Lavras, do São Francisco, do Recôncavo: Herberto Sales, Ruy
Santos, D. Martins de Oliveira, Wilson Lins, Osório Castro, Luís Henrique,
Clóvis Amorim (...)”.
Como se vê, nosso
personagem foi considerado importante não somente pelos organizadores da
antologia de contistas baianos, “Histórias da Bahia” (Edições GDR, 1963), que
tomei como base para esta série de estudos, mas por um dos maiores ícones da
Literatura mundial, como foi (e continua sendo, mesmo postumamente) Jorge Amado.
O que me intriga é: se A. Mendes Netto foi tão importante (e está provado que
foi), qual a razão de haver, pelo menos fora do âmbito do seu Estado, tão
escassas (virtualmente, nenhuma) referências sobre ele? Atribuo ao fato de
pouquíssimas pessoas, de fora da Bahia, haverem enfocado esse tão importante
personagem. E de, os eventuais que talvez tenham feito, não haverem divulgado
(não, pelo menos, adequadamente) seus textos nacionalmente.
Considero isso injusto
e não descansarei enquanto não obtiver dados mais precisos a propósito desse
excelente escritor. Sou persistente. Teimoso? Que seja! Mas nunca desisto
quando se trata de fazer justiça com aqueles que compartilhem da minha paixão
pelas letras. A exemplo do que fiz, em relação a Ariovaldo Matos, trago-lhe,
curioso leitor, uma “palhinha” do texto de A. Mendes Netto. Trata-se da
abertura do seu conto, publicado em “Histórias da Bahia”, intitulado
“Crispiniano, o livro e o Pelourinho”, que reproduzo abaixo:
“Tenho
a impressão que esta história vau ser mal contada. É meio complicada. Porém,
não aceito culpa sobre isso. Pelo contrário. Aqui nada mais sou que um simples
narrador, uma pessoa que jamais pôs os olhos em Crispiniano, e que somente
conheceu três cidadãos que riveram o prazer da sua amizade. Segundo informaram,
foram personagens, juntamente com uma série de outros, de um livro que o mesmo
teria escrito. Não sei se isso é verdade. Os meus informantes sempre gostaram
de ser ‘importantes’.
Portanto,
vou contar tudo exatamente como soube, sem alterar nem modificar nada, e
principalmente sem muita preocupação de ordem, isto é, sem, perfeita arrumação
cronológica. Um fato pode ter acontecido antes ou depois de Crispiniano desejar
ser escritor. Pode ser até que muitos não tenham acontecido nunca. Difícil
saber.
É
um diabo quando a gente ouve a história aos pedaços, um contando uma coisa,
outro contando outra.
Os
senhores, portanto, desculpem se houver confusão. E se, porventura, gostarem,
será ótimo. Sim, ia esquecendo: vou contar a história sozinho, deixando no
anonimato os meus informantes. Não desejo comprometê-los, embora a história não
tenha nada demais, não ofenda a moral de ninguém, nem desabone a conduta de
Crispiniano. Enfim, uma história comum.
Mas
por favor não esqueçam: tudo eu ouvi dizer, ouvi contar, até os diálogos que
aparecem uma vez ou outra (...)”
Chama-me a atenção
justamente o início desse conto, em que A. Mendes Netto escreve: “Tenho a
impressão que esta história vau ser mal contada”. Seria premonição dele sobre a
forma como sua biografia seria tratada por este canhestro “escrevinhador”?
Claro que não! Contudo... bem que poderia ser. Por falta de referências a seu
respeito (que devem existir aos montes, mas na Bahia), tenho não a impressão,
mas a certeza, de que “esta história está sendo mal contada”. Ou não?
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