Aniversários envelhecem
Pedro
J. Bondaczuk
O genial (e ele faz jus
a todos os adjetivos positivos que vocês encontrarem no dicionário) escritor
Machado de Assis, cujas idéias ainda são atualíssimas, embora tenha morrido em
1906, mostrando que ele estava muito à frente do seu tempo, escreveu, em certa
ocasião: “Também os aniversários envelhecem ou adoecem, até que se desvanecem
ou perecem”. Advirto os desavisados que não adianta procurar esta citação em
nenhum de seus livros. O Bruxo do Cosme Velho escreveu isso em um artigo
jornalístico, mais especificamente em sua coluna “História de quinze dias”, que
ele mantinha, em meados do século XIX, no jornal “Gazeta de Notícias” do Rio de
Janeiro. Querem que eu seja mais específico? Serei. Trata-se da coluna publicada
na edição de 15 de setembro de 1876. Faz tempo, não é verdade?
Machado de Assis não se
referiu ao óbvio, como possa parecer ao se ler estas palavras fora do devido
contexto. Não disse que “os aniversariantes” envelhecem, sejam estes pessoas,
instituições ou fatos históricos. Explicitou que o próprio hábito de se
comemorar aniversários fica velho, fica doente, se desvanece e até morre. Muita
coisa que era comemorada no tempo em que o escritor viveu, ou no início do
século passado, quando morreu, não se comemora mais. Por que? Porque são
instituições, ou pessoas, ou eventos que ficaram ultrapassados e, simplesmente,
“desapareceram” da memória coletiva. Caíram no esquecimento, como se jamais
tivessem existido. Alguns, volta e meia, são “descobertos” por pesquisadores e
trazidos à baila, via de regra como meras curiosidades. Outros... nem isso.
Nunca mais são ou serão lembrados.
Trata-se de um tema
instigante para escritores criativos. Na pior das hipóteses, suscitam boa
crônica. Os mais meticulosos talvez redijam um ensaio. E os geniais, sem
dúvida, são capazes de escrever um livro a respeito ou mais de um. Dia desses,
em conversa informal com amigos, levantei o assunto. O “gancho” foi a passagem
do meu aniversário – que, a propósito, ocorre hoje, neste calorento 20 de
janeiro de 2014. Não tenho escrúpulo em revelar quantos anos completo. São 71,
suponho que muito bem vividos (ou assim eu acho). Expus aos meus interlocutores
o que considero tremenda contradição. Observei que, quando aniversariamos,
ficamos, óbvio, um ano mais velhos. Por conseqüência, teoricamente, nos
aproximamos um pouquinho mais da morte (seria pouquinho mesmo? Felizmente, não
sabemos).
Ora, se “gastamos”
parte da nossa principal fortuna, do capital que sequer sabemos a quanto monta,
que é o tempo, qual a razão de comemorarmos, com bolo, velinhas, festa e tudo o
mais, geralmente com alegria, esse decréscimo de vida? Deveríamos nos
entristecer, principalmente depois de certa idade. Todavia... não ficamos
tristes. Ficamos eufóricos. As pessoas não nos hipotecam solidariedade típica
das perdas, mas nos cumprimentam com efusão, como se ganhássemos na loteria. É
contraditório, não é mesmo? E ai de quem não se lembra da data e não nos
distingue com algum cumprimento, algum voto, algum augúrio (a maior parte “da
boca para fora”, nitidamente formais e, portanto, hipócritas).
Entendam, parentes e
amigos, não estou criticando e muito menos condenando ninguém que me
cumprimentou nesta data. Estou felicíssimo com o fato de ter sido lembrado, e
por centenas de pessoas, muitas das quais ausentes da minha vida há décadas.
Portanto, suas manifestações de apreço são muito relevantes, por serem
surpreendentes e, sobretudo, espontâneas. Ninguém obrigou essas pessoas a me
cumprimentarem e me desejarem saúde, paz, amor, felicidades etc.etc.etc. e
muitas sequer esqueceram de me desejar que obtenha muito dinheiro. Sinceros ou
não esses votos, só posso recebê-los com solene “Amém”, que significa “assim
seja!” Tomara que sim.
Na referida conversa
sobre o hábito de se festejar aniversários, meus interlocutores me trouxeram
preciosas informações sobre a origem desse hábito. No final da conversa,
todavia, como soe acontecer o tempo todo comigo, lá veio a indefectível
imposição de uma tarefa para eu executar. Tais amigos exigiram que eu
escrevesse a esse propósito, o que, certamente farei, mas somente depois de
analisar com a máxima concentração e cautela possíveis os dados que me
forneceram e depois conferir as fontes sugeridas. É vezo de jornalista e um
pouco de professor: ou seja, é obsessão pela precisão.
Antecipo-me, contudo, a
um texto mais elaborado, que pretendo redigir oportunamente, para pelo menos
partilhar com vocês a informação sobre a etimologia da palavra “aniversário”.
Para tanto, recorro a uma fonte que em inúmeras ocasiões tem funcionado como
uma espécie de pronto-socorro literário para mim. Refiro-me à enciclopédia
eletrônica Wikipédia, que já me livrou de um montão de enrascadas. Ela
apresenta duas versões a propósito do termo, ambas provenientes da nossa língua
mãe, o latim.
A primeira dá conta que
a expressão provém de “aniversarium” (anni = ano + vers = “que retorna” + arius
= “data”), ou seja, “que volta todos os anos”. Há um grupo de etimólogos,
todavia, que assegura que “aniversário” surgiu da junção de “annus” (e não é o
que vocês estão pensando, mas simplesmente “ano”) com “vertere” (voltar), o que
resulta no significado “aquilo que volta todos os anos”. Como se vê, a
diferença entre uma versão e outra está apenas em minúcias. De qualquer forma,
concluo com a constatação de que “aniversários envelhecem”. E com dupla
acepção: a quem aniversaria e a si próprios. E não é?!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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