Caso em que a obra
ofusca o autor e lhe sobrevive
Pedro
J. Bondaczuk
A maior dificuldade
para se empreender um estudo meticuloso e preciso da Literatura de determinada
região do País é a ausência de informações a propósito de determinados dos seus
principais escritores. Mesmo de muitos
que foram importantes no seu tempo e em seu Estado, mas dos quais, por estranha
ironia, não resta a menor informação. Não, pelo menos, fora do âmbito do local
em que viveram. “Mas como?!”, perguntará, atônito, o leitor. Mostrarei como. É
como se tais escritores não tivessem existido, embora haja livros e mais livros
escritos por eles. Mas, a propósito de quem foram e o que fizeram, além de
escrever, não há nada. Duvidam? Acompanhem-me na sequência.
Um exemplo do que afirmei
é o do ficcionista baiano A. Mendes Netto, cujo conto (muito bom, por sinal) é
o segundo da antologia “Histórias da Bahia” que tomei como referencial para
este estudo dos grandes ficcionistas desse Estado. Reitero que a amostra que
tive a oportunidade de conhecer é de primeiríssima qualidade literária. Presumo
que o restante da obra que deixou deva ser de alto nível. É até uma questão
lógica. Afinal, se não fosse bom, não seria incluído na elite ficcional baiana.
Todavia, quem foi esse escritor? Não encontrei referência alguma a esse
propósito, por mínima que fosse, nem mesmo recorrendo ao Google que,
pitorescamente, identifica seus principais livros e até informa onde podem ser
adquiridos, mas não traz rigorosamente nada sobre o autor.
Fiquei sem saber, por
exemplo, o que significa esse “A”, da abreviação do prenome, que utilizou na
publicação de seus livros. Seria Antonio? Seria André? Seria Almir? Seria outro
qualquer iniciado com a primeira letra do alfabeto? Não consegui descobrir.
Ora, se nem seu nome de batismo consegui apurar, muito menos sucesso obtive em
tentar saber quando nasceu (e qual, por conseqüência, é sua idade, se estiver
vivo). Já morreu? Quando? Onde? Por qual causa, se as três perguntas anteriores
forem afirmativas? É a típica situação em que a obra sobrevive ao autor, mas
não revela e nem explica quem ele foi. A julgar, porém, pelo que deixou,
concluo que foi excelente escritor.
A antologia que me
serve de base para este estudo traz cerca de dez linhas de informações sobre A.
Mendes Netto. Informa, por exemplo, que nasceu em Salvador, onde fez seus
estudos e onde residia na ocasião da publicação de “Histórias da Bahia”, isso
em 1963, portanto, há cinqüenta anos. Porém não esclarece sobre a data de
nascimento. Fiquei sem saber se, quando seu conto foi selecionado para integrar
a antologia, ele era jovem, maduro ou já idoso. Não encontrei nada, nada, nada
a esse propósito. A referida nota informa, ainda, que A. Mendes Netto era, na
oportunidade, colaborador de diversos jornais soteropolitanos. Não esclarece,
porém, de quais e nem sobre o teor dessa colaboração.
Quando aborda sua obra,
a que produziu até 1963, portanto, há cinqüenta anos, traz informações mais
detalhadas. Diz que escreveu, e publicou, a peça teatral “O político”, mas não
esclarece quando. Cita a publicação, por parte do escritor, de um estudo sobre
economia, intitulado “A lição de Malthus”, sem revelar a data que isso ocorreu.
Destaca que sua “verdadeira estréia” literária se deu com o livro de contos “As
noites falam depois”. Aí, sim, definiu o ano de publicação: 1959. E o livro é
muito bom, pois a internet declina até os locais em que pode ser adquirido,
embora não traga, insisto, a mais trivial informação sobre o autor. Que, com
base no que tive a oportunidade de ler dele, é, torno a insistir, muito bom!
Fez por merecer, amplamente, a inclusão na antologia entre os melhores.
Ainda com base na nota,
de dez linhas, de “Histórias da Bahia”, fiquei sabendo que o primeiro livro de
contos de A. Mendes Netto “tornou conhecido o nome do novo ficcionista”, a
ponto dele merecer elogios da crítica”. Aí é que não entendo mais nada!
Conhecido como, se não há referência alguma dele na grande imprensa e sequer na
internet?! Mas, por surrealista que seja, há informações de sobejo sobre seus
livros e até indicações de onde e de como podem ser adquiridos! Herberto Salles
chegou a escrever a respeito, no início da década de 60 do século XX: “O jovem
escritor baiano se exprime através um estilo ameno e sedutor e se firma como um
narrador inquieto e vivaz”. Concordo com essa avaliação, que assino embaixo,
pois coincide com o que apurei sobre sua forma de narrar. Mas quem foi ele?
Onde nasceu? Ainda está vivo? A esse propósito, não descobri, rigorosamente,
nada! Isso que é injustiça para com um grande (e reconhecido) talento, tanto
que teve conto incluído na antologia dos melhores do gênero na Bahia!!!
Entendam, não estou
criticando o livro que tomei por base para realizar este estudo. Seus
organizadores presumiam não ser necessária a divulgação de sua biografia, e de
nenhum outro dos escritores incluídos, mesmo que resumida, pois entendiam que
eles eras conhecidos suficientemente (e há cinqüenta anos, eram mesmo). Por
que, então, este contista específico foi esquecido? Por que não se encontra em
lugar algum (pelo menos fora da Bahia), incluindo a internet (com suas milhões
de informações sobre tudo e todos), nada a respeito de A. Mendes Netto (embora
haja tantas referências aos seus livros)?! Isso é o que eu gostaria de
entender.
E ao longo destes meus
estudos, há outros seis casos iguais. Ainda assim, sem contar com nenhuma
referência biográfica, aceito e considero, eles também, como dignos de
figurarem entre os ases da ficção baiana. Caso contrário, não figurariam na
excelente antologia que me serve de referencial, ao lado de Jorge Amado, João
Ubaldo Ribeiro, Jorge Medauar, Adonias Filho e tantos e tantos outros “monstros
sagrados” da riquíssima literatura da Bahia e, por conseqüência, do Brasil.
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